Aldírio Simões, o irreverente manezinho que ninguém esquece, ganha livro em sua homenagem

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Irreverente, criativo, crítico, irrequieto, fiel aos amigos. Todos esses atributos e características da personalidade de Aldírio Simões vêm à tona nas conversas com os amigos e familiares do jornalista e carnavalesco que morreu em janeiro de 2004, deixando uma lacuna até hoje não preenchida na defesa das tradições e da cultura de Florianópolis.

Manezinho empedernido, nascido às margens do rio do Brás, em Canasvieiras, as pegadas de Aldírio estão em várias partes da cidade – e na memória de centenas de pessoas que trabalharam e conviveram com ele.

Aldírio Simões é um entusiasta da cultura manezinha – Foto: Arquivo Pessoal

Agora, um livro em vias de ser apresentado ao público conta como foram os 62 anos que durou a passagem desse personagem pelas ruas, morros, passarelas e bares pé-sujo – os seus preferidos – da cidade. “Aldírio Simões – O manezinho-maior” (Dois por Quatro Editora), do jornalista Ricardo Medeiros, será lançado no sábado que vem (3), às 10h, no Mercado Público de Florianópolis.

Além de aspectos da vida pessoal e familiar, a obra destaca o legado de Simões, que transformou a expressão “manezinho”, antes pejorativa, denominando o colono ou pescador sem diploma do interior da Ilha em sinônimo de orgulho para os nativos da capital catarinense.

A criação do Troféu Manezinho que Ilha, que teve 22 edições (cinco depois de sua morte) e condecorou 363 pessoas, é a herança mais lembrada, porque deu aos ilhéus mais autênticos um reforço em sua autoestima, mas está longe de ser única. É com saudade que os amigos lembram do programa “Bar Fala Mané”, que ficou muitos anos no ar e abriu espaço para moradores de Florianópolis – de conhecidos na política e no empresariado a figuras absolutamente anônimas – falarem na televisão, sem script e maquiagem.

Funcionário da Prefeitura de Florianópolis a partir de 1976, Aldírio coordenou os desfiles das escolas de samba em todos os carnavais na década de 1980. Em 1990, criou o Concurso Nacional de Reis Momos, e em 2001 organizou o concurso que reelegeu o carnavalesco Hernani Hulk como comandante da folia na cidade.

Antes disso, em 1992, como superintendente da Fundação Cultural Franklin Cascaes, criou o Prêmio Zininho de Música Popular, que reverenciava o compositor Cláudio Alvim Barbosa, autor do “Rancho de Amor à Ilha”, o hino de Florianópolis. No mesmo cargo, revitalizou o Concurso de Marchinhas de Carnaval, que mexia com a cidade inteira. “Ninguém, nem de longe, ocupou o lugar dele até hoje”, diz o jornalista e escritor Ricardo Medeiros, autor do livro (que, a pedido da família, não fala das circunstâncias da morte do carnavalesco). “Fiquei anos sem me acertar após a partida desse cara”, afirma o irmão Marinho de Jesus, 67 anos, com lágrimas nos olhos.

Jornalista Ricardo Medeiros fez livro biográfico de Aldírio Simões – Foto: Divulgação

Um bar que marcou época

O protagonismo de Aldírio Simões foi tanto que só um livro mesmo poderia abarcar o conjunto da obra. Ele criou a mostra teatral que a Fundação Franklin Cascaes transformou depois no exitoso Festival Nacional de Teatro Isnard Azevedo. Antes de chegar à televisão, manteve a coluna Domingueiras no jornal “O Estado”, inaugurando um espaço de difusão do Carnaval (e do samba de modo geral) que mais tarde levou para o “AN Capital”. No rádio, ainda em 1985, comandou o programa Clube do Samba na extinta Diário da Manhã.

Aldírio e o poeta Zininho em algum bar da cidade – Foto: Cláudia Barbosa

“Realizado ao vivo no quintal da casa onde a emissora funcionava, na esquina das ruas Alan Kardec e Frei Caneca, o programa era uma festa, com espetinho, cozidos, canja e cerveja”, conta Ricardo Medeiros. Na manhã seguinte, a sujeira ainda estava lá, para desespero dos diretores da rádio, que não tomavam medidas mais drásticas porque Aldírio tinha uma audiência que amenizava a bronca de todas as segundas-feiras.

O carnavalesco lançou quatro livros e participou da coletânea de crônicas “Contos de Carnaval” (editora Garapuvu, 1997). São de sua autoria as obras “Domingueiras – Sou Ilhéu, Graças a Deus” (Papa-Livro, 1990), “Retratos à Luz de Pomboca” (AN, 1997), “Fala Mané” (FFC, 1998) e “O Pirão Nosso de Cada Dia” (Lunardelli, 1999).

Aldírio Simões também escreveu colunas de Carnaval para o “Diário Catarinense” e manteve um quadro no “Jornal do Almoço”, na então RBS TV, onde entrevistava ao vivo personagens tradicionais da cidade. Depois, foi para o SBT e mais tarde para a Record, que exibiam o “Bar Fala Mané”, gravado nas dependências do Lira Tênis Clube.

Com o tempo, o programa passou a ser itinerante e qualquer bar podia ser contemplado. “A gente chegava, pedia permissão para colocar uma placa e começava a gravar”, conta Marinho de Jesus, que acompanhava o irmão em suas peripécias. “Era uma festa, e depois a placa ficava lá, como lembrança”.

“Foi um amigo e um pai para mim”, diz irmão

Ninguém passou incólume nas suas relações com Aldírio Simões. A cantora Cláudia Barbosa, filha caçula de Zininho, chora ao falar de como o jornalista e carnavalesco mudou sua vida, embora ela ainda fosse criança quando os dois amigos já bebiam cerveja juntos no Bar do Ori, no bairro Abraão.

Arquivo Pessoal – Foto: Os irmãos com a matriarca, dona Bicota. Márcia, Aldírio, Marinho, Lenita e Édio

Quando Aldírio decidiu prestar um tributo a Zininho, criando o prêmio que levava o nome do autor do hino de Florianópolis, pediu para Cláudia cantar uma música, no Teatro Álvaro de Carvalho, sem que o pai desconfiasse da homenagem. “Estou nos palcos por causa dele”, afirma a cantora, que tinha 29 anos quando o poeta morreu, em 1998.

Aldírio e Zininho moravam no mesmo prédio e se visitavam todos os dias. Ele passou a ser quase um membro da família de Zininho, diz Cláudia. Juntos, falavam de música e Carnaval, trocavam confidências, brigavam e faziam as pazes no bar mais próximo. Como agente cultural, não esquecia o amigo em seus projetos. Ela quer produzir um musical em memória de Aldírio no ano que vem.

Irmão caçula de Aldírio, Marinho de Jesus conta que ele saía de casa, no Continente, só para cruzar o corredor da ala sul do Mercado Público e sentir o cheiro de peixe e a maresia. Um hábito, aliás, comum a muitos outros manezinhos que fazem isso pelo prazer de respirar os ares do Mercado.

“A cidade se tornou órfã com sua partida”, diz Marinho, que nasceu quando Aldírio já tinha 13 anos e o viu assumir a função de arrimo da família, porque o pai, Valdemiro Raulino de Jesus, morreu cedo, deixando a viúva, Maria Iglacides Batista de Jesus, a dona Bicota, aos 37 anos com cinco filhos para criar. “Foi um irmão, um amigo e um pai para mim”, diz.

Aldírio teve de largar os estudos antes mesmo de ter completado o ensino fundamental para ajudar a mãe a cuidar dos irmãos, José Édio, de 7; Márcia Conceição, a Ica, de 6; e Lenita, com 3. O quinto irmão, Marinho, estava ainda no ventre da mãe. Cedo, ele descia o Morro da Mariquinha com o cesto cheio para entregar cerca de 60 bananinhas numa lanchonete nas imediações do Teatro Álvaro de Carvalho.

Os amores

Com Maristela Figueiredo, sua segunda mulher, a quem se uniu em 1980, Aldírio teve Bruno e Mariela (do primeiro casamento, com Rosa Setúbal, nasceram Sione e Simone). Cidadã-samba do Carnaval da cidade entre 1976 e 1979 (na primeira vez, com apenas 16 anos), Maristela impressionava por sua beleza e samba no pé, desfilando pela escola Protegidos da Princesa. Ela e Aldírio se conheciam havia um bom tempo, mas foi a passarela que os aproximou definitivamente. “Ele sempre foi um pioneiro, um ferrenho defensor das tradições que amava muito essa ilha maravilhosa”, afirma ela.

E mais…

– Em vida, Aldírio Simões recebeu em 2003 a medalha do Mérito de Câmara de Vereadores de Florianópolis. Após a morte, virou boneco da confraria Berbigão do Boca, foi tema de enredo (“A Ilha que Aldírio Sonhou”) da Protegidos da Princesa, inspirou a criação de uma medalha em tributo aos manezinhos pela Câmara e tem uma placa em sua homenagem no Mercado Público de Florianópolis, que tem seu nome desde 2006.

– Antes de ser jornalista e funcionário público, Aldírio vendeu bananas recheadas feitas pela mãe para ajudar no sustento da família, trabalhou na extinta confeitaria Chiquinho, foi balconista em A Soberana, o preferido das clientes, pois tratava todas como “madame”, e atuou como paginador e repórter do jornal “O Estado”.

– Aldírio criou os blocos carnavalescos Mexe-Mexe e Ânsia de Vômito, promoveu o Encontro Nacional de Chanchadas (que trouxe Zezé Macedo e Grande Otelo para Florianópolis) e esboçou outra confraria, a Maratoma, uma via-sacra de bebuns por mais de uma dezena de bares da cidade – que não deu certo, porque na terceira parada os maratonistas já estavam caindo pelas tabelas.

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