Marco fiscal ganhou avanços, mas ficou ainda mais complexo, dizem economistas

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A versão final do marco fiscal aprovada na Câmara dos Deputados na noite de terça-feira (23) trouxe avanços importantes em relação ao texto original apresentado pelo governo, em especial no que diz respeito à criação de gatilhos automáticos de contenção de gastos e punições mais duras caso o governo descumpra as metas fiscais anuais.

Por outro lado, na avaliação de economistas consultados pela CNN, a proposta também acabou ficando ainda mais complexa em alguns pontos.

É o caso do dispositivo incluído no texto final pelo relator do projeto na Câmara, o deputado Cláudio Cajado, que criou regras especiais para o crescimento das despesas em 2024, ou seja, no primeiro ano de aplicação total da nova lei de gastos.

O texto segue agora para debate e votação no Senado.

“O grande destaque da versão final aprovada [na Câmara] foi ter retirado o ponto de tensão que permitia o crescimento máximo para os gastos de 2024, no teto da regra, independentemente da arrecadação”, disse o economista-chefe do banco Original, Marco Caruso.

“Mas, ao mesmo tempo, agora a regra é mais complexa para saber quanto de fato vai se gastar em 2024”, acrescentou, chamando de “física quântica” a nova matemática criada para a conta de gasto do ano que vem.

Aumento polêmico

Em sua primeira atualização, apresentada na semana anterior, o relator havia acrescentando ao projeto um ponto polêmico que fixava o reajuste acima da inflação para as despesas para 2024 em 2,5%, ou seja, o aumento máximo permitido pela regra e sem precisar respeitar os outros parâmetros de limitação previstos pela legislação.

Isso acabaria abrindo alguns bilhões em folga para as despesas no primeiro ano de vigência da lei, e foi um dos principais pontos criticados por economistas.

As regras gerais do novo marco fiscal determinam que o limite permitido para os gastos do governo, a cada ano, será sempre reajustado pela inflação do ano anterior, como era o teto de gastos original, mais um aumento real, que não deve ser menor do que 0,6%, nem maior do que 2,5%.

Dentro desta banda, as despesas deverão crescer o equivalente a 70% do aumento real da arrecadação do ano anterior.

Na versão final aprovada pelos deputados, já reajustada por Cajado, a correção do teto de 2024 passou também a ter que seguir as regras padrão, mas podendo passar por uma revisão no primeiro semestre que, a depender de como for feita, deve ampliar o gasto para o ano da mesma maneira.

“O Congresso criou essa condição especial para os primeiros anos e 2024 e 2025, em tese, serão um período que não vai seguir a regra”, disse o CEO do Bradesco Asset Management, Bruno Funchal, em entrevista à CNN.

“Acredito que essa exceção pode fazer com que o marco perca um pouco de credibilidade, e dá para melhorar ainda esse texto”, acrescentou Funchal, que foi secretário do Tesouro Nacional entre 2020 e 2021.

Este é um ponto que, na visão dele, ficou frágil e merece ser revisto. Não invalida, porém, os avanços conquistados.

“No texto original, por exemplo, faltava um mecanismo de ‘enforcement’. O governo se comprometia com uma meta de resultado primário, que dependia e ainda depende muita da receita, mas, se frustrasse, não tinha um mecanismo de ajuste de despesa muito claro, e agora tem”, afirmou.

O economista-chefe da gestora Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros, especialista em contas públicas, cita avanços importantes do projeto na Câmara, caso da inclusão do Fundeb e do piso da enfermagem do teto de gastos e da volta da obrigatoriedade dos bloqueios de verbas periódicos ao longo do ano para garantir o cumprimento das metas de gastos e receitas.

A proposta do governo, mais flexível, tornava os contingenciamentos opcionais.

Os remendos feitos para 2024 e 2025, porém, abrindo espaço para gastos maiores nos anos de largada da lei, acabam diluindo seus efeitos.

Leal menciona também o fato de o novo teto de gastos da regra partir da base de despesas fixadas para 2023 – que foi inflada em mais de R$ 100 bilhões, ou 2% do PIB, pela PEC da Transição, editada no fim de 2022 para ampliar o teto e o orçamento do ano.

“As melhorias não anulam o resultado geral da regra, que está sendo calibrada para não ser restritiva”, diz o economista.

“Ela vai sair de um ponto de partida muito inchado, com um ‘pé direito’ de gastos muito alto, o que vai dar uma boa folga para o governo nos primeiros anos.”

Avanços

Na visão do economista-chefe da corretora e gestora Warren, Felipe Salto, já feito o balanço entre as fragilidades e os avanços da proposta, o texto do que deverá ser a nova lei fiscal do país é uma evolução em relação às legislações anteriores, caso do teto de gastos, que vigorava desde 2017, e, antes dele, do sistema de metas de resultado primário, consolidado em 2000 pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

“A meta de primário funcionou bem por um bom tempo, mas passou por um desmonte depois que deu a ela flexibilidade demais e tirou sua credibilidade. O teto de gastos, depois, veio extremamente rígido, e pecou pelo oposto”, afirmou Salto, que foi secretário da Fazenda do estado de São Paulo.

Entre os “desmontes” das metas, o economista cita a rotina de descontos de despesas que se adquiriu de 2010 em diante, que permitiam desconsiderar grandes gastos da conta e, com isso, manter artificialmente o saldo dentro da meta estipulada.

O resultado primário é a diferença entre tudo o que o governo gasta e tudo o que arrecada a cada ano, desconsiderados os gastos com juros.

“O novo arcabouço mistura as duas coisas: pega o espírito do controle do gasto e um pouco das metas de resultado primário, e ainda adiciona pitadas de receitas, dando um peso claramente maior para a arrecadação, o que é também um mecanismo legítimo”, diz Salto.

“A visão geral é positiva. Não vai fazer a relação dívida/PIB cair, nem estabilizar amanhã, mas ela vai crescer a taxas menores do que na ausência da regra.”

Este conteúdo foi originalmente publicado em Marco fiscal ganhou avanços, mas ficou ainda mais complexo, dizem economistas no site CNN Brasil.

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