Transação tributária do contencioso nas relações jurídicas de trato continuado

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A transação tributária, prevista originalmente no artigo 171 do Código Tributário Nacional (CTN), foi regulamentada pela Lei 13.988/20.   

Há quatro elementos, no artigo 171 do CTN, que, necessariamente, deveriam — e devem — estar presentes na legislação instituidora: facultatividade, concessões mútuas, extinção do litígio e potencialidade para extinguir o crédito tributário. Pela letra da lei, só haverá transação quando estes se fizerem presentes.  

Sobre o último elemento, uma ressalva é importante: haverá transação, ainda que, ulteriormente, não haja extinção do crédito, como nas hipóteses de rescisão do acordo. Deste modo, entende-se que a extinção do crédito é uma potencialidade da transação (a transação precisa ter como objetivo o pagamento), visto que a extinção efetiva só ocorrerá com o pleno cumprimento de suas cláusulas.   

Por outro lado, e embora criticada por parte da doutrina, a classificação dos fatos geradores tributários em instantâneos, periódicos ou continuados, mostra-nos que, por vezes, a relação jurídica tributária entre fisco e contribuinte pode se protrair no tempo, ou novos liames podem ser criados, com o passar do tempo.  

Como fica, então, a situação do fisco e do contribuinte, quando decidem transacionar na modalidade transação no contencioso pela extinção do crédito tributário, e do litígio, sabendo que, no futuro, novo fato gerador, do mesmo tributo, ocorrerá? Há mecanismo que possa predeterminar as situações futuras, ou será necessário que novo crédito seja constituído, para que, então, possa haver nova possibilidade de transação?  

Embora, via de regra, a transação deva dispor sobre créditos previamente constituídos, pode ser, a teor do artigo 19 da Lei 13.988/20, que o acordo fisco-contribuinte abranja, além de créditos já lançados ou declarados, fatos geradores futuros.  

Isso porque o já mencionado artigo 19, em seu § 1o, II, aduz que o sujeito passivo, aderente da transação, deve “sujeitar-se, em relação aos fatos geradores futuros ou não consumados, ao entendimento dado pela administração tributária à questão em litígio”.  

Pode-se pensar numa quebra à isonomia, ou mesmo do princípio da universalidade da jurisdição, visto que dita sujeição poderia configurar vantagem indiscriminada ao fisco, além de tolher o acesso futuro ao Judiciário. Porém, não é demais rememorar os requisitos do CTN, a respeito da transação.   

O primeiro deles é a facultatividade. Só haverá transação se houver real interesse, por parte da fazenda pública e do contribuinte. Se o contribuinte vislumbra melhor sorte na via judicial, não deverá transacionar. Mas, se houver dúvida em seu direito, a transação é meio de acertamento da situação de penumbra, pela justaposição/cessão dos interesses envolvidos.   

A disposição de um direito é prerrogativa de seu titular, e fruto de seu poder de autodeterminação. Assim, não há violação ao princípio da universalidade da jurisdição, quando o titular da garantia dele resolve, episodicamente, abrir mão, quando aventa uma alternativa mais vantajosa.  

O segundo requisito é a existência de concessões mútuas. Quando o contribuinte resolve transacionar, decide confessar o débito, mas, por outro lado, recebe do fisco um prazo dilargado de pagamento, e um desconto sobre seu valor. De acordo com a Lei 13.988/20, o pagamento pode ser parcelado em até 84 meses, e o desconto pode, em determinadas situações, chegar a 50% do valor que seria devido. Portanto, em contrapartida a esta benesse (que os demais contribuintes, não aderentes, não terão), deve haver a pacificação da tese discutida nos autos, judiciais ou administrativos. 

Até porque o terceiro requisito é o encerramento do litígio. Não faz sentido extinguir o litígio atual, com a concessão de prazo de pagamento e desconto, se, entre as partes, por conta da realização regular de outros fatos geradores, certamente haverá, no futuro, outros litígios de igual natureza.  

Por conta de todas essas circunstâncias, parece acertada a solução legislativa, no sentido de condicionar a transação à aderência à tese do fisco, acerca dos fatos geradores futuros, nas relações jurídico-tributárias de trato continuado.  

Se, por um lado, é razoável que a concessão de prazo de pagamento e descontos exija a conformação, do aderente, à tese jurídica adotada pelo fisco, por outro lado não parece correta a manutenção do acordo, quando o estado de incerteza é substituído pela certeza, mormente aquela decorrente de precedente persuasivo de tribunais superiores, em sentido favorável aos demais contribuintes em situação análoga.  

Para solver tal situação, o mesmo inciso que determinou a sujeição do aderente ao entendimento dado pela administração tributária à questão em litígio, relativamente aos fatos geradores futuros, fez importante ressalva, para os casos de cessação de eficácia prospectiva da transação. 

Essa cessação, para os fatos geradores futuros, decorre dos precedentes de observâncias obrigatória, mencionados no artigo 927 do CPC: as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em controle concentrado de constitucionalidade; as súmulas vinculantes do STF; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário “repetitivo” [rectius: recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida], por parte do STF, e recurso especial repetitivo por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ); e as súmulas do STF e STJ, nas matérias de competência típica de tais cortes.

Também prevê a cessação da eficácia do negócio, nos casos em que a administração tributária insere a tese jurídica dentre os temas com dispensa de contestação e recurso (artigo 19 da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002). 

Por prospectivo, deve-se entender que a cessação opera efeitos ex nunc. Ou seja, é irrepetível o valor pago anteriormente, no âmbito da transação.  

E tal solução também é razoável, visto que a transação no contencioso serve para, mediante cessões recíprocas, eliminar o estado de incerteza de fisco e contribuinte, acerca de uma determinada relação jurídica. Para o contribuinte, há descontos e pagamento parcelado; para o fisco, há a certeza de ingresso no caixa do Tesouro, ainda que de valor inferior ao anteriormente aventado.  

Tal incerteza no binômio pagamento/repetição traz insegurança para as partes envolvidas. Correto, então, que alterações no suporte jurídico, motivadas pela eficácia persuasiva de determinados precedentes judiciais, somente operem efeitos para o futuro.  

Em suma, a transação tributária é negócio que visa acertar a relação, anteriormente conflituosa, entre fazenda pública e contribuinte. Para eliminar a incerteza, compensam-se o menor ingresso de caixa ao fisco, à aderência na tese jurídica do credor público, e a não repetição de valores pagos, mesmo que a tese jurídica do contribuinte sagre-se vencedora, em casos análogos. 

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