Decisão sobre prorrogar ou licitar concessões a vencer já nasce extemporânea

O ano é 2017 e o setor de energia elétrica brasileiro comemora a finalização da Consulta Pública 33 (CP 33), um marco na história dos setores regulados no Brasil, seja pela sua tecnicidade, seja pela abrangência da participação, que contou com a contribuição de representantes de praticamente todos os setores da sociedade.

A premissa maior da CP 33 era a completa modernização e reestruturação do arcabouço legal do setor elétrico, cujo marco legal é de 2004 e tem como pedra fundamental a Lei 10.848, regulamentada pelo Decreto 5.163, ambos daquele ano.

Dentre as diversas evoluções propostas na consulta pública, estavam alterações fundamentais no negócio a ser desenvolvido pelas concessionárias de distribuição de energia como, por exemplo: separação da contratação de lastro e energia;  centralização da contratação de energia;  melhoria na gestão de portfólio das distribuidoras por meio de mecanismos adicionais de sobrecontratação; e  criação de encargo específico para custear a sobrecontratação da migração de consumidores para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), decorrente da abertura do mercado, que também era objeto da CP 33.

As conclusões da CP 33 foram incorporadas ao Projeto de Lei 232, que foi aprovado no Senado em 2021, e encontra-se em trâmite agora na Câmara dos Deputados (PL 414/2021). 

Voltando aos dias atuais, estamos na iminência de iniciar o ciclo de término de vigência de 20 importantes concessões de distribuição de energia no Brasil, outorgadas nos termos da Lei 9.074/2015, sendo que a primeira delas tem seu prazo de término previsto para daqui a pouco mais de 24 meses (17 de julho de 2025).

Não obstante os temas discutidos no âmbito da CP 33 e presentes no PL 414 serem de suma importância para a definição da forma, viabilidade e matriz de risco do negócio das distribuidoras, infelizmente a decisão quanto à licitação ou não de mais de 20 concessões de distribuição irá ocorrer no cotejo de um marco legal obsoleto. Explica-se.

No último dia 22, foi aberta a Consulta Pública 152/2023 (CP 152) para discutir os termos para a continuidade do serviço público de distribuição de energia no país, relativamente às 20 concessões vincendas entre os anos de 2025 e 2031, outorgadas entre os anos de 1995 e 2001. 

Em suma, a CP 152 propõe três alternativas para a continuidade da prestação dos serviços:

1) Prioritariamente, a prorrogação da concessão atual, desde que seja comprovada a adequação da prestação do serviço atual, bem como a aceitação, pelo concessionário, das novas condições previstas no aditivo ao contrato de concessão, que será elaborada nos termos da regulamentação a ser proposta;

2) Caso o concessionário não atenda ao critério de adequação do serviço, poderá ser proposta a transferência do controle societário da concessionária como condição para a prorrogação da concessão. Essa solução teria como fundamento o já existente art. 4-C da Lei 9.074/1995. Para a implementação dessa alternativa, o novo controlador deve demonstrar capacidade técnica e financeira para dar continuidade aos serviços e, caso não haja viabilidade, também desta segunda alternativa, haverá nova licitação para a escolha de novo concessionário.

As alternativas são razoáveis e, salvo algumas críticas pontuais, atendem aos ditames constitucionais, legais e critérios de razoabilidade e interesse público.

Todavia, tanto a CP 152 quanto a decisão final a ser tomada, já nascerá intempestiva e com problema de origem: seja o concessionário atual que decidir pela prorrogação, seja o novo concessionário, vencedor da licitação, terão que conviver com grave insegurança jurídica, lastreada em dois aspectos.

Em primeiro lugar, a concessão prorrogada ou relicitada será submetida, obrigatoriamente, a uma nova realidade sem a necessária evolução legislativa e regulatória. Os recursos distribuídos, a inteligência das coisas e, principalmente, a abertura do mercado livre, são aspectos que preocupam os investidores e demandam uma solução estrutural do poder concedente para que a concessão seja viável economicamente. 

Especificamente sobre a abertura do mercado, em janeiro de 2024 teremos a possibilidade de que todos os consumidores atendidos em alta tensão (independentemente da demanda contratada) possam migrar para o mercado livre. Somente nessa janela, estima-se que mais de 100 mil consumidores possam deixar de ser atendidos integralmente pelas concessionárias de distribuição.

Já em janeiro de 2026 e janeiro de 2028, haverá a abertura integral do mercado para os consumidores de baixa tensão. Tecnicamente – não significa que ocorrerá na prática – 100% dos consumidores brasileiros poderão deixar de ser atendidos pelas distribuidoras e passar a ser atendidos por qualquer fornecedor no mercado livre de energia.

Como precificar e planejar investimentos, contratar financiamentos, melhorias, fluxo de caixa e taxa de retorno do investimento com esse grau de incerteza quase que absoluto? Não são necessários conhecimentos financeiros e econômicos profundos para perceber que a tarefa não é das mais fáceis – ou até impossível.

Por outro lado, é legítima a expectativa de que o PL 414 – ou alguma outra proposição legislativa – venha a trazer as necessárias alterações no marco legal para abarcar tais incertezas e adequar o serviço de distribuição à realidade atual.

Mas quais alterações serão realizadas/aprovadas? Quando elas virão? Essas são variáveis que também não permitem ao investidor/concessionário ter a real matriz de risco do negócio a ser explorado pelos próximos 30 anos.

Infelizmente, a decisão sobre a forma de continuidade das concessões de distribuição é mais um exemplo de perda de janela de oportunidade no setor elétrico. Tivemos a oportunidade de implementar a evolução do marco regulatório em um momento de calmaria, que seria o fundamento para diversas decisões estruturais e regulatórias posteriores.

Todavia, a demora em mais de sete anos na aprovação do PL 414 colocará investidores e a sociedade como expectadores de mais uma decisão que já nasce ultrapassada e obsoleta, podendo levar à precificação inadequada das concessões e potenciais litígios futuros objetivando o reequilíbrio econômico-financeiro de tais contratos.

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