“Assassinos” e “criminosos”: Meteorologistas enfrentam ataques de teóricos da conspiração

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“Assassinos”. “Criminosos”. “Estamos de olho em vocês”. Essas são apenas algumas das ameaças e abusos enviados aos meteorologistas da AEMET, a agência meteorológica nacional da Espanha, nos últimos meses.

Elas chegam pelas redes sociais, sites, cartas e telefonemas – ou até mesmo na forma de pichação no local de trabalho deles.

Ataques e assédios “sempre aconteceram” contra os cientistas da agência, como conta Estrella Gutiérrez-Marco, porta-voz da AEMET, à CNN.

No entanto, houve um aumento recentemente, coincidindo com o clima extremo na Espanha. Uma seca severa reduziu os níveis de água para baixas alarmantes, exacerbados pelas temperaturas recorde de abril.

Os ataques foram tão pesados que, em abril, a AEMET postou um vídeo no Twitter clamando pelo fim do assédio e pedindo respeito. Até o governo espanhol interveio. Teresa Ribera, ministra da transição ecológica da Espanha, publicou um tuíte em apoio à agência: “Mentir, dar asas à conspiração e ao medo, insultar: é hora de dizer chega”.

Só que o ataque aos meteorologistas por teóricos da conspiração e negacionistas do clima não é um fenômeno confinado à Espanha.

Serviços meteorológicos nacionais, meteorologistas e comunicadores do tempo em países dos EUA à Austrália dizem que estão vivendo um aumento de ameaças, muitas vezes com acusações de que estão exagerando, mentindo ou até mesmo controlando o clima.

No caso da Espanha, grande parte da virulência gira em torno do uma velha teoria da conspiração: as chamadas “chemtrails”, ou trilhas de produtos químicos.

Sob muitos dos posts do Twitter da agência, especialmente aqueles que se referem a um clima mais extremo, usuários postam imagens de céu azul, entrecortadas com trilhas brancas e cheias de nuvens. Eles afirmam falsamente que as trilhas contêm um coquetel de produtos químicos lançados especialmente para manipular o clima de forma artificial, mantendo a chuva longe e causando mudanças climáticas.

É uma teoria amplamente rejeitada pelos cientistas.

Os aviões liberam trilhas de vapor chamadas “contrails”, abreviação em inglês de trilhas de condensação, que se formam quando o vapor de água se condensa em cristais de gelo em torno das pequenas partículas emitidas pelos motores a jato.

Os cientistas são bem claros: não há nenhuma evidência de existência de “chemtrails”.

“Uma das experiências mais difíceis”

Em abril, a meteorologista Isabel Moreno escreveu um tuíte dizendo “chuva pula a Espanha”, com uma imagem de uma faixa de chuva que se estendia por toda a Europa, mas que evitava a Espanha quase inteiramente. Ela estava completamente despreparada para a resposta ao seu tuíte.

“Foi uma das experiências mais difíceis nas redes sociais da minha vida”, contou Moreno, que fala sobre o tempo no canal de TV espanhol RTVE. “Recebi CENTENAS de respostas a um tuite (aparentemente) inofensivo”, escreveu à CNN em um e-mail.

Muitos a acusaram de encobrir a manipulação do tempo.

“Não pense que somos idiotas”, dizia um. “Eles nos secam, e você é o porta-voz dos que fazem isso”, dizia outro. E assim por diante.

Embora houvesse muitas mensagens de apoio, a repercussão foi assustadora para Moreno. “Eu nunca vi nem essa quantidade de respostas nem esse nível de agressão”. Levou dias para ela poder entrar no Twitter novamente sem se sentir ansiosa ou estressada.

O fenômeno pode ser particularmente pronunciado na Espanha, mas vai além.

Na França, meteorologistas foram acusados de exagerar a seca e o calor do país.

A Météo França, serviço meteorológico nacional francês, disse que as comunicações da agência são “objeto de ataques cada vez mais repetidos”, segundo contou um porta-voz da Météo France.

A desinformação climática nas redes sociais é particularmente difundida. “Ela parece estar em ascensão, tanto em termos do número de ataques dirigidos contra publicações científicas como também no tom cada vez mais agressivo dos insultos”, comentou o porta-voz.

Na Austrália, o Bureau de Meteorologia foi bombardeado com críticas à sua comunicação de recordes de temperatura, com alegações de que foram inflados para fazer com que as alterações climáticas pareçam piores. Uma porta-voz da BOM chamou as alegações de imprecisas. “O Bureau relata de forma transparente e fornece acesso aos seus grandes registros de dados climáticos”, rebateu.

No Reino Unido, os meteorologistas relataram níveis sem precedentes de assédio online durante a onda de calor recorde do ano passado, que levou ao primeiro “alerta vermelho” para o calor no país.

“Conforme os cientistas comunicavam essa informação, eles eram acusados de instigar uma histeria num estado paternalista”, lembrou Liz Bentley, presidente-executiva da Royal Meteorological Society.

O Met Office foi até acusado de mudar a paleta de cores de seus mapas para torná-los mais dramáticos. “Nós não mudamos, o fato é que era mesmo muito quente”, disse Oliver Claydon, assessor de comunicação do Met Office.

Meteorologistas dos EUA e os comunicadores climáticos não escaparam à onda de abusos e conspirações.

“Toda vez que eu postava sobre tópicos globais, como o relatório anual de temperatura, a seção de comentários era preenchida com ataques políticos e teorias da conspiração”, afirmou Elisa Raffa, uma meteorologista do canal Queen City News, com sede em Charlotte, Carolina do Norte.

Raffa contou que, como mulher na mídia, ela recebe mais frequentemente comentários jocosos sobre sua aparência do que a ciência que está comunicando.

Jennifer Francis, cientista sênior do Woodwell Climate Research Center, disse que viu uma aceleração de abuso ultimamente.

“Recebo quase diariamente declarações verbais sobre minha ignorância e alarmismo climático”, relatou.

Uma erosão da confiança

Alguns especialistas em desinformação desenham uma linha reta das conspirações que floresceram durante a pandemia da Covid-19 (quando os especialistas e cientistas enfrentaram uma série de abusos) para o aumento das conspirações climáticas.

As pessoas precisam dos tópicos “bombando” para lançar suas teorias, disse Alexandre López-Borrull, professor do Departamento de Ciências da Informação e Comunicação da Universitat Oberta de Catalunya, na Espanha.

Com a Covid-19 fora das manchetes, as mudanças climáticas tornaram-se um forte ponto de encontro dos adeptos de conspirações. Houve um grande aumento em “insultos dirigidos a todas as organizações relacionadas ao clima”, contou o professor à CNN.

“É uma evolução lógica da tendência da repressão às instituições e da erosão da confiança”, completou Jennie King, chefe de Pesquisa e Política Climática do Instituto para Diálogo Estratégico, um think tank focado na desinformação e extremismo.

Esses tipos de conspirações são geralmente fundamentados na ideia de que um conjunto de instituições está “usando o pretexto das mudanças climáticas, ou o pretexto de resolver questões de políticas públicas, para promulgar alguma agenda enganosa”, disse.

O tempo é uma maneira fácil de entrar na vida das pessoas. Muitos aspectos da ciência climática podem parecer muito técnicos ou abstratos, mas o clima é algo com o qual as pessoas interagem com frequência, disse a especialista King.

“É uma maneira muito mais imediata de trazer um público mais amplo para esse ceticismo; plantar sementes de dúvida contra a agenda climática dá grande visibilidade”, acrescentou.

O papel que os meteorologistas têm em explicar como as mudanças climáticas afetam o clima, especialmente o clima extremo, é um ponto de fúria em especial para esses públicos.

O clima extremo pode ser alarmante, especialmente quando há consequências e sacrifícios, como as restrições hídricas da Espanha.

As teorias da conspiração alimentam esse medo oferecendo uma explicação simples e atraente, como lembrou o professor López-Borrull. É mais fácil acreditar que as mudanças climáticas são falsas, ou uma manipulação por pessoas poderosas, do que contornar o problema complexo e o que isso significa para a sociedade.

“A mudança é dura e assustadora”, disse Francis, do Woodwell Climate Research Center.

“Tentando fazer meu trabalho”

É difícil combater as teorias da conspiração quando elas só crescem. Alguns especialistas dizem que oferecem gráficos simples e refutações quando podem, mas tentam ignorar aqueles que usam de má fé.

Doug McNeall, um cientista do clima e estatístico no Met Office Hadley Center, um centro de pesquisa do Reino Unido, disse que, como cientista, ele gosta de ser desafiado. “Se as pessoas me mostram melhores evidências e isso muda meu pensamento, é algo positivo”, contou.

Mas essa não foi sua experiência recente. “As pessoas não estavam trazendo evidências melhores. Eles estavam só tentando nos impedir de falar sobre ciência climática”, contou. Atualmente, ele usa muito mais o botão de bloqueio das redes sociais.

Isabel Moreno também passa por isso. “Acho muito difícil mudar a mente das pessoas que realmente têm crenças fortes nessas conspirações”, lamentou. É mais fácil evitar que as ideias se apossem das pessoas, abordando os mitos e explicando como a atmosfera funciona, acrescentou.

Esse tipo de comunicação pode realmente ajudar, disse King, a especialista em desinformação. Algumas das melhores iniciativas são “quando meios de comunicação ou instituições científicas realmente tentam desmistificar o processo de como produzem dados de interesse público”, completou.

King se preocupa com o impactos dessas conspirações na política climática. “Se queremos implementar políticas ambiciosas ou não na agenda ambiental, e tratar da crise aguda das mudanças climáticas, precisamos lidar com isso”.

O professor López-Borrull espera que os meteorologistas e comunicadores climáticos perseverem e não sejam empurrados para longe dos espaços online.

“A resposta não está desaparecendo ou fechando perfis de mídia social. Eles têm de ficar nas redes sociais porque são muito úteis”, adicionou o catalão López-Borrull.

Mas, à medida que a crise climática causa condições meteorológicas mais extremas, o assédio pode aumentar ainda mais. E isso traz um peso, disse Elisa Raffa.

“Acho que é fácil para as pessoas esquecerem que sou humana. Alguns desses comentários podem magoar muito. Estou apenas tentando fazer o meu trabalho”.

Este conteúdo foi originalmente publicado em “Assassinos” e “criminosos”: Meteorologistas enfrentam ataques de teóricos da conspiração no site CNN Brasil.

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