A regulação dos serviços de ativos virtuais no Brasil

A recente publicação do Decreto 11.563 encerrou as especulações a respeito da entidade responsável pela regulação da prestação de serviços de ativos virtuais (virtual assets).

Ele regulamentou a Lei 14.478/2022, conhecida como Lei dos Criptoativos, e estabeleceu que caberá ao Banco Central do Brasil regular a prestação de serviços de ativos virtuais, autorizar e supervisionar as prestadoras de serviços de ativos virtuais (denominadas VASPs – Virtual Assets Service Providers, no acrônimo em inglês) e regulamentar os demais aspectos da Lei 14.478. 

A edição do Decreto deu-se alguns dias antes do início da vigência da Lei 14.478, em 20 de junho. No entanto, mesmo com o início da vigência, apenas algumas previsões da Lei 14.478 serão plenamente eficazes. A grande maioria das determinações do Decreto remete à necessidade de regulamentação, o que deverá ocorrer por meio de normas regulatórias expedidas pelo próprio Banco Central. 

A edição dessas normas exigirá a realização de análise de impacto regulatório (AIR) pelo Banco Central, observando todos os parâmetros e requisitos do Decreto 10.411. Também exigirá a realização de consulta e audiência pública, permitindo a ampla participação da coletividade. 

A questão é de suma relevância. A regulação dos serviços de ativos virtuais e criptoativos tem sido objeto de grande controvérsia em vários países. Nos Estados Unidos, a ausência de regulação específica tem levado as entidades reguladoras do mercado mobiliários (a SEC – Securities and Exchange Commission) e de commodities (a CFTC – Commodity Futures Trading Comission) a adotar a chamada regulação pela fiscalização (regulation by enforcement), cujo resultado é o ajuizamento de várias ações judiciais em face das grandes corretoras de criptoativos. O movimento tem sido muito criticado, em razão da falta de segurança jurídica que acarreta. 

Por isso, a adoção de um procedimento de AIR amplo e plural por parte do Banco Central, em que seja efetivamente assegurada a participação de todos os interessados no setor, tem o potencial de colocar o país em posição de destaque no cenário internacional. É verdade que a União Europeia está avançada nesse movimento, com a recente publicação da norma correspondente (MiCA – Regulation on Markets on Cryptoassets). Há outros exemplos de países avançados na regulamentação, como os Emirados Árabes, mas isso não deverá retirar o protagonismo do Brasil nesse campo. 

Para tanto, será essencial que a AIR a ser realizada examine os aspectos relevantes para o estabelecimento de soluções e alternativas regulatórias adequadas para a atividade de prestação de serviço de ativos virtuais. Questões atinentes aos problemas regulatórios, aos atingidos pela norma regulatória, aos custos diretos e indiretos, aos objetivos que se pretende atingir com a regulação e, o mais relevante, às diversas alternativas regulatórias que podem ser adotadas para tratar dos problemas regulatórios identificados deverão ser contemplados. 

Um processo de edição de normas regulatórias que se processe de forma plural e consistente certamente irá conduzir à consolidação do Brasil dentre os principais mercados mundiais para as atividades relacionadas aos criptoativos, trazendo segurança jurídica e estabilidade para essas atividades. Considerando-se o histórico do Banco Central de adotar medidas modernizantes significativas para o setor financeiro (como é o caso do PIX e do open banking), pode-se esperar que a regulação da Lei 14.478 siga esse mesmo caminho. Caberá aos principais atores do setor e à sociedade adotar também postura ativa, de modo a assegurar que isso ocorra. 

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