Arquivistas trabalham para preservar programas de TV e rádio

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*Por Michael J. Socolow

Convivemos com a transmissão de rádio e TV há mais de 1 século. Começando com o rádio nos anos 20 e depois a televisão nos anos 50, milhões de norte-americanos começaram a comprar caixas projetadas para receber sinais eletromagnéticos transmitidos por torres próximas. Ao chegar, esses sinais eram amplificados e suas mensagens eram transmitidas para nossas vidas.

Essas ondas invisíveis de informação forneceram às nossas cozinhas, salas de estar e quartos, acesso a clubes de jazz, estádios de beisebol e concertos. Elas nos transportaram instantaneamente para Londres, Cairo ou Tóquio, ou de volta no tempo para o Velho Oeste ou para o futuro imaginado das viagens interplanetárias.

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A recepção destes sinais não só nos informou, mas nos moldou. Todos experimentaram esses sinais de forma individual e coletiva, tanto intimamente quanto como integrantes de multidões dispersas.

O rádio e a televisão promoveram uma arena pública efêmera e invisível que expandiu nossa compreensão do mundo – e de nós mesmos. Seja com os episódios finais de seriados de rádio como Gangbusters, ou na televisão com M*A*S*H ou Seinfeld, os norte-americanos muitas vezes marcavam a passagem do tempo por meio de experiências de transmissão compartilhadas.

Mesmo hoje em dia, os norte-americanos usam mais rádio AM/FM do que TikTok. Em um momento em que a maioria consome suas notícias de emissoras de TV locais e redes de televisão aberta, e o rádio permanecer onipresente, pode parecer frívolo expressar preocupação com a preservação de tecnologias tão profundamente inseridas na vida diária.

No entanto, uma evolução midiática está sendo realizada, à medida que serviços de streaming de vídeo e áudio pagos aumentam em popularidade e menos pessoas estão sintonizando consistentemente os meios de comunicação de transmissão aberta.

Fim dos momentos compartilhados

A era da transmissão está sendo eclipsada por novas tecnologias de mídia. Na era de dominação da TV e do rádio, a mídia de massa era definida por experiências compartilhadas.

Mas agora, a TV a cabo, a web e as mídias sociais, estão mudando essa definição, segmentando o que antes era uma grande audiência indiferenciada. Todas essas novas mídias fragmentaram o que antes eram grandes coletivos. Em resumo: já não estamos todos assistindo ou ouvindo a mesma coisa.

Com menos norte-americanos compartilhando simultaneamente experiências midiáticas, as ramificações dessa evolução se estendem além das indústrias da mídia, indo para a nossa cultura, política e sociedade.

Os momentos compartilhados que eletrizaram e unificaram a nação (desde os bate-papos ao lado da lareira do presidente Franklin Roosevelt até a cobertura de notícias televisivas como o assassinato do presidente John F. Kennedy e os ataques de 11 de setembro de 2001) se tornaram mais raros. Até mesmo eventos nacionais, como uma eleição presidencial, são diferentes hoje em dia, já que nossas experiências coletivas parecem mais individualizadas e menos comunitárias. As pessoas consomem suas notícias sobre eleições de fontes com perspectivas radicalmente diferentes sobre o que costumavam ser fatos compartilhados.

A própria ideia de acompanhar coletivamente a história enquanto ela acontece foi alterada, já que a quantidade de canais e plataformas agora direciona a audiência para grupos de afinidade auto-segregados, onde as mensagens são moldadas mais para confirmação do que para iluminação.

Como se lembrar

À medida que entramos nesse novo mundo das mídias, a radiodifusão corre o risco de ser relegada ao passado, como outras mídias antigas (o telefone rotativo, o nickelodeon, o fonógrafo de 78 rpm e o DVD).

É por isso que, de 27 a 30 de abril de 2023, a Biblioteca do Congresso sediou a conferência “1 Século de Radiodifusão”, que convidou estudiosos, preservacionistas, arquivistas, educadores e curadores de museus, fãs e o público em geral a discutir as maneiras mais eficazes de preservar a história da radiodifusão.

O objetivo da conferência, convocada pelo Grupo de Preservação de Rádio da Biblioteca do Congresso, foi começar a vislumbrar o futuro dessa tecnologia. Como historiador de rádio e integrante do Grupo de Preservação de Rádio, fui convidado para integrar a equipe organizadora da conferência. Painéis, artigos e apresentações examinaram como a transmissão está sendo arquivada atualmente e como podemos pensar de maneira mais sistemática e formal sobre como lembraremos a comunicação midiática como sociedade. Embora o grupo de trabalho esteja preocupado principalmente com a invenção do rádio, aspectos do passado da televisão também serão incluídos.

Preservar o rádio —e a TV— não é tão simples como guardar máquinas ou fitas. Para entender a história da radiodifusão, os preservacionistas devem tentar descrever uma experiência. Não é suficiente mostrar a alguém o roteiro impresso de um programa de rádio de Jack Benny de 1934 . Para compreender o que Jack Benny, Gracie Allen ou Jackie Gleason significavam para o povo dos Estados Unidos, é necessário tentar imaginar, e quase sentir, uma experiência.

Primeiros passos

A Força-Tarefa de Preservação de Rádio busca ir além das grandes coleções corporativas comerciais que já existem. Os arquivos de rádio e TV da NBC, assim como os da Corporação de Rádio da América, já estão bem preservados e armazenados em repositórios como a Biblioteca do Congresso e a Instituição Smithsonian.

A Força-Tarefa de Preservação do Rádio está preocupada com o universo diverso das transmissões, incluindo os muitos tipos de estações e redes que definiram a radiodifusão norte-americana.

“Milhões de americanos ouviam estações de rádio universitárias, comunitárias e educacionais que eram menos famosas que a ‘CBS’ e a ‘NBC’, mas ainda desempenhavam um papel importante na vida diária”, observa o estudioso da Universidade do Colorado Josh Shepperd, presidente da Força-Tarefa de Preservação do Rádio. “Projetos de preservação associados à  Força-Tarefa de Preservação do Rádio nos revelaram que as estações de rádio afro-americanas desempenharam um papel importante em ajudar a catalisar o movimento pelos direitos civis, fomentando e inspirando a comunidade”.

Shepperd disse que “esses são apenas 2 exemplos de componentes frequentemente ignorados, mas essenciais, da história da transmissão em nosso país”.

Na conferência “1 Século de Radiodifusão”, os acadêmicos examinaram tópicos variados, como a performance dos papéis de gênero e como o rádio em língua espanhola manteve a identidade do ouvinte com a comunidade, enquanto ampliava o alcance. A conferência também incluiu discussões sobre comunidades internacionais e globais de rádio, com acadêmicos apresentando sobre a história da radiodifusão na França, Alemanha e América Latina.

“Há até um painel sobre a preservação da história do rádio “pirata” não licenciado e ilegal”, disse Shepperd.

Nossa mídia ainda é tão atmosférica (está em todos os lugares, o tempo todo) que raramente paramos para concentrar-nos em como ela evolui e como essas transformações acabam nos influenciando.

Rádio e TV podem não estar tecnicamente ameaçados agora; afinal, todos ainda usamos telefones, mesmo que eles pareçam completamente diferentes e cumpram funções em grande parte inimagináveis há 40 anos.

No entanto, ir além da era da transmissão tem importantes ramificações para todos nós, mesmo que não possamos discerni-las precisamente neste momento. Reconhecer a necessidade de preservar o passado do rádio e da TV marca um 1º passo essencial, para que o futuro seja devidamente informado sobre como vivemos e nos comunicamos durante mais de um século de história norte-americana.


* Michael J. Socolow é um professor associado de comunicação e Jornalismo na Universidade de Maine.


Texto traduzido por Iago Nava. Leia o original em inglês aqui.


O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos que o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

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