Planejamento sucessório e o julgamento do STF sobre não incidência do IR

Sabemos que o planejamento sucessório é de extrema importância para garantir não somente a vontade do doador, mas também a longevidade do patrimônio, evitando conflitos familiares indesejados. O planejamento reduz os custos elevados com a condução de processos de inventário, que muitas vezes levam anos para se encerrar.

No Brasil, a doação e a sucessão por morte são tributadas pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que é um tributo de competência estadual, cujas alíquotas variam entre 4% e 8% a depender do estado.

O atual momento é ainda mais interessante para ressaltar a importância do planejamento sucessório, uma vez que em julho a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de reforma tributária na PEC 45/2019, que propõe algumas alterações na cobrança do ITCMD, dentre as quais destacamos: (i) a adoção da progressividade em razão do valor da herança ou da doação, o que já ocorre atualmente em alguns estados; (ii) a cobrança do imposto no domicílio do de cujus; e (iii) permissão para cobrança sobre heranças no exterior.

Essas regras, se devidamente aprovadas pelo Senado, não estarão vigentes para o ano corrente, representando uma janela de oportunidades para acelerar planejamentos sucessórios aproveitando regras eventualmente mais benéficas.

Não obstante, a questão que ganhou holofotes recentemente, e que será objeto de nossa análise no presente artigo, é a tributação na doação ou sucessão de bens e direitos no momento da celebração da escritura, mesmo quando houver valorização dos bens anteriormente declarados pelo doador.

O tema é controverso e gera polêmicas acerca da tributação ou não do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) a partir do momento em que se celebra a escritura com doação de imóveis em valor superior ao anteriormente declarado pelo doador.

A insegurança se dá porque, na visão do fisco, a operação estará sujeita ao ganho de capital auferido e consequentemente tributado pelo IRPF, e ao ITCMD em razão da cessão gratuita do patrimônio.

Isto porque, a leitura do § 3º do artigo 3º da Lei 7.713/88, bem como do §1º e do inciso II do § 2º do artigo 23 da Lei 9.532/97 atraem a interpretação de que o doador deverá recolher o IRPF sobre a diferença entre o valor de mercado e o valor constante na declaração de bens sob uma alíquota de 15%.

Por outro lado, não restam dúvidas de que a transmissão causa mortis e doação de bens em geral atraem a incidência do ITCMD, o que poderia representar uma tributação cumulativa sobre o patrimônio transmitido no caso de doação por adiantamento de legítima de bens a valor de mercado em montante distinto do declarado pelo doador ou de cujus.

A controvérsia é conhecida pelos Tribunais Regionais Federais, já tendo sido, inclusive, objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em outras oportunidades. O STJ já se manifestou em algumas oportunidades entendendo que a discussão é constitucional e, portanto, deve ser enfrentada pelo STF.

Por outro lado, no STF a questão só havia sido analisada até então por decisão monocrática da ministra Cármen Lúcia no RE 1.269.201/RS. Na oportunidade, a ministra entendeu que os dispositivos contidos nas Leis 7.713/88 e 9.532/97 não inovaram no fato gerador do imposto de renda, apenas esclarecendo o momento de apuração do acréscimo patrimonial. Em suas palavras, o imposto de renda incide sobre o ganho de capital apuração na doação em antecipação da legítima e não sobre a doação em si.

Com isso, recentemente a 1ª Turma do STF analisou a questão no ARE 1.387.761 e decidiu pela impossibilidade de exigência do Imposto sobre a Renda sobre o ganho de capital apurado no momento da antecipação de legítima dos bens transferidos gratuitamente, entendendo que somente poderia ser exigido o ITCMD sobre o valor dos bens objeto de doação.

Na oportunidade, prevaleceu o voto conduzido pelo relator ministro Luís Roberto Barroso, confirmando a decisão monocrática anteriormente proferida, no sentido de que: (i) as previsões do § 3º do artigo 3º da Lei 7.713/88, bem como do §1º e do inciso II do § 2º do artigo 23 da Lei 9.532/97 violam o fato gerador do imposto de renda definido no Código Tributário Nacional; (ii) a cobrança do IRPF viola o princípio da competência tributária exclusiva do Estado para tributação de doações; e (iii) a cobrança acabaria por acarretar uma bitributação, pois também incidiria o ITCMD.

Analisando as conclusões alcançadas pelo STF na decisão colegiada, entendemos que a decisão adotada corretamente entendeu que não haveria acréscimo patrimonial aferível ao doador, mas na realidade uma redução do patrimônio cedido de forma gratuita ao donatário. Para que ocorra o ganho de capital sujeito ao IRPF, a pessoa física necessita receber uma contraprestação pecuniária equivalente ao valor de mercado, o que ocorre somente nos casos de transação onerosa.

Após a referida decisão, o ministro Nunes Marques, em decisão monocrática no RE 851.242, entendeu pela impossibilidade de análise do mérito o que, em termos práticos, manteve o entendimento de que não haveria IRPF na doação realizada, mantendo a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal no caso concreto.

Em que pese a decisão proferida recentemente pelo STF tenha trazido um alento aos contribuintes, pois representou o primeiro acórdão analisado pela 1ª Turma da Suprema Corte, é provável que o STF seja convocado a reanalisar o tema em novos casos.

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