Uma CPI do judiciário poderia convocar ministros do STF? Entenda

Foto: STF

É certo que uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) pode ouvir testemunhas e investigados (artigos 2º da Lei 1579/52). Mas poderia em uma CPI sobre abuso de autoridade aventada pelo Deputado Federal Marcel Van Hatten convocar ministros de cortes superiores ou juízes? entendo que não, o próprio STF já se debruçou sobre o assunto acerca de convocar o Presidente da República, governadores ou prefeitos e o que se decidiu foi a impossibilidade de chamar um chefe de outro poder pelo judiciário, isso feriria o principio da separação dos poderes.
No entanto o entendimento do STF abriu caminho para convocar qualquer subordinado a essas autoridades, ou seja, assessores de juízes e ministros estariam desacobertados por tal entendimento e muitas vezes o assessor é o “braço” de um magistrado, uma quebra de sigilo telefônico ou telemático de um assessor de uma autoridade as vezes é mais turbulento do que a própria autoridade, um caso concreto é o do tenente coronel Mauro CID que foi assessor do presidente Bolsonaro e está preso e tendo seu celular devassado, outro caso emblemático foi o grampo feito pelo então Juiz Sérgio Moro no telefone do assessor da ex-Presidente Dilma Roussef, hoje o Advogado Geral da Uniao, que se descobriu uma trama para nomear o hoje presidente Lula, para que ele estivesse sob a égide do foro por prerrogativa de função ao ser Ministro de Estado.

Em um artigo do site Conjur, o assunto é aclarado com um artigo do Dr. Marcelo Labanca Corrêa de Araújo, ele descreve que o Supremo Tribunal Federal tem criado uma série de limites aos poderes das comissões parlamentares de inquérito. Diante da ausência de limites claros impostos pela Constituição de 1988 às CPI’s, a Corte vem interpretando a carta constitucional com a ajuda de princípios, entre os quais o da separação dos poderes, que é aplicado não apenas para preservar a relação Legislativo-Executivo, mas também a relação Legislativo-Judiciário.

Sobre isso, veja-se, à propósito, o precedente sobre a impossibilidade de convocação de juízes para depor em comissões parlamentares: “configura constrangimento ilegal, com evidente ofensa ao princípio da separação dos Poderes, a convocação de magistrado a fim de que preste depoimento em razão de decisões de conteúdo jurisdicional atinentes ao fato investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito”.[1] Observe-se que o fundamento utilizado pela Corte é o da preservação da separação dos poderes.

A leitura do artigo 50 da CF/88, portanto, permite a convocação apenas de autoridades diretamente subordinadas ao Presidente. E, em uma federação, não há hierarquia entre plano federal e estadual. Governadores não se encaixam dentre as autoridades “diretamente subordinadas” à Presidência. Afinal, União e Estados são esferas políticas distintas, autônomas e sem relação de hierarquia (no Brasil-Império havia hierarquia, no Brasil-Federação, não).

Desta forma, como Presidente não pode ser convocado por CPI, igualmente não poderão ser convocados os Governadores ou Prefeitos, já que seguem a mesma regra do artigo 50 pelo princípio da simetria federativa.
A autonomia federativa também impede que uma CPI do Poder Legislativo federal venha investigar assuntos relacionados ao interesse público da pessoa jurídica do Estado. CPIs federais investigam a União. CPIs estaduais, os Estados. Assim diz o regimento do Senado[3]:

Art. 146. Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes:
I – à Câmara dos Deputados
II – às atribuições do Poder Judiciário
III – aos Estados
O Supremo Tribunal Federal chegou a enfrentar esse tema da convocação de governador quando o então chefe do Poder Executivo do Estado de Goiás, Marconi Perillo, impetrou um mandado de segurança na Corte contra o ato de sua convocação para depor em uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI). Na época, investigava-se a relação do Governador com o contraventor Carlinhos Cachoeira. O julgado do STF assentou:

“Em um primeiro exame, a interpretação sistemática do Texto Maior conduz a afastar-se a possibilidade de comissão parlamentar de inquérito, atuando com os poderes inerentes aos órgãos do Judiciário, vir a convocar, quer como testemunha, quer como investigado, Governador. Os estados, formando a união indissolúvel referida no artigo 1º da Constituição Federal, gozam de autonomia e esta apenas é flexibilizada mediante preceito da própria Carta de 1988.”[4]

Evidentemente, a CPI, alegando a necessidade de investigar “fatos conexos” ao principal, e considerando a origem federal de recursos, pode terminar analisando questões estaduais. Nesse caso, cria-se uma espécie de ligação do estadual com o federal para, assim, tornar viável a investigação de fatos praticados por autoridades estaduais (como, por exemplo, o uso dos recursos federais). A lógica é a mesma que atrai para a competência da Justiça Federal fatos que, em tese, seriam da Justiça local, mas, em razão do uso de verba pública federal, terminam sendo atraídos para a competência do artigo 109, inciso I, da CF/88.

Ainda assim, na hipótese de a CPI federal investigar o uso de recursos federais por parte de autoridades estaduais, seria flagrantemente inconstitucional qualquer convocação de Governadores ou Prefeitos para depor, sob pena de expressa contrariedade ao artigo 50 que, pelo princípio da simetria, aplica-se a Estados e Municípios. Chefes de Executivo, de nenhuma das três esferas da Federação, não podem ser convocados para depor perante comissão parlamentar de inquérito.

Esse regramento é constitucional e deve ser obedecido por qualquer investigação parlamentar. Princípios estruturantes do constitucionalismo brasileiro como o da separação dos poderes e o da autonomia federativa não podem ceder espaço ou ser relativizados por disputas político-partidárias em comissões parlamentares de inquérito. Afinal, toda investigação parlamentar deve se dar dentro das regras do jogo constitucional.

Dr Júnior Melo, advogado e jornalista

[1] Vide o HC 80539 jujlgado pelo Supremo Tribunal Federal, disponível em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur87778/false , consulta em 25 de maio de 2021.

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