O que é o ‘efeito máquina de lavar’ que ajuda a explicar por que tarifas de Trump podem prejudicar os EUA


As tarifas oficializadas neste sábado pelos EUA atingirão o México e o Canadá, mas também prejudicarão o bolso dos americanos. Em 2018, o primeiro governo de Trump impôs tarifas às máquinas de lavar importadas.
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Não é incomum pensar nas tarifas como uma espécie de “punição” para produtos estrangeiros e os países que os fabricam.
No entanto, o “efeito máquina de lavar” ajuda a explicar por que as empresas nacionais e os consumidores locais também acabam pagando os custos da aplicação dessas taxas.
Donald Trump, oficializou neste sábado (1/2) seu plano de taxar em 25% importações do Canadá e do México e 10% da China.
A medida está relacionada à percepção do presidente dos EUA sobre a má gestão dos governos desses países em relação à migração e ao tráfico de drogas.
A ameaça da imposição de tarifas também recaiu sobre a Colômbia, depois que o governo de Gustavo Petro se recusou a autorizar o pouso de dois aviões militares com cidadãos colombianos deportados.
Bogotá acabou aceitando todos os voos com imigrantes deportados — e os Estados Unidos anunciaram que não adotariam as sanções.
Mas a postura de Trump sobre o tema migratório e a proteção das fronteiras continua bastante clara: “Como todo o mundo sabe, milhares de pessoas estão entrando em massa através do México e do Canadá, levando o crime e as drogas a níveis nunca vistos”.
E segundo o republicano, a imposição de tarifas contra as economias mexicana, canadense e chinesa continuará até que os países cooperem com os Estados Unidos na luta contra a “grande ameaça de imigrantes ilegais e drogas mortais”.
“A tarifa vinculada à migração e ao fentanil é uma espécie de extorsão”, disse à BBC Mundo o economista mexicano Luis de la Calle, que participou das negociações com os Estados Unidos e o Canadá sobre o acordo de livre comércio anterior, o NAFTA.
“O que eles querem é começar uma negociação com uma vantagem”, disse Joan Domene, economista-chefe para a América Latina da Oxford Economics, também à BBC Mundo.
Mas o que isso tem a ver com máquinas de lavar?
A retórica de Trump é que as tarifas retiram dinheiro de empresas estrangeiras para “tornar os americanos mais ricos”.
Porém, quando economistas analisam experiências passadas, esse nem sempre foi cenário alcançado. As tarifas que Trump aplicou em sua primeira administração, além de afetar empresas estrangeiras, também prejudicaram as empresas locais e os próprios consumidores americanos, de acordo com vários estudos acadêmicos.
Longe de enriquecê-las, as famílias tiveram que pagar preços mais altos. E a arrecadação de impostos resultante da imposição de tarifas foi muito baixa em comparação com o que o governo arrecada por meio de impostos individuais e corporativos.
Estudos mostram que quando tarifas são impostas, os preços dos produtos nos países que as aplicam também aumentam.
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Um exemplo que serve para ilustrar isso é o caso do imposto sobre máquinas de lavar estrangeiras que Trump aplicou em 2018 durante seu primeiro mandato.
Um estudo realizado por três renomados economistas, Aaron Flaaen, Ali Hortacsu e Felix Tintelnot, concluiu que o preço das máquinas de lavar nos Estados Unidos subiu 12% como efeito direto dessa tarifa.
A ideia da tarifa, que é um imposto sobre produtos importados, era proteger os produtores locais contra a entrada massiva de máquinas de lavar muito baratas do exterior, no que é conhecido como um caso de concorrência desleal ou dumping.
“Embora alguns empregos tenham sido criados, os consumidores pagaram um custo muito alto”, diz Felix Tintelnot, professor da Duke University, nos EUA, e coautor da pesquisa, à BBC Mundo.
Os americanos como um todo pagaram cerca de US$ 820 mil a mais pela compra de máquinas de lavar, por cada emprego criado. “Não foi um bom negócio para eles.”
Esse é exatamente o que os economistas chamam de “efeito máquina de lavar”: o aumento de preços pago pelas famílias americanas.
Em última análise, “os consumidores arcam com o custo do conflito comercial”, explica Inga Fechner, economista sênior de comércio global da equipe de pesquisa do banco ING na Alemanha.
Uma das consequências dessa experiência é que não apenas o preço das máquinas de lavar importadas subiu, mas os produtores locais também aumentaram os preços.
É verdade que nem todas as tarifas são iguais. E que as taxas atuais de Trump contra o México e o Canadá não tem nada a ver com acusações de concorrência desleal, dirigidas especialmente contra produtos chineses. No entanto, o caso das máquinas de lavar não é um exemplo isolado.
Trump oficializa tarifas contra Canadá, México e China
Após a oficialização da imposição das taxas pelos EUA – e a resposta de Canadá, México e China à notícia -, a própria Câmara de Comércio dos EUA alertou que as tarifas aumentarão os preços para os americanos.
O vice-presidente do órgão, John Murphy, diz que o presidente “está certo em focar em grandes problemas como nossa fronteira quebrada e o flagelo do fentanil”, mas alerta que a imposição de tarifas “não resolverá esses problemas e só aumentará os preços para as famílias americanas e prejudicará as cadeias de suprimentos”.
“A Câmara consultará nossos membros, incluindo as principais empresas em todo o país impactadas por essa mudança, para determinar os próximos passos para evitar danos econômicos aos americanos”, acrescentou Murphy.
Outros grupos e associações americanas relacionadas ao comércio de bens, agricultura e demais setores também manifestaram preocupações semelhantes.
A Associação de Líderes da Indústria de Varejo dos EUA, que inclui grandes nomes como Home Depot, Target e Walgreens, alertou sobre o risco do aumento dos preços para os consumidores americanos nas lojas.
“Entendemos que o presidente está trabalhando para chegar a um acordo. Os líderes de todas as quatro nações devem se unir e trabalhar para chegar a um acordo antes de 4 de fevereiro, porque promulgar tarifas de base ampla será prejudicial à economia dos EUA”, disse a associação em nota.
A cosultoria TD Economics, do Canadá, sugeriu ainda que os impostos de importação poderiam aumentar o preço médio dos carros nos EUA em cerca de US$ 3.000, enquanto a Associação Nacional de Construtores de Moradias disse que os custos de moradia poderiam aumentar.
Nas redes sociais, porém, Trump afirmou que a dor das tarifas “valerá o preço”.
“Haverá alguma dor? Sim, talvez, e talvez não! Tudo valerá o preço que deve ser pago”, escreveu em um post na rede social Truth Social.
Ele disse que vários países, incluindo Canadá, México e China, “continuam o roubo de décadas da América, tanto em relação ao comércio, crime e drogas venenosas que são permitidas a fluir tão livremente para a América”.
“Esses dias acabaram”, escreveu.
Não é um caso isolado
Observando o que aconteceu durante o primeiro governo de Donald Trump, há muitas análises de dados que mostram como a imposição de tarifas também teve efeitos negativos na economia e nos consumidores americanos.
“Estudo após estudo mostrou que as tarifas dos EUA desde 2017 foram totalmente repassadas aos compradores americanos”, argumentam Kimberly Clausing e Mary Lovely, economistas do Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE), um centro de pesquisa independente com sede em Washington DC.
Outros think tanks, como a conservadora Tax Foundation, publicam pesquisas há anos sobre os danos econômicos causados pelas tarifas nos EUA.
“Elas tiveram um impacto líquido negativo na economia dos EUA”, diz uma análise recente de Erica York, vice-presidente de Política Tributária Federal da organização.
“As tarifas aumentaram os preços e reduziram a produção e o emprego”, acrescenta ela.
Essas conclusões são refutadas por aliados do presidente Trump, como Peter Navarro, atual assessor comercial do governo.
Seu argumento é que as tarifas não aumentaram nenhum preço durante o primeiro governo do presidente.
“Tivemos inflação zero por causa das tarifas”, disse ele em declarações à imprensa local, sem dar mais detalhes.
Rompimento do acordo comercial?
Embora a tarifa, sem dúvida, cause danos ao país afetado, o primeiro a pagar esse imposto é o importador americano na alfândega ao importar produtos estrangeiros.
Com a nova de tarifa de 25%, o importador americano que importa, por exemplo, abacates, tomates, autopeças, cerveja, aço ou qualquer outro produto mexicano terá que pagar esse valor extra.
Como fica mais caro importar o produto, parte do preço extra (ou todo o custo extra) costuma ser repassado ao consumidor final, neste caso o consumidor americano, gerando um aumento na inflação.
No caso dos produtos mexicanos e canadenses, a situação é mais complexa porque os três países norte-americanos mantêm acordos de livre comércio há três décadas.
O primeiro foi o NAFTA e o segundo, que ainda está em vigor, é o Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá, om USMCA, na sigla em inglês.
A aplicação de tarifas “romperia com a ideia de um acordo comercial”, explica Valeria Moy, diretora geral do Centro de Pesquisa em Políticas Públicas, IMCO. “É como dizer ‘não me interessa’”
Mas os três países precisam uns dos outros porque construíram cadeias de produção que, ao longo dos anos, estiveram intimamente ligadas, com empresas ou fábricas binacionais que dependem de exportações e importações.
O principal parceiro comercial dos Estados Unidos é o México, país que envia mais de 80% de suas exportações para o mercado americano.
Muitas empresas americanas dependem da fabricação no México e, se não puderem mais importar produtos a um preço competitivo, terão sérios problemas.
O que aconteceu no primeiro governo Trump?
“Isso já aconteceu antes”, disse Xóchitl Pimienta, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Ciência Política do Instituto de Tecnologia de Monterrey, na Cidade do México, à BBC Mundo.
Durante seu primeiro governo, em 2018, Trump impôs temporariamente tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio, uma medida que causou alarme entre empresas mexicanas e americanas, mas que também acabou tornando os produtos comprados por famílias americanas mais caros.
Pimienta explica que muitos estudos foram realizados sobre o efeito nos preços que o consumidor final acabou pagando nos EUA.
Um deles mostrou que alguns produtos, como carros, máquinas de lavar, liquidificadores e muitos outros, aumentaram de preço entre 8% e 20% nos EUA, após a imposição de tarifas sobre esses produtos de metal.
Outro estudo determinou que o aumento da tarifa custou às famílias americanas cerca de US$ 1.200 por ano em suas compras.
Desta vez, as tarifas contra o México tendem a afetar mais o setor automotivo, o setor agrícola, produtos alimentícios (como abacate, tomate, morango, pimentão), cerveja e tequila, o setor de eletrônicos (como telas de telefones celulares) e manufatura, bem como o setor de petróleo.
Mais uma vez, diz Pimienta, “o consumidor final nos Estados Unidos será afetado.”
Nesse cenário, Trump teria que lidar com as pressões inflacionárias que ele prometeu reduzir durante sua campanha, uma promessa eleitoral que o ajudou a retornar à Casa Branca em meio a um clima de insatisfação com o alto custo de vida.
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