Direito invisível da mulher negra no acesso das idosas às políticas públicas

A sociedade brasileira vivencia a desigualdade social embasada por elementos estruturantes como racismo e sexismo, com disparidades sociais aparentes. Na análise do processo histórico, constata-se o racismo estrutural como fator potencializador da desigualdade no processo de envelhecimento e de entrave ao acesso das idosas negras às políticas públicas.

As condições de raça e gênero influem de modo negativo nas suas experiências de vida, tendo em vista que a tripla vulnerabilidade se encontra embasada em históricas relações de subordinação coextensivas que reafirmam as consequências das iniquidades raciais, ensejando reconhecimento de especificidades inerentes à sua condição na sociedade.

As mazelas do envelhecimento são potencializadas na mulher negra, inclusa na base da pirâmide no rol de marcadores como: subemprego, desemprego, informalidade, ausência de políticas públicas e de acesso à saúde. O alijamento das mulheres negras idosas ao benefício previdenciário é só um dos exemplos cruéis das consequências do racismo estrutural tendo em vista que as desigualdades raciais que se expressam no mercado de trabalho influem na cobertura previdenciária.[1]

As mulheres negras em ocupações informais atingem 47,8% em comparação a 34,4% mulheres brancas, o que implica no indicador de 54,6% das mulheres negras idosas sem direito à percepção de benefício social previdenciário, atestando que a desigualdade racial se expressa, inclusive, no direito e qualidade do envelhecimento. [2]

Outrossim, indicadores apresentados pelo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça referentes a cobertura da previdência pública no Brasil indicam que no ano de 2015, 59% das mulheres negras possuíam benefício previdenciário em comparação a 69,3% das mulheres brancas. O informe da previdência social evidenciou o índice de 56,4% de mulheres idosas negras sem o benefício social em contraponto a 42,9% das não negras [3]

Tais fatos ocasionam à trabalhadora negra uma velhice cercada de dificuldades para obter aposentadoria por tempo de trabalho ou um fundo de previdência privada complementar, já que a contribuição precisa ocorrer ao longo do período ativo da vida do indivíduo.

Logo, quando idosas não possuem mais condições de trabalho e nem como se sustentar, o que resta a esse grupo populacional é o auxílio-idoso, denominado pela Previdência Social como Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC-LOAS140, que, aliás, possui requisitos para sua concessão.[4]

O fato das mulheres negras trabalharem em piores condições e informalmente faz com que sua contribuição para a previdência seja inexistente, impossibilitando o cumprimento dos pré-requisitos ensejadores à obtenção de uma aposentadoria.

Com pesar constata-se que “a velhice é mulher, pobre e negra, a situação mais desigual, a de piores condições nesse cenário de pandemia”. [5]

A superação da condição de desigualdade da mulher negra no mercado é urgente, inclusive porque, além de ter como consequência alterações positivas nas vidas das mulheres negras idosas, irá contribuir sobremaneira na estrutura socioeconômica do país.

Urge elucidar os tentáculos do racismo estrutural que se interseccionam com as constantes e invisibilizadas violações de direitos humanos fundamentais no processo de envelhecimento, a fim de traçar estratégias relevantes em processos de elaboração de políticas públicas efetivas para a população idosa negra.

Em contraponto à invisibilidade do tema, é dever da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) garantir a inserção e debates do fenômeno do etarismo[6]) e suas consequências em todos os painéis onde se discuta a diversidade, bem como nas Conferências Estaduais e Nacional, objetivando a visibilidade e a efetivação dos direitos dos idosos.

As comissões na OAB devem elaborar trabalhos escritos, pareceres, promover pesquisas, seminários e eventos que estimulem o conhecimento, discussão e a defesa dos direitos da pessoa idosa.

Deve ser discutido amplamente de que maneira a OAB pode influir no cumprimento da Política Nacional de Saúde da População Negra, tendo em vista ser o direito fundamental à saúde condição sine qua non para uma democracia participativa com pleno exercício de direitos. [7]

O processo contínuo de perdas que transforma a velhice da mulher negra em preocupação social e política, por ser um elemento de legitimação de direitos sociais deve ser encampado pelos movimentos sociais, com a inclusão das demandas dos idosos no rol da diversidade. Em todas as instâncias governamentais, institucionais e sociedade civil, ações devem ser implantadas para garantir os direitos básicos da população idosa na sociedade e avalizar o cumprimento do já estabelecido na legislação sobre o tema.

Refletir, identificar e reconhecer as desigualdades materializando as demandas específicas da mulher negra idosa resultará na obtenção de estratégias de superação. Universalização das aposentadorias e da pensão na velhice, conjunto de leis protetivas dos idosos, políticas públicas na saúde de monitoramento das mulheres e planos de ação para o envelhecimento, são alguns dos quesitos que devem constar na agenda específica de luta das mulheres negras.

A omissão ante a violação dos direitos fundamentais em função da idade caracteriza desobediência aos preceitos constitucionais, principalmente ao direito à dignidade, direito à saúde, direito à vida e direito a um envelhecimento digno.

Descerrar o véu de invisibilidade da velhice negra implica em refletir, identificar e reconhecer suas demandas específicas, concentrando estratégias a fim de fomentar a criação de políticas públicas para dirimir os efeitos da desigualdade racial. A compreensão fática do racismo e suas implicações abre a possibilidade do desenho de um novo e abrangente projeto social e político de enfrentamento aos paradigmas da velhice, em prol da construção de uma vertente identitária e inclusiva.

[1] (LIMA, 2020) LIMA, Jessica Larissa Souza Lima e SILVA, Maria Lucia Lopes, Racismo, trabalho e Previdência Social, artigo publicado na revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; EM PAUTA, RJ -2º Semestre,2020, nº 46, v.18, p.85-100. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view/52011/34464

[2] (IBGE, 2018) IBGE –  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua. Rio de Janeiro, 2018.

[3] (BRASIL, 2018). BRASIL. Informe da previdência social: perfil da população brasileira ocupada, sem proteção previdenciária. Brasília, v. 30, n. 7, jul. 2018.

[4] (BENEDITO 2008). BENEDITO, ALESSANDRA. Igualdade e diversidade no trabalho da mulher negra: superando obstáculo por meio do trabalho decente. São Paulo: Dissertação de mestrado em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. 2008. Disponível em: http://tede.mackenzie.com.br/jspui/bitstream/tede/1241/1/Alessandra%20Benedito.pdf.

[5] BERZINS,2020.BERZINS, Marília. Idosos, negros, minorias: quem é deixado para trás na pandemia. Entrevista concedida a Marisa Tavares. Jornal da Manhã em 10.05.2020. Marília. SP. Disponível em https://jornaldamanhamarilia.com.br/caderno-2/noticia/86473/2021/02/19/idosos-negros-minorias-quem-e-deixado-para-tras-na-pandemia.

[6] (velhofobia – Mirian Goldenberg GOLDENBERG, Mirian. Entrevista concedida a Carla Julien Stagni, Revista Poder, (on line) Ed. 48. 2021. https://revistapoder.uol.com.br/edicoes/edicao-148/abaixo-a-velhofobia/

[7] (GOLDENBERG, 2021) GOLDENBERG, Mirian. Entrevista concedida a Carla Julien Stagni, Revista Poder, (on line) Ed. 48. 2021. https://revistapoder.uol.com.br/edicoes/edicao-148/abaixo-a-velhofobia/

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