A guerra não vale a pena

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Até que se compreenda que a guerra não vale a pena, a região não terá pazMarwan Sawwaf/Alef MultiMedia/Oxfam – 10/10/2023

Não há qualquer chance de paz na guerra entre Israel e Hamas enquanto Netanyahu e o Hamas estiverem no poder. Ambos querem encontrar uma solução bélica para o choque de interesses. Essas atuais lideranças não conseguem vislumbrar a possibilidade de um acordo de paz e uma discussão de dois Estados para os dois povos. São necessários líderes como os que estiveram no poder para as assinaturas dos Acordos de Oslo, nos anos 90.

O célebre aperto de mão entre Rabin e Arafat selou essa aliança. O cenário atual é bem diferente, com lideranças sem qualquer disposição para o diálogo. São necessários governantes que possam vislumbrar a volta das negociações diplomáticas, além de pensar em um futuro de paz para o Oriente Médio.

É preciso discutir fronteiras, a desocupação dos assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia e a construção de uma atmosfera de confiança para negociar algo impossível atualmente. Até que se compreenda que a guerra não vale a pena, a região não terá paz.

A presidência rotativa brasileira, em outubro, do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), fez um esforço elogiável para tentar costurar um novo texto de uma resolução de teor humanitário. A despeito de todos os nossos esforços, não foi possível aprovar um texto com um mínimo de racionalidade e de decência para este conflito.

Como se os horrores da guerra e os dramas humanitários na região não fossem suficientes, o conflito deve gerar um efeito colateral chocante: o marketing do terror, com o uso e a divulgação de imagens da barbárie. Por exemplo, o bombardeio por Israel de hospitais em Gaza, sob a justificativa de que membros do Hamas estariam se escondendo nesses hospitais.

É impressionante como estamos vivendo em um período triste da humanidade. No caso dos brasileiros, o foco do nosso trabalho é convencer Israel e o Egito a abrir a fronteira para os nossos nacionais. Segundo integrantes do Itamaraty, a questão central é “quem poderá sair de Gaza e como”. A negociação tem sido descrita, neste início de novembro, como difícil e complexa do ponto de vista político e operacional.

Os cerca de 30 brasileiros fazem parte de mais de cinco mil palestinos com dupla nacionalidade. O Brasil tem mantido conversas com autoridades egípcias e israelenses sobre a abertura do posto fronteiriço de Rafah, por onde devem ser libertados os brasileiros.

Agência das Nações Unidas para refugiados palestinos disse que pelo menos um milhão e meio de pessoas foram deslocadas de seus lares em Gaza, e que 600 mil pessoas estariam em abrigos ou instalações fornecidos pela Agência. As entradas e as saídas da Faixa de Gaza estão fechadas.

Um dos elementos que torna complicada a solução do conflito é uma nova bipolarização da ordem internacional. Essa polarização se daria entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental, de um lado, e Rússia e China com as nações sob a sua influência.

Nesse contexto, torna-se mais difícil tomar qualquer decisão porque prevalece o que se chama de jogo de soma zero: se um lado ganha, o outro perde. Desde o início, Washington resistiu a aprovação de qualquer texto no CSNU para não desvalorizar a iniciativa diplomática e o protagonismo de Joe Biden. No mesmo dia em que o texto brasileiro foi rejeitado, Biden anunciou ter acertado com Israel e Egito a abertura de um corredor humanitário em Gaza. Os Estados Unidos preferiram agir de forma unilateral a obter o aval das Nações Unidas.

O pano de fundo da resistência americana sempre foi a tensão com a Rússia, em razão da guerra na Ucrânia. Para os russos, a intenção era expor o que consideram uma contradição de Washington: enfatizar a situação dos refugiados ucranianos, mas não a crise aguda entre os palestinos, agravada pelas explosões nos hospitais de Gaza.

Na verdade, não há boas opções para uma ofensiva terrestre de Israel em Gaza. Não importa o sucesso da operação na derrota do Hamas, pois o apoio da população a resistência continuará de qualquer forma. Israel ou reocupa Gaza ou, ao se retirar após uma ofensiva, cede terreno as pessoas para quem a resistência ainda continua a existir, até uma solução definitiva do conflito.

Alguém deve governar Gaza e está é uma fraqueza da estratégia israelense porque o Hamas representa uma ideia política e religiosa que não pode ser desmantelada, e é uma organização que cresce graças à sua reputação entre os palestinos de abraçar a luta armada e o martírio contra Israel. Mesmo que seja derrotado militarmente, o Hamas não pode ser totalmente neutralizado. Ele pode ser derrotado militarmente sim, mas permanecer políticamente relevante. O Hamas pode tentar apresentar qualquer defesa como um martírio heróico em favor da libertação do povo palestino. Mesmo que Israel desfira um duro golpe contra o Hamas, não conseguirão impedir a sua regeneração.

Talvez as Nações Unidas possam ajudar a manter a paz dentro de Gaza, como uma espécie de força policial suplementar, enquanto o estatuto e a credibilidade da autoridade palestina forem restabelecidos. Biden fez uma rara viagem de um presidente americano a uma área sob ataque de foguetes para mostrar seu apoio à Israel. Em troca, pediu que Israel levasse em conta em suas ações o direito internacional. Foi solenemente ignorado. Nesse caso, Washington está agora impotente.

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