Recessão nos EUA: Entenda os impactos de uma queda dos lucros no Brasil

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Recessão nos EUA não está embutida nos preços dos ativos e impacto nos mercados globais e na economia real são muitos; entenda (Foto: Montagem/MT)

O impacto da paralisação econômica com a pandemia da covid-19 impulsionou a demanda nos Estados Unidos em US$ 5 trilhões desde 2021. Esse montante gradualmente foi sendo amortecido pela inflação e pelos impactos defasados do aumento da da taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed).

Com o emprego de volta aos níveis pré-pandêmicos, o impulso monetário se inverteu. O desequilíbrio entre oferta e demanda se normalizou e a inflação deveria estar desacelerando. Isso porque mudanças na oferta monetária precedem mudanças na inflação em torno de 10 a 15 meses à frente. Esse movimento é observado em indicadores antecedentes da economia dos EUA. No entanto, os números que compõem esses índices são defasados e sujeitos a mudanças.

Nesse caso, é o mercado de títulos que fornece uma visão mais em tempo real das expectativas de inflação e do crescimento econômico. Com base na inflação implícita – que é a diferença entre o rendimento nominal e real em investimentos de taxa fixa com vencimento e qualidade de crédito semelhantes – a taxa de equilíbrio do título de 10 anos dos EUA (T-note) atingiu o pico bem antes da medida de inflação preferida do Fed, o núcleo (core) das Despesas de Consumo Pessoal (PCE).

Existe uma diferença significativa entre a inflação e a taxa de 10 anos. Isso significa que o mercado de títulos aposta em queda substancial da inflação nos próximos 12 meses. Porém, esse diferencial entre o que o mercado espera e os dados econômicos atrasados não são “altas” para a economia.

Inflação e lucro antecipam recessão

O contexto atual de preços altos e ação restritiva do Fed deve reduzir a demanda e elevar gradualmente a taxa de desemprego nos EUA. Se o mercado de títulos estiver precificando uma inflação mais fraca, haverá um crescimento econômico mais fraco. Isso está associado à “destruição de demanda” pelo consumo, que representa em média 70% da economia norte-americana.

Com isso, desacelera também os preços que as empresas cobram dos consumidores. Por isso, não é de surpreender que a correlação entre as taxas de inflação implícitas e as margens de lucro das empresas seja elevada.

No “passado recente”, os ganhos das empresas e os lucros corporativos resultaram também de estímulos fiscais robustos. Com o declínio acentuado da oferta monetária e a manutenção de uma taxa de juros mais elevada, torna-se mais provável um recuo da lucratividade no segundo semestre deste ano.

Outro indicador a ser monitorado é o preço do barril do petróleo. Quando a demanda supera a oferta atual, os preços sobem e vice-versa. Embora existam anomalias de curto prazo que podem mover os preços no curto prazo, como um corte na produção de petróleo, no longo prazo, é economia básica.

Não surpreendentemente, a alta e a queda dos preços do petróleo estão altamente correlacionadas com as taxas de inflação implícitas. Da mesma forma, os resultados das empresas de energia, dependentes dos preços do petróleo para sua receita, também estão altamente correlacionadas com essa relação entre petróleo e inflação implícita.

O Fed e a recessão

A probabilidade do Fed de cortar a taxa de juros até o final deste ano vem sendo revista um pouco para baixo. À medida que o Fed continua a aumentar as taxas de juros para combater os altos níveis de inflação, o risco de uma nova queda nas taxas de equilíbrio é elevado. Isso é particularmente verdadeiro se as ações monetárias do Fed resultarem em uma recessão econômica.

Outro indicador que merece atenção com o impacto da desinflação e da atividade econômica é o spread entre a taxa de inflação dos consumidores versus a dos produtores. À medida que a atividade econômica desacelera e a inflação cai, também diminuem os custos que os produtores podem repassar aos consumidores por meio de preços mais altos.

Assim, quando os produtores não conseguem repassar os custos mais elevados aos consumidores, a empresa deve absorvê-los. E isso se reflete em contrações nas margens de lucro.

Desde o início de 2023, os preços dos mercados subiram na esperança de que o Fed garantisse liquidez monetária “prolongada”. No entanto, as taxas de inflação implícitas e o spread entre a inflação ao produtor e ao consumidor têm consequências significativas.

Como a queda da inflação não é uma função de uma economia em crescimento, então o Fed reiterou seu apelo por uma “recessão leve”. Essa era a previsão na reunião de março, começando ao final deste ano, seguida de uma recuperação nos dois anos subsequentes.

Porém, é fundamental entender que o Fed nunca verbalizou anteriormente a palavra “recessão” em seus discursos. Mesmo antes da crise financeira de 2008 e da crise “ponto.com” de 2000, o Fed discutia regularmente um “pouso suave” (soft landing).

Afinal, se o Fed dissesse algo do tipo “Prepare-se, uma recessão está chegando”, essas palavras causariam ações dentro da economia que potencialmente piorariam esse resultado.

O risco aos mercados

Por isso, o Fed tem agido sempre com cautela ao fazer declarações aos mercados. Isso porque suas palavras provocam ações.

Assim, a preocupação é que, se as discussões anteriores do Fed sobre cenários de “pousos suaves” resultaram em recessões razoavelmente profundas, o que uma “recessão leve” significa?

Por isso, avalio que o Fed não deve tão cedo cortar as taxas de juros. No entanto, esse movimento começar será devido ao reconhecimento de que uma “recessão” está em curso.

Assim, a curva de rendimento se inclinará drasticamente, à medida que a inflação diminuir com a desaceleração da atividade econômica. Nada disso é “otimista” para os ganhos corporativos, lucros ou preços de mercado.

E mais, ao meu ver, isso não está 100% nos preços dos ativos nos mercados – inclusive no Brasil.

E qual será o impacto?

Assim, o impacto, em um primeiro momento, será uma restrição adicional na oferta de fluxos de capitais. Isso tende a prejudicar o crescimento e o investimento nas economias emergentes, como o Brasil.

Nesse cenário, pode haver uma pressão pontual de alta do dólar na economia brasileira. Aliás, isso vale mesmo com a tendência de baixa do dólar no exterior devido ao menor crescimento dos EUA, porém, mais predominante nos meses seguintes.

Tal impacto poderia desencadear uma reação cautelosa do Banco Central brasileiro de prolongar um juro real ainda elevado. Portanto, também teria efeito nas aplicações de renda fixa e dos juros do crédito ao consumidor. Ainda mais se ocorrer restrições efetivas de ingressos de recursos externos no Brasil, gerando um ciclo de inadimplência e do endividamento em alta no país.

Junto à recuperação incipiente da China neste segundo trimestre, não se vislumbra um ciclo favorável de alta dos preços das commodities para o Brasil como registrado entre 2003 e 2008. Na época, o crescimento econômico mundial e o comércio global cresciam a taxas superiores a 4,0% e 6,0% ao ano e em média, respectivamente.

Hoje, porém, são outros tempos. Daí porque o momento atual exige ações seletivas e eficientes no tratamento das contas públicas no Brasil.

*Eduardo Velho é sócio e economista-Chefe da JF Trust Gestora. Foi Diretor de Operações do Banco Banestes DVTM; Diretor de Desenvolvimento Industrial e de Novos Negócios da Codin; Diretor e Gestor de Fundos Multimercado e Renda Fixa da INVX Global/A2A Asset; Diretor de Investimentos do Banco Valor; Economista-Chefe da GO Associados e do Banco BBM Invest. Professor do Preparatório da Anpec e da Fundação Getúlio Vargas/Fucape. Economista com Mestrado stricto sensu pela EPGE/Fundação Getúlio Vargas e Doutorado (ABD) em Economia (UNB).

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