O papel do STF diante da evolução dos meios de divulgação de informação – parte 2

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Certo de ter germinado a provocação para início das necessárias reflexões sobre tema que retoma sua escalada frente ao não estacionário desenvolvimento da tecnologia e a tributação, em especial para “a interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos”, propiciando “a constante atualização do alcance de seus preceitos”, conforme decidido pela Corte Suprema, a imunidade tributária deve ser reconhecida e estendida para o broadcast, evitando-se “o esvaziamento das normas imunizantes por mero lapso temporal” [1].

Imunidade tributária ao broadcast que continuamos sustentando deverá ser reconhecida, isto, nunca é demais frisar, para garantia da liberdade de expressão, consubstanciada na democratização do acesso à informação. 

E neste expediente a atenção é dirigida à impossibilidade dessa reclamada imunidade tributária ser afetada por possível variante contratual firmada para a efetivação da modalidade informativa de broadcast.  

Explica-se. Assim como para a tributação, também para as tratativas privadas civilistas o desenvolvimento tecnológico da informação é figura que transpassa marcos temporais conceituais estabelecidos sob preceitos que deixaram de acompanhar essa evolução; o que, aliás, verifica-se na equivocada contratação – em algumas hipóteses – para execução da modalidade informativa de broadcast, cessão de direitos que é: 

“Logo, o enquadramento da cessão de conteúdo no subitem 1.09 na lista anexa à LC 116/03 altera o alcance do instituto da cessão de direito, que não implica obrigação de fazer, própria da prestação de serviços, violando, assim, os termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional” [2].

E mesmo que equivocado na forma de contratação da modalidade informativa broadcast – como prestação de serviços –, isso não tem o condão de afastar a correta interpretação para fins tributários que deva ser observada para essa democrática categoria de incremento de acesso à informação, verdadeira “cessão de direito de bem imaterial, que não envolve obrigação de fazer, própria da prestação de serviços”; consideradas aqui as lições de POLIZELLI (2018), vazadas, em apertada síntese, nos seguintes termos[3]: 

“Quando o pressuposto de incidência de uma norma tributária (fato gerador) se caracteriza como uma operação econômica típica (situação de fato), é perfeitamente possível aplicá-la a contratos atípicos (para fins civis)”.

A tarefa para o reclamado reconhecimento da imunidade para a modalidade informativa broadcast é desafiadora, pois a maioria dos contratos celebrados na economia digital é atípica e sua recondução aos tipos contratuais do direito privado, ou melhor, às categorias de atividades tributáveis previstas pelo direito tributário é de relevante complexidade analítica, mas não impossível. 

E a necessária identificação da imunidade tributária para fontes de informação democrática como já realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e destacado em artigo anterior, também agora deve ser validado, mas sob o prisma contratual, inclusive fundado em decisões da corte: 

“1. A tradicional distinção entre software de prateleira (padronizado) e por encomenda (personalizado) não é mais suficiente para a definição da competência para a tributação dos negócios jurídicos que envolvam programas de computador em suas diversas modalidades. Diversos precedentes da Corte têm superado a velha dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar, notadamente nos contratos tidos por complexos (v.g. leasing financeiro, contratos de franquia).
2. A Corte tem tradicionalmente resolvido as indefinições entre ISS e do ICMS com base em critério objetivo: incide apenas o primeiro se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva a utilização ou o fornecimento de bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou incide apenas o segundo se a operação de circulação de mercadorias envolver serviço não definido por aquela lei complementar. (…)” [4] (destacamos).

O simples, único e engessado argumento contratual que porventura venha a ser utilizado para supostamente afastar a verificação da imunidade tributária à modalidade informativa broadcast não está alinhada com a amplitude interpretativa reconhecido pela Corte Suprema, que a propósito da elasticidade do exercício de interpretação constitucional assentou o seguinte:

“A coexistência de conceitos jurídicos e extrajurídicos passíveis de recondução a um mesmo termo ou expressão, onde se requer a definição de qual conceito prevalece, se o jurídico ou o extrajurídico, impõe não deva ser excluída, a priori, a possibilidade de o Direito Tributário ter conceitos implícitos próprios ou mesmo fazer remissão, de forma tácita, a conceitos diversos daqueles constantes na legislação infraconstitucional, mormente quando se trata de interpretação do texto constitucional.
3. O Direito Constitucional Tributário adota conceitos próprios, razão pela qual não há um primado do Direito Privado. (…).
9. A Constituição posto carente de conceitos verdadeiramente constitucionais, admite a fórmula diversa da interpretação da Constituição conforme a lei, o que significa que os conceitos constitucionais não são necessariamente aqueles assimilados na lei ordinária.
10. A Constituição Tributária deve ser interpretada de acordo com o pluralismo metodológico, abrindo-se para a interpretação segundo variados métodos, que vão desde o literal até o sistemático e teleológico, sendo certo que os conceitos constitucionais tributários não são fechados e unívocos, devendo-se recorrer também aos aportes de ciências afins para a sua interpretação, como a Ciência das Finanças, Economia e Contabilidade.
11. A interpretação isolada do artigo 110, do CTN, conduz à prevalência do método literal, dando aos conceitos de Direito Privado a primazia hermenêutica na ordem jurídica, o que resta inconcebível. Consequentemente, deve-se promover a interpretação conjugada dos artigos 109 e 110, do CTN, avultando o método sistemático quando estiverem em jogo institutos e conceitos utilizados pela Constituição, e, de outro, o método teleológico quando não haja a constitucionalização dos conceitos.
12. A unidade do ordenamento jurídico é conferida pela própria Constituição, por interpretação sistemática e axiológica, entre outros valores e princípios relevantes do ordenamento jurídico” [5] (destaques nossos).

Em conclusão, e tomando por empréstimo parcial o fechamento realizado no citado artigo anterior, afirmamos que, assim como feito no passado, retoma-se no presente situação futura para reflexão sobre o alcance da imunidade para liberdade de expressão, consubstanciada na democratização do acesso à informação, com alcance para a modalidade informativa de broadcast, independente de equívoco contratual firmado, pois a hipótese não é de prestação de serviços, mas, sim, de cessão de direito sobre bem imaterial.


[1] O papel do STF diante da evolução dos meios de divulgação de informação. O alcance da imunidade tributária como expoente da liberdade de expressão, em JOTA.Info https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-papel-do-stf-diante-da-evolucao-dos-meios-de-divulgacao-de-informacao-16052023 , acessado em 16/05/2023 

[2] TJSP – Apelação 1004271-41.2021.8.26.0053 

[3] POLIZELLI, Victor Borges. O PROBLEMA DO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DOS CONTRATOS ATÍPICOS DA ECONOMIA DIGITAL: TIPICIDADE ECONÔMICA E FRACIONAMENTO DE CONTRATOS. Revista Direito Tributário Atual – RDT Atual 39 – 2018 

[4] ADI 5659. Ministro relator Dias Toffoli. DJe 20/05/2021 

[5] RE 651703. Ministro relator Luiz Fux. DJe 26/04/2017 

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