Arcabouço fiscal: como funcionariam as regras se fossem aplicadas a um orçamento familiar

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Aproximação entre orçamento público e doméstico permite entender como funciona cada uma das regras do arcabouço e, principalmente, como será difícil alcançar as metas propostas. O arcabouço fiscal não está entre os temas mais simples de se entender — a começar pelo seu nome rebuscado. O tema gerou reportagens destrinchando o ponto a ponto da proposta, a repercussão entre especialistas e até mesmo um glossário dos termos técnicos.
Ainda assim, as novas regras do governo para controlar os gastos públicos parecem distantes do que se aplica no dia a dia da população. O g1 procurou, então, simplificar ao máximo os conceitos apresentados pelo governo e aplicá-los às contas de uma família comum.
Ainda que especialistas torçam o nariz para comparativos entre o orçamento público e o familiar, a aproximação permite entender como funciona cada uma das regras do arcabouço e, principalmente, como será difícil alcançar as metas propostas.
Role as telas abaixo para ver o exemplo.

Agora, a partir das perguntas abaixo, relembre como o arcabouço fiscal será aplicado ao governo:
Como funciona o arcabouço fiscal?
O que acontece se a regra for descumprida?
Qual o objetivo do governo com as novas regras?
Como vai funcionar?
O que o governo espera alcançar?
Quando começa a valer?
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, apresenta novo arcabouço fiscal nesta quinta-feira (30)
Divulgação/Diogo Zacarias /MF
Como funciona o arcabouço fiscal?
As contas públicas perseguirão uma meta de resultado primário (saldo entre as receitas e as despesas do governo, sem considerar o pagamento de juros da dívida);
Nos próximos anos, a meta busca atingir um superávit, com as receitas maiores que as despesas;
Se as contas públicas estiverem dentro da meta, o crescimento de gastos no ano terá um limite de 70% do crescimento das receitas primárias (ou seja, da arrecadação do governo com impostos e transferências).
Já caso o resultado primário fique abaixo da meta, o limite para os gastos no ano seguinte cai para 50% do crescimento da receita.
Há também um intervalo permitido para o crescimento real da despesa primária;
O intervalo de despesas vai de 0,6% a 2,5% ao ano, acima da inflação (crescimento real).
Mesmo com a limitação de gastos, há um piso anual para investimentos públicos, com base no previsto pelo Orçamento em 2023 (cerca de R$ 70 bilhões) e corrigido pela inflação ao longo do tempo.
É importante lembrar que os intervalos, também chamados de “bandas”, para o resultado do primário vão funcionar nos moldes do que hoje acontece com o sistema de meta da inflação: existe o centro da meta e as faixas de tolerâncias para mais e para menos.
Para 2024, por exemplo, a meta do governo é igualar a receita e a despesa – o que resultaria em um resultado primário de 0% do PIB. Pelo sistema proposto, a meta será considerada “cumprida” se ficar entre um déficit de 0,25% e um superávit de 0,25%.
Assim, os limites, mínimo e máximo, para o crescimento da despesa primária variam da seguinte forma:
Caso o Brasil tenha dificuldade de compor as receitas (cumprir metas e arrecadar impostos), o crescimento real dos gastos não poderá ser inferior a 0,6%.
Já em bons anos, em que o Brasil conseguir aumentar muito a arrecadação, o crescimento real dos gastos não pode ultrapassar 2,5%.
Na prática, esse intervalo funcionará como o novo teto de gastos. O teto anterior previa a correção dos gastos apenas pela inflação — ou seja, com crescimento real de 0%. Essa nova regra flexibiliza o limite anterior.
Outro ponto: a proposta prevê que as despesas de saúde cresçam a 15% da receita líquida e as de educação, a 18%. Ou seja, terão crescimento real, acima da inflação.
Além disso, o texto completo do arcabouço fiscal, enviado ao Congresso no mês passado, traz mais detalhes sobre despesas que estarão fora das metas de contenção de despesas e sobre as metas para anos seguintes.
O governo prevê que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) contenha o chamado Anexo de Metas Fiscais, que deve incluir planos para o ano e para os três anos seguintes;
Além disso, o Anexo de Metas Fiscais deve prever os impactos dessas metas na trajetória da dívida pública ao longo dos próximos 10 anos;
O anexo também precisará estabelecer critérios para a variação da despesa primária, corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial do país).
O novo arcabouço diz ainda que, para estabelecer esses critérios, será considerado o IPCA observado de janeiro a junho e as projeções de inflação do governo referentes ao período de julho a dezembro (veja mais detalhes abaixo).
Alguns órgãos e poderes terão um limite individualizado para despesas primárias a partir de 2024. Esses limites serão equivalentes às verbas determinadas pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano passado e referentes a 2023, excluídas algumas despesas específicas (veja mais detalhes abaixo).
Já para os anos seguintes, os valores serão equivalentes ao limite do exercício anterior, corrigidos pela inflação e sem considerar eventuais alterações de orçamento feitas caso o resultado primário do governo seja maior ou menor do que o intervalo de tolerância.
Por fim, parte das despesas não serão enquadradas nos limites estabelecidos pela nova regra fiscal. Parte dessas exceções já era prevista na regra do teto de gastos, que o arcabouço substituirá.
O que acontece se a regra for descumprida?
Não é só a limitação de gastos no ano seguinte para 50% das receitas que traz consequências ao governo federal em caso de descumprimento do arcabouço fiscal.
O presidente da República em exercício precisará se justificar ao Congresso caso descumpra as metas estabelecidas. Na mensagem, o chefe do Executivo federal terá de explicar as razões para o descumprimento e as medidas que serão adotadas para correção.
Caso as estimativas de receita ou despesas descumpram a meta nos resultados trimestrais, os Poderes poderão adotar medidas, como a limitação de gastos nos 30 dias subsequentes, no valor necessário e seguindo os critérios da lei de diretrizes orçamentárias e limitação de cronogramas e limites de pagamentos das despesas primárias.
Esse é um ponto que ainda não está pacificado na proposta de arcabouço fiscal enviada pelo governo. Há grupos montados no Congresso Nacional que pedem punições mais severas aos governantes em caso de descumprimento das metas.
O relator da proposta, deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), já propôs alguns gatilhos para reequilibrar as contas públicas em caso de descumprimento de metas, após uma série de reuniões com parlamentares e integrantes da equipe econômica. Veja aqui alguns deles.
Tudo isso será discutido e resolvido durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O novo arcabouço fiscal é um projeto de lei complementar. Propostas desse tipo precisam de maioria absoluta de votos favoráveis, de 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 votos no Senado.
Qual o objetivo do governo com as novas regras?
O centro da proposta do Ministério da Fazenda é manter o resultado primário positivo e dentro da meta estabelecida para os próximos anos. Atualmente, a meta de resultado primário é um valor exato – e uma das mudanças propostas pelo arcabouço é que haja um intervalo de resultados possíveis (veja mais detalhes no próximo tópico).
Quando o governo estiver dentro da meta, o crescimento máximo dos gastos está limitado a 70% do crescimento da receita apurada no ano anterior. O dado será considerado entre julho de um ano e junho do ano seguinte, para permitir a inclusão das metas na proposta do orçamento.
Então, na prática, se o montante arrecadado pelo governo aumentar R$ 100 bilhões nesse período, por exemplo, os gastos públicos poderão ser elevados em até R$ 70 bilhões no ano seguinte — desde que o resultado primário esteja dentro do intervalo estabelecido e o aumento não seja maior que um crescimento real de 2,5% contra o ano anterior (saiba mais abaixo).
Dessa forma, o governo espera dar previsibilidade para os gastos, reduzir os juros do país e, assim, controlar a trajetória da dívida pública.
O que muda em relação ao teto de gastos, aprovado no governo de Michel Temer, é que a possibilidade de gastos públicos aumenta conforme a arrecadação do governo, e não com uma trava rígida e de acordo com a inflação do ano anterior.
O que o governo espera alcançar?
Caso o novo arcabouço seja aprovado e implementado, o governo prevê:
zerar o déficit público da União no próximo ano;
superávit de 0,5% do PIB em 2025;
superávit de 1% do PIB em 2026;
e estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.
Na avaliação de equipe de Haddad, o ajuste é importante, mas gradual. A previsão é que, neste ano, o governo feche com déficit na casa dos R$ 100 bilhões.
Segundo o governo, com o novo arcabouço, será possível estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula, a no máximo 77,3% do PIB. Porém, a dívida pública não é uma meta, e sim um objetivo do governo.
Quando começa a valer?
O novo arcabouço fiscal passa a valer assim que for aprovado pelo Congresso Nacional.
A “anulação” do efeito constitucional do teto de gastos já foi tratada pela PEC da Transição, aprovada enquanto o governo Lula ainda era formado. O texto dava prazo até o fim de agosto para que fosse enviado ao Congresso um novo regime fiscal em substituição ao teto de gastos, mas não há um prazo exato para aprovação.
Mas o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta quinta-feira que a proposta deve chegar ao Congresso Nacional já na próxima semana, antes do feriado.
O Planalto trabalha para que o orçamento de 2024 já seja construído com base no novo arcabouço fiscal, já que ele prevê metas de crescimento da economia e de controle dos gastos já para o próximo ano.

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