Real Madrid aciona a Justiça espanhola por crime de ódio e discriminação contra Vinicius Junior: ‘Vou até o fim contra os racistas’, diz jogador

O atacante brasileiro foi vítima de racismo mais uma vez na Espanha. Nesta segunda-feira (22), o jogador publicou um vídeo nas redes sociais relembrando outros momentos em que sofreu ataques. Real Madrid aciona a Justiça espanhola por crime de ódio e discriminação contra Vinicius Junior
Os ataques racistas sofridos ontem pelo jogador brasileiro Vinicius Junior na Espanha tiveram repercussão e reações que extrapolaram o universo do futebol e do esporte. Nesta segunda-feira (22), o clube dele, Real Madrid, acionou a Justiça espanhola por crime de ódio e discriminação. Até os chefes de governo da Espanha e do Brasil repudiaram publicamente o episódio registrado em Valência.
O jogador publicou um vídeo nas redes sociais relembrando outros ataques de que foi alvo em estádios espanhóis.
Vini Junior disse que o vídeo mostra que os episódios não são casos isolados, mas sim contínuos e que eles aconteceram em várias cidades da Espanha. E pergunta:
“O que falta para criminalizarem essas pessoas e punirem esportivamente os clubes? Por que os patrocinadores não cobram a La Liga? As televisões não se incomodam de transmitir essa barbárie a cada fim de semana?”, questionou.
No domingo (21), as agressões racistas começaram antes mesmo do jogo. Ainda fora do estádio, torcedores do Valência cantavam: “Vinicius, você é um macaco”. Os xingamentos continuaram nas arquibancadas, e assim foi durante boa parte do jogo. Em um vídeo é possível escutar torcedores gritando vários insultos racistas.
Durante a partida, Vinicius respondeu a essas provocações fazendo o número dois com a mão, o que seria uma alusão ao fato de o Valência estar lutando para não ser rebaixado para a segunda divisão espanhola.
Até que aos 27 minutos do segundo tempo, o atacante identificou um dos torcedores que cometiam atos de racismo contra ele. Repetiu o gesto feito pela pessoa e o jogo ficou paralisado pelo juiz por 8 minutos. O sistema de som do estádio pediu para os torcedores pararem com os insultos racistas. Vinicius chegou a se emocionar.
O Valência vencia por 1 a 0 e o time começou a fazer cera para não deixar o Real Madrid jogar, o que causou uma confusão entre jogadores das duas equipes no fim da partida. O goleiro do Valência, Mamardashvili, partiu violentamente para cima do brasileiro. Vinicius Junior foi agarrado pelo pescoço pelo atacante Hugo Duro. Depois se libertar, ele acertou o rosto do adversário. O VAR acionou o árbitro de campo e apresentou a ele somente a imagem da agressão de Vinicius. O atacante acabou sendo o único expulso depois de toda a confusão.
De acordo com a imprensa da Espanha, a Federação Espanhola de Futebol vai demitir o juiz que estava na cabine do VAR. Iglesias Villanueva omitiu a imagem do mata-leão no atacante brasileiro.
Carlo Ancelotti, técnico do Real Madrid, ao ser questionado sobre o resultado do jogo, disse que não queria falar sobre futebol. O italiano contou que Vini queria sair do jogo, o que ele achava errado, já que o brasileiro foi a vítima de um estádio inteiro que o chamava de “macaco”. Para Ancelotti, a partida deveria ter sido paralisada, e há algo de errado na Liga Espanhola.
O Valência afirmou que a polícia identificou um dos torcedores que proferiram insultos racistas a Vini e que vai proibir todos que forem identificados de entrar no estádio pelo resto da vida.
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Ao sair de campo depois da expulsão, Vinicius fez o número dois novamente. Na saída do estádio, um jornalista espanhol ignorou os ataques a Vini Junior antes e durante o jogo, dentro e fora da arena, e perguntou para o Vini se ele iria pedir desculpas por ter provocado a torcida do Valência.
Vini Junior se manifestou nas redes sociais.
“Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é normal na La Liga. Campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi, hoje é dos racistas. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”, escreveu.
Javier Tebas, presidente da Liga Espanhola, comentou a manifestação dizendo que o brasileiro deveria se informar adequadamente antes de criticar a competição. Vini respondeu pouco tempo depois:
“Por mais que você fale e finja não ler, a imagem do seu campeonato está abalada. Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas. Não sou seu amigo para conversar sobre racismo. Quero ações e punições. Hashtag não me comove”, respondeu o brasileiro.
Já o presidente da Federação Espanhola de Futebol pediu desculpas ao brasileiro pelo comportamento de Javier Tebas e pelo que vem acontecendo com ele na Espanha.
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, disse que é preciso tolerância zero com o racismo no futebol, mas não falou em punição aos agressores. Ele anunciou uma campanha para combater os discursos de ódio nos estádios.
O episódio de domingo (21) é a 10ª denúncia de racismo praticado contra Vini Junior protocolada na Justiça da Espanha – três delas já foram arquivadas por decisões dos tribunais espanhóis. A primeira é de outubro de 2021, há quase dois anos. Desde então, o brasileiro vem sendo atacado de forma sistemática e, muitas vezes, as agressões não se tornaram denúncia.
Em setembro de 2022, antes do clássico de Madri entre Atlético e Real, torcedores do Atlético de Madrid se uniram em um canto: “Vinicius, você é um macaco”. Quando dançou para comemorar gols, um empresário que trabalha com futebol disse na TV espanhola que o brasileiro deveria parar de fazer macaquices. Em dezembro, torcedores do Valladolid xingaram Vini enquanto ele saía de campo.
No início de 2023, mais dois casos. Em janeiro, antes de mais um jogo contra o Atlético de Madrid, um boneco com a camisa de Vini Junior foi pendurado em uma ponte, simulando um enforcamento. Em fevereiro, em um jogo contra o Mallorca, Vini ouviu que deveria catar bananas. Casos que se repetiram várias vezes – inclusive no domingo (21).
Repercussão
Nesta segunda-feira (22), Florentino Perez, presidente do Real Madrid, se reuniu com Vini Jr. Ele quis demonstrar carinho e contar para o jogador que o clube irá até as últimas consequências para resolver o problema. O Real Madrid acionou o Ministério Público da Espanha por crime de ódio e discriminação.
Desde a noite de domingo (21), Vini Jr. vem recebendo o apoio de vários atletas. Neymar e o francês Kylian Mbappe disseram que Vinicius não está sozinho. Ronaldo Fenômeno, que também jogou no Real Madrid, disse que enquanto houver impunidade e conivência haverá racismo.
Mouctar Diakhaby, jogador do próprio Valência, disse que apoia o brasileiro, que espera que o seu clube faça o necessário para punir os racistas e que ficar calado é ser cúmplice.
Gianni Infantino, presidente da Fifa, prestou solidariedade e disse que, de acordo com o protocolo da Fifa, se os insultos racistas continuam depois da paralisação do árbitro e do aviso por som no estádio, o jogo tem que acabar e a vitória dada para o time visitante.
Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, enviou um ofício para a Fifa, Uefa e Federação Espanhola, com cópia para o Vinicius Junior, afirmando que reiteradamente já pediu providências mais firmes e que a situação chegou a um limite.
“O que nós temos sempre colocado para essas autoridades é pedindo destemor para que possa fazer punições severas, que não fique só na aplicação da multa”, diz Ednaldo Rodrigues.
Quando ainda estava no Japão para a reunião de cúpula do G7, o presidente Lula falou sobre o episódio.
“Eu penso que é importante que a Fifa, a Liga Espanhola e as ligas de outros países tomem sérias providência, porque nós não podemos permitir que o fascismo e o racismo tomem conta dentro de um estádio de futebol”, afirmou Lula.
Em nota oficial, o governo brasileiro lamentou profundamente que, até o momento, não tenham sido tomadas providências efetivas para prevenir e evitar a repetição desses atos de racismo, e instou as autoridades governamentais e esportivas da Espanha a tomarem as providências necessárias. Além de apelar à Fifa, à Federação Espanhola e à Liga a aplicar as medidas cabíveis.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se manifestou nessa segunda (22).
“A gente vai para cima das autoridades, notificar, oficializar para que tenha uma resposta, porque o histórico da La Liga não é bom, é um histórico bem racista. Ontem mesmo, o próprio presidente, diretor, quis colocar o Vini como sendo culpado por ter vivido esse racismo. E a gente está aqui para enfrentar isso em conjunto, com o governo e com muita seriedade e afinco”, afirmou Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial.
No início da noite desta segunda-feira (22), a iluminação do Cristo Redentor ficou apagada por uma hora em solidariedade a Vinicius Junior. Um símbolo de indignação do Brasil e do Rio de Janeiro, estado onde o jogador nasceu e foi revelado para o futebol mundial.
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