Como Brasil e outros países da América Latina podem se ‘proteger’ de retaliações de Trump


Embate com a Colômbia mostrou que os próximos quatro anos podem ser marcados por um relacionamento conflituoso entre os EUA e a América Latina. Trump fala sobre queda de avião em Washington
Roberto Schmidt/AFP
México, Canadá e China devem enfrentar, a partir deste sábado (01/02), tarifas em seus produtos importados pelos Estados Unidos, segundo determinação do presidente Donald Trump.
As tarifas sobre México e Canadá serão de 25% e sobre a China, de 10%. Entretanto, o petróleo canadense terá valor menor, de 10%, e sua taxação só deverá entrar em vigor em 18 de fevereiro.
Trump afirmou que pretende também impor tarifas à União Europeia no futuro, argumentando que o bloco não tem tratado bem os EUA.
Para analistas, esse tipo de ação de Trump, assim como o embate recente com a Colômbia em torno das deportações, mostra que será necessário seguir as demandas dos Estados Unidos — ou, então, os países enfrentarão consequências.
Trump anunciou sanções contra a Colômbia após o presidente do país, Gustavo Petro, questionar a nova política de imigração americana.
No domingo (26/01), o líder sul-americano havia se recusado a autorizar o pouso de dois aviões militares transportando cidadãos colombianos deportados pelos Estados Unido
Como resposta, Trump disse que iria impor imediatamente uma tarifa de 25% sobre todas as importações colombianas e aumentá-la para 50% em uma semana.
Washington também ameaçou impor sanções bancárias e financeiras, além de aplicar uma proibição de viagens e revogar vistos de funcionários do governo colombiano.
Horas depois do impasse, porém, Colômbia e Estados Unidos anunciaram que Bogotá aceitaria todos os voos com imigrantes deportados — e que os Estados Unidos não adotariam as sanções.
Trump escolheu fazer da Colômbia um exemplo, avalia Anthony Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte.
“Serve como um aviso severo aos aliados e adversários dos Estados Unidos: se vocês não cooperarem, as consequências serão severas”, disse Zurcher.
Nesse cenário, os países sul-americanos, em desenvolvimento e mais pobres podem ficar mais vulneráveis, avaliam especialistas consultados pela BBC News Brasil.
Mas segundo eles, há medidas que esses países podem tomar para tentar se proteger das ameaças e retaliações dos EUA.
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Diversificar parcerias
A mais evidente medida, segundo analistas, é diversificar as parcerias e evitar uma dependência extrema dos Estados Unidos.
Washington é historicamente a principal potência parceira da América Latina: desde o início da aplicação da Doutrina Monroe — que previa a não intervenção da Europa em assuntos americanos — passando pelas políticas intervencionistas e de apoio a ditaduras durante a Guerra Fria até os tratados mais recentes de cooperação econômica e combate ao crime organizado.
Mas essa proximidade pode ser prejudicial quando se transforma em uma dependência passível de exploração em momentos de tensão, apontam analistas.
Por isso mesmo, eles veem as últimas ações de Trump como benéficas para adversários dos Estados Unidos — em especial a China — que buscam expandir sua presença na região.
Para Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador afiliado do centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace, em Washington D.C., a resposta agressiva de Trump à crise com a Colômbia e suas ameaças em relação a outros países da região, como o Panamá e o México, fazem com que a América Latina se sinta ameaçada pelos Estados Unidos e busque novos parceiros.
Em coletiva de imprensa no início do mês, antes mesmo de iniciar seu segundo mandato, Trump também cogitou comprar a Groenlândia (território autônomo da Dinamarca, país aliado dos Estados Unidos) e o Canal do Panamá, e não descartou o uso de força militar ou pressão econômica para atingir esses objetivos.
Trump assinou ainda uma ordem para rebatizar internamente o Golfo do México de “Golfo da América”, além de determinar a designação de cartéis de drogas no México como organizações terroristas estrangeiras — provocando críticas e o temor do governo mexicano de uma ampliação da tensão com os grupos criminosos.
“Essas ações fazem com que a América Latina se sinta ameaçada pelos Estados Unidos e busque outros parceiros para lidar melhor com essa ameaça”, diz Stuenkel.
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Alianças e multilateralismo
A segunda medida apontada por especialistas passa pelo multilateralismo e pela aliança regional.
“Os países da região podem enfrentar [o tipo de retaliação aplicada por Trump] tomando posições comuns e falando o máximo possível em uma só voz”, diz David Castrillon Kerrigan, professor-pesquisador da Universidade Externado da Colômbia.
O especialista explica que os elos entre Washington e as lideranças da América Latina são assimétricos, com os Estados Unidos cultivando muito mais poder.
“Assumindo uma posição comum, podemos esperar que os Estados Unidos não consigam, pelo menos, ter sucesso em dividir a região.”
Kerrigan afirma que a iniciativa da presidente de Honduras, Xiomara Castro, que também lidera a Comunidade de Países Latino-americanos e Caribenhos (Celac), de convocar uma reunião emergencial para discutir a resposta à política migratória de Trump foi um bom passo nessa direção.
Mas o encontro, que estava marcado para quinta-feira (30/01), acabou sendo cancelado com a resolução do conflito entre Estados Unidos e Colômbia.
Kerrigan também diz acreditar que dialogar e se alinhar a outros blocos de países que possam ter interesses em comum ou estar envolvidos nos mesmos dilemas pode ser uma boa forma de lidar com ameaças e retaliações por parte dos Estados Unidos.
“A Europa pode ser um parceiro muito inteligente e útil para os países latino-americanos”, diz Kerrigan, argumentando que as potências europeias podem ser especialmente úteis na defesa das regras da ordem internacional ou na oposição a ações unilaterais durante fóruns internacionais.
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Encontrar aliados nos EUA
Cultivar aliados dentro do Executivo ou do Legislativo americano também pode ser uma forma de contornar eventuais conflitos, diz Oliver Stuenkel.
Segundo o professor, a diplomacia das nações latino-americanas pode se beneficiar do diálogo aberto com figuras em Washington.
Essa interlocução pode ser eficiente para comunicar insatisfações, apontar problemas e aventar soluções de forma indireta em momentos de crise.
“Quando Trump impôs sanções sobre o aço brasileiro [em 2019, durante o primeiro mandato], a embaixada brasileira em Washington ligou imediatamente para deputados americanos que representavam regiões onde empresas brasileiras estavam atuando para comunicar possíveis impactos negativos da decisão na geração de emprego”, relembra Stuenkel.
Segundo o especialista, esses mesmos deputados acabaram por fazer pressão para que as tarifas fossem revogadas.
“Isso requer uma diplomacia muito ágil e uma preparação — ou seja, é preciso saber para quem ligar quando a coisa acontecer”, diz Stuenkel.
“Não tenho dúvidas de que o Brasil vai precisar disso em algum momento nos próximos quatro anos, diante de alguma nova ameaça.”
Não engajar em provocações
Para Evandro Carvalho, professor da FGV Direito Rio e especialista em temas internacionais, outra boa prática é não engajar no que ele classifica como “provocações” por parte do governo Trump.
“A primeira atitude para se proteger dessas retóricas agressivas, ou até mesmo de medidas concretas do Trump, é não colocar mais fervura”, diz Carvalho.
“Fazer declarações também agressivas ou criar problemas diplomáticos não é o melhor caminho.”
Stuenkel também acredita que “ficar abaixo do radar” pode ser uma saída.
“No caso do Brasil, é bastante possível que Trump não preste grande atenção no país a não ser que seja provocado ou alguém o questione diretamente sobre o assunto”, diz o pesquisador.
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Reciprocidade
Carvalho afirma, no entanto, que ações devem ser respondidas com reciprocidade.
“Se os Estados Unidos adotam determinados mecanismos protecionistas contra o Brasil, o país tem que avaliar como se defender e eventualmente até tarifar produtos americanos”, diz o especialista e professor da FGV.
“Mas, claro, tudo com muita cautela, para não colaborar com o processo de implosão.”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou uma postura que vai ao encontro com essa ideia, durante uma coletiva de imprensa nesta quinta-feira (30/01).
Lula disse que, se Donald Trump aumentar a taxa de produtos brasileiros, “vai ter reciprocidade”.
“Se ele taxar, haverá reciprocidade do Brasil com os produtores brasileiros, não tem nenhuma dificuldade”, disse o presidente em conversa com jornalistas no Palácio do Planalto.
“Quero que o Trump respeite o Brasil”, completou, afirmando que deseja um bom governo nos EUA e que respeita a gestão do republicano.
Em seus primeiros dias de volta à Casa Branca, Trump assinou uma ordem executiva intitulada America First Trade Policy (Política Comercial América em Primeiro Lugar) e fez uma série de ameaças de impor tarifas contra parceiros comerciais dos americanos.
Apesar do Brasil não estar entre os alvos iniciais, o republicano citou o país ao falar de nações que, segundo ele, “querem prejudicar os EUA” e “são tremendos criadores de tarifas”.
“Vamos impor tarifas a países e pessoas externas que realmente querem nos prejudicar. Eles querem nos prejudicar, mas basicamente querem tornar seu país bom. Veja o que os outros fazem: a China é um tremendo criador de tarifas, a Índia, o Brasil e tantos países.”, disse Trump em um evento na segunda-feira (27/01).
Fazer concessões simbólicas
Por fim, os especialistas citam pequenas concessões como uma forma de desviar o foco das crises e manter relações amigáveis com grandes potências.
Stuenkel explica que essas concessões podem vir na forma de acordos bilaterais de pequeno porte ou que não provoquem grandes mudanças, mas que movimentem de alguma forma a relação.
“A China, por exemplo, faz muito isso. Organiza um grande evento para a assinatura de um tratado, que no fundo não muda nada”, diz o professor da FGV.
“Com os Estados Unidos, fazer algo do tipo, em que Trump seja recebido com honras e tratado como grande estadista, pode ser uma forma de agradar.”
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