Juiz acusado de assédio sexual pode perder aposentadoria dada pelo CNJ se tiver condenação na Justiça

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Scalercio é acusado formalmente no CNJ por três mulheres por assédio e importunação sexual em São Paulo. Ele nega as todas as denúncias. Juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual, foi aposentado com salário de R$ 32 mil como punição
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Apesar da decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para punir o juiz Marcos Scalercio com a aposentadoria compulsória baseada no salário dele de R$ 32 mil, o magistrado pode perder os provimentos caso seja condenado pela justiça comum.
Scalercio é acusado formalmente no CNJ por três mulheres por assédio e importunação sexual em São Paulo. Ele nega as todas as denúncias. Veja a seguir os casos:
Uma ex-estudante de um cursinho voltado a estudantes de direito, onde o juiz dava aulas, contou que foi atacada pelo professor quando o encontrou numa cafeteria em 2014.
Uma funcionária do TRT-2 relatou que foi assediada dentro do gabinete do magistrado no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em 2018.
Uma advogada disse que o juiz a importunou pelas redes sociais dele na internet, em 2020.
Os casos foram revelados em agosto de 2022 pelo g1 após elas procurarem o Me Too Brasil e o Projeto Justiceiras.
Na terça-feira (23), o juiz foi punido em decisão unânime dos conselheiros do CNJ com uma aposentadoria compulsória.
Scalercio deixará a função de juiz e passará a receber a aposentadoria proporcional que será calculada pelo tempo de serviço. Para isso, o salário dele será usado como base de cálculo. Segundo o site do TRT-2, um juiz substituto ganha, em média, salário de mais de R$ 32 mil mensais.
A aposentadoria compulsória é considerada a punição mais grave na magistratura no âmbito administrativo. Outras punições previstas são: disponibilidade (não trabalha e fica afastado, mas é limitado a um período de tempo), remoção para outra unidade, censura ou advertência. Veja mais abaixo.
Ao blog, um conselheiro do CNJ explicou que, para a perda da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, é necessária uma decisão judicial, em processo a ser movido pelo Ministério Público. Caso o juiz seja, por exemplo, condenado na ação penal de assédio, ele perderá rendimentos que recebia desde que foi afastado compulsoriamente.
Atualmente, há uma investigação em sigilo do Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo, que analisa as três acusações de assédio sexual contra o magistrado, mas na esfera criminal.
O MPF foi procurado para comentar o assunto, mas não havia retornado até esta publicação. Depois de conclusão do inquérito, o MPF precisa relatar o caso à Justiça Federal, que poderá decidir pela perda da aposentadoria.
Até janeiro de 2023, o procedimento continuava em sigilo no MPF e ainda não tinha uma conclusão. No aspecto criminal, condenados por assédio sexual podem ser punidos com até dois anos de prisão.
Assédio e importunação sexual são crimes no Brasil. Podem ocorrer em um contexto em que há relação hierárquica entre o agressor e a vítima, no qual ele a constrange, geralmente no ambiente de trabalho, seja usando palavras ou cometendo ações de cunho sexual, sempre sem o consentimento da pessoa, como um beijo ou um toque forçados.
O advogado Leandro Raca, que defende Scalercio, negou todas as acusações quando foi fazer a sustentação oral no CNJ. Ele defendeu que se houvesse punição, ela fosse a de advertência ou censura. Mas seu pedido não foi aceito por nenhum dos conselheiros.
“O magistrado a teria beijado à força. Tal fato não ocorreu”, disse Raca sobre uma das acusações. “O que se pede aqui é aplicação se o caso, aplicação de pena proporcional de advertência ou censura.”
Em nota, a defesa de Scalercio afirmou que a decisão tomada pelo CNJ certamente não se fundou na análise das provas e ignorou as testemunhas favoráveis à defesa, que aguardará a publicação do acórdão para tomar as medidas cabíveis. Entre as possibilidades está um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF).
Julgamentos e maioria homens
Em 17 anos de atuação, o CNJ já aplicou 130 penalidades a servidores e magistrados. Foram oito penas de advertência, 19 de censura, cinco remoções compulsórias, 17 de disponibilidade, 75 aposentadorias compulsórias e seis demissões.
Participaram da sessão de julgamento na terça-feira, ao todo, 15 conselheiros: 12 homens e três mulheres. São representantes do Poder Judiciário (um colegiado da Justiça estadual, federal e tribunais superiores), do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e membros do Senado e da Câmara. A atual presidente do conselho é a ministra Rosa Weber, integrante do STF.
Apenas uma conselheira se considerou impedida e não votou por já ter julgado questões anteriores do mesmo caso contra o magistrado, mas no TRT-2 em São Paulo.
Passo a passo até a punição
Aberto o Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), o processo será distribuído para relatoria de um conselheiro ou uma conselheira, que fará a instrução com tomada de depoimentos de acusação e defesa e produção de provas.
Ao término da instrução, o Ministério Público e a defesa apresentam suas manifestações e razões finais, que constam do processo que é levado a julgamento pelo Plenário do CNJ.
O julgamento deve ser realizado em sessão pública, e o relator ou relatora devem fundamentar todas as decisões, inclusive as interlocutórias – que não põe fim ao processo, mas pode modificar o status processual e relação entre as partes, bem como antecipar a decisão caso o julgador ou a julgadora entenda necessário.
O PAD pode resultar em arquivamento ou em alguma das penas regulamentadas pela Lei Orgânica da Magistratura: advertência; censura; remoção compulsória; disponibilidade; aposentadoria compulsória; e demissão. Se houver indícios de crime de ação pública incondicionada, cópia do processo deve ser enviado ao Ministério Público.
E, quando aplicadas as penas de disponibilidade ou de aposentadoria compulsória, as cópias do processo devem apresentadas ao Ministério Público e à Advocacia Geral da União ou Procuradoria Estadual competente para tomar as providências cabíveis.
Possíveis punições
O PAD pode resultar em arquivamento ou na aplicação das penas previstas na Lei Orgânica da Magistratura, de 1979. Todos os magistrados em atividade no país estão sujeitos a julgamentos do CNJ, com exceção dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
1. Advertência
Trata-se da pena mais leve e é aplicada ao magistrado que age de forma negligente em relação ao cumprimento dos deveres do cargo, no caso estando infrações administrativo-disciplinares. Só pode ser aplicada a juízes de primeiro grau
2. Censura
A aplicação desta punição ocorre quando o magistrado atua de maneira negligente repetidas vezes em relação ao cumprimento do cargo. Também apenas pode ser usada na punição de juízes de primeiro grau. O magistrado punido com censura não pode constar de lista de promoção por merecimento por um ano, desde a data do trânsito em julgado.
3. Remoção compulsória
Trata-se de punição aplicável tanto a juízes de primeira instância quanto aos de segunda instância. Nesse caso, o magistrado é transferido para outra comarca de forma obrigatória.
4. Disponibilidade
O magistrado é posto em disponibilidade ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória. Só após dois anos afastado o juiz pode solicitar seu retorno ao trabalho. 
5. Aposentadoria compulsória
A aposentadoria compulsória é a mais grave das cinco penas disciplinares aplicáveis a juízes vitalícios. Afastado do cargo, o condenado segue com provento ajustado ao tempo de serviço. Pode ser aplicada quando o magistrado:
mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres;
proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;
demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
Mais de 90 mulheres acusam juiz
Os casos envolvendo o juiz e professor foram revelados em agosto de 2022 pelo g1. Mas eles chegaram inicialmente ao Me Too Brasil, movimento ligado ao Projeto Justiceiras. 
Os órgãos prestam assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual e haviam levado as denúncias contra Scalercio ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em São Paulo.
Em 2021, o TRT-2, decidiu, no entanto, por duas vezes, arquivar as acusações da Reclamação Disciplinar contra o magistrado. A alegação foi a de que não havia provas de que Scalercio assediou ou importunou sexualmente as três mulheres.
Mas após a repercussão dos casos na imprensa, o Me Too Brasil recebeu mais relatos de mulheres que acusam Scalercio de crimes sexuais. Até setembro, o movimento totalizava 96 denúncias. Seis delas o acusaram de estupro.
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