O STJ e a crise da tributação dos benefícios fiscais de ICMS – parte 2

Há cerca de um ano, publicamos no JOTA o artigo “O STJ e a crise da tributação dos benefícios fiscais de ICMS”, por meio do qual tratamos de como a 2ª Turma daquele tribunal passou a julgar o tema da inclusão, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dos valores decorrentes de incentivos de isenção e de redução da base de cálculo de ICMS.

Expusemos, na época, os motivos que nos levavam a crer por que aquele entendimento – pela não aplicação do posicionamento da 1ª Seção da Corte no EREsp 1.517.492/PR – deveria ser revisto.

No último dia 26 de abril, nossa expectativa não foi concretizada. Ao julgar o tema repetitivo 1.182, o STJ entendeu que não seria possível a extensão do entendimento firmado no EREsp 1.517.492/PR, que excluiu os créditos presumidos de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL – em razão de ofensa ao pacto federativo – aos demais benefícios fiscais relacionados ao ICMS, tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros.

Fixou, na ocasião, três teses que vieram a ser aclaradas com a publicação do acórdão do caso, no último dia 12. Tais teses foram:

Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014 sem entretanto revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico. (grifos nossos)

Alguns pontos dessa decisão merecem, em nossa opinião, breves comentários iniciais e posterior aprofundamento.

Com relação à 1ª tese, o que os ministros concluíram, encampando a posição da 2ª Turma sobre o tema, é que a tributação dos valores relativos aos outros benefícios de ICMS (que não os decorrentes da concessão de crédito presumido) não viola o federalismo. Dessa forma, a princípio, somente os contribuintes beneficiados com créditos presumidos de ICMS podem excluir os valores desse benefício, automaticamente, da tributação pelo IRPJ e pela CSLL, mesmo sem constituir reserva de incentivos fiscais.

O afastamento da “tese do pacto federativo” se deu por dois pontos de distinguishing, expostos pelo ministro Benedito Gonçalves (relator do caso):

(i) o de que a atribuição de crédito presumido ao contribuinte representa um dispêndio de valores por parte do Fisco, enquanto os demais benefícios fiscais de desoneração de ICMS não possuem a mesma característica, já que o Fisco Estadual se recuperará desses valores por meio da aplicação de incidência mais elevada nas operações posteriores, diante da impossibilidade de apuração de crédito de imposto destacado na nota fiscal (o chamado “efeito de recuperação”); e

(ii) o de que o crédito presumido seria uma grandeza positiva, e os demais benefícios de ICMS, grandezas negativas, sendo que só o primeiro teria o potencial impacto de majorar o IRPJ e a CSLL do contribuinte, por configurar receita em tese.

Com relação ao primeiro ponto acima, apenas o ministro relator se posicionou. Ousamos, com o devido respeito, discordar de sua posição nesse aspecto, pois não vislumbramos como o “efeito de recuperação” – que nada mais é do que a prática da não cumulatividade do ICMS – se relaciona com o fato de a União poder, ou não, tributar benefício concedido pelos Estados.

Já o segundo ponto – esse sim reforçado por outros ministros que externalizaram seus votos – está em linha com o quanto vinha sendo decidido pela 2ª Turma da Corte. De toda forma, com ele tampouco concordamos, pelas razões já expostas em nosso texto publicado ano passado, na medida em que, de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 07, “a forma como a subvenção é recebida não influencia no método de contabilização a ser adotado. Assim, por exemplo, a contabilização deve ser a mesma independentemente de a subvenção ser recebida em dinheiro ou como redução de passivo” (item 09). A propósito, a questão da contabilização das subvenções (regras do CPC 07), sequer foi objeto de análise pelos ministros na decisão do tema 1.182.

De acordo com a 2ª tese proposta, todos os incentivos e benefícios fiscais de ICMS foram equiparados a subvenções para investimento, pouco importando a intenção do ente subvencionador de haver a concessão do benefício respectivo com a finalidade de implantação ou expansão de empreendimento econômico.

Causou dúvida, todavia, a 3ª tese fixada, quando da sua proclamação. Isso porque, como transcrito acima, a 2ª tese indica não ser necessária a demonstração da concessão do benefício como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, mas a 3ª tese dispõe que, a despeito da dispensa de atendimento da comprovação prévia, o Fisco federal poderia afastar a exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL caso verifique que “os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.

Os trechos de alguns votos (como dos ministros Mauro Campbell e Herman Benjamin, que propôs essa terceira tese) deixam claro que a exigência de que os valores sejam “destinados a garantir a viabilidade econômica do empreendimento do contribuinte” está atrelada ao registro e à manutenção dos valores em conta de reserva de lucros, o que impede a distribuição dos valores correspondentes aos sócios como lucros e dividendos.

Todavia, há um voto vogal, de autoria não identificada, que deixa dúvidas e poderia dar margem para uma interpretação contrária aos contribuintes.

Dessa forma, há um risco de RFB e PGFN quererem retomar a necessidade de o contribuinte comprovar a vinculação dos recursos das subvenções com determinados gastos (discussão do Parecer Normativo CST nº 112/1978), já que, em nota pública após a publicação do acórdão, a PGFN advertiu que “o valor correspondente ao benefício deve ter registro na reserva da empresa e posteriormente ser reinvestido na expansão ou implantação de um empreendimento.”

Objetivando evitar a instauração de novo contencioso fiscal sobre o tema, esperamos que haja, por parte dos ministros, mediante acolhimento de eventuais Embargos de Declaração, uma clarificação no sentido de que os requisitos para que os demais benefícios fiscais de ICMS não sejam oferecidos à tributação do IRPJ e da CSLL são apenas (i) o registro dos valores em conta de reserva incentivo no Patrimônio Líquido e (ii) a não distribuição dos valores aos sócios, nos termos do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

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