Tributação de incentivos fiscais: quem, afinal, venceu a disputa?

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A Receita Federal começou a notificar, no último dia 10 de maio, cerca de 5.000 contribuintes para recolhimento do IRPJ e da CSLL pretensamente devidos sobre os benefícios fiscais de ICMS distintos do crédito presumido que teriam sido indevidamente deduzidos. Ou seja, franqueou-se a “oportunidade” para que os contribuintes promovam a sua autorregularização antes do início de fiscalizações. O prazo para o recolhimento vai até o próximo dia 31 de julho.

Claramente, trata-se de postura adotada pelo fisco na tentativa de concretizar aquela que seria a contundente vitória obtida no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o Tema 1.182 dos recursos repetitivos, no qual foi decidido que “a exclusão de benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL somente é possível quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10 da Lei Complementar 160/2017 e art. 30 da Lei 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492, que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL”.

A avidez do governo federal em adotar tal medida se justificaria pela estimativa do Ministério da Fazenda, anunciada desde antes do julgamento, de que a vitória da União no caso poderia representar incremento de cerca de R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões aos cofres federais. Porém, a questão que se coloca é: a bradada vitória tal como anunciada pelo governo federal em relação ao julgamento do STJ realmente se consumou?

Ao se analisar detidamente o resultado do julgamento, observa-se que os contribuintes efetivamente obtiveram vitórias importantes na disputa, o que coloca dúvidas sobre o efetivo lastro para a iniciativa do governo federal de “cobrar a conta” dos contribuintes.

No caso julgado pelo STJ, a Fazenda sustentava que os chamados benefícios negativos de ICMS (redução de base de cálculo, redução de alíquota etc.) jamais incrementariam a apuração do lucro da pessoa jurídica, razão pela qual não haveria o que ser excluído da base de cálculo do IRPJ/CSLL.

Além disso, o fisco argumentava que apenas os benefícios fiscais comprovadamente concedidos como “estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico” poderiam ser considerados subvenção para investimento e, consequentemente, excluídos da apuração do lucro.

Portanto, a pretensão do fisco era a de eliminar por completo ou, ao menos, reduzir sobremaneira a possibilidade de dedução dos valores representativos dos benefícios fiscais de ICMS.

Já os contribuintes sustentavam que, assim como decidido pelo STJ em relação ao crédito presumido, a tributação pela União dos benefícios fiscais negativos concedidos pelos estados igualmente ofenderia o pacto federativo. Logo, tais valores deveriam ser excluídos da base de cálculo do IRPJ/CSLL, independentemente do cumprimento de qualquer requisito legal.

Ao analisar o tema, o STJ de fato afastou a pretensão do contribuinte de atribuir aos benefícios negativos o mesmo tratamento dispensado ao crédito presumido. Apesar disso, a corte reconheceu que tais valores poderiam ser excluídos da apuração do lucro se cumpridos os requisitos do artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e do artigo 30 da Lei 12.973/2014, chancelando, inclusive, a equiparação dos benefícios fiscais de ICMS a subvenções para investimento.

Essa conclusão, naturalmente, afastou a pretensão da União de que fosse reconhecido que os benefícios fiscais de ICMS que não créditos presumidos não poderiam ser deduzidos porque, supostamente, não afetariam a apuração do lucro.

E mais: o STJ também afastou a pretensão do fisco de se imputar ao particular a necessidade de comprovar que os benefícios fiscais teriam sido concedidos como “estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico”.

Ou seja, a corte meramente reafirmou a redação do § parágrafo 4º do artigo 30 da Lei 12.973/14, incluído pela Lei Complementar 160/2017, segundo o qual “os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do artigo 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento […], contrariamente ao que defendia a União”.

Por fim, o STJ ressalvou à Receita Federal o direito de “proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.

Embora ainda não tenha sido publicado o respectivo acórdão do julgamento do STJ, parece-nos razoável entender que essa última ressalva feita pela corte busca meramente resguardar o fisco em situações de evidente desvirtuação dos benefícios fiscais, haja vista que a própria decisão do STJ afasta expressamente a exigência de que a subvenção seja para investimento.

Por consequência, soa no mínimo prematura a iniciativa do fisco de abordar os contribuintes buscando pretenso recolhimento de tributos devidos quando, ao que tudo indica, os contribuintes sagraram-se vencedores em relevante extensão junto ao STJ.

É nítida a intenção do fisco de exercer pressão sobre o contribuinte, adotando o discurso da “vitória acachapante” e, ato contínuo, dando a “oportunidade” de regularização dos pretensos débitos. Porém, a vitória dos contribuintes na disputa definitivamente não foi irrelevante e não pode ser desprezada, embora não seja assumida ou precificada pelo governo federal, ao menos não nas inúmeras manifestações veiculadas desde o julgamento.

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