Marco fiscal aprovado tem perguntas não respondidas, dizem economistas

Apesar de alterações feitas nos últimos dias, o texto do novo marco fiscal aprovado na Câmara terminou mantendo pontos em aberto que só serão esclarecidos quando a regra começar a ser usada, afirmam economistas ouvidos pelo Metrópoles.

Mudanças feitas pelo relator Claudio Cajado (PP-BA) tornaram o texto mais restritivo em relação ao que havia sido apresentado pelo governo. Ainda assim, debates futuros ainda precisarão definir de fato como o limite de despesas funcionará.

Três dos principais pontos de atenção são os vínculos constitucionais, como educação e saúde, as isenções fiscais concedidas por governos anteriores que pressionarão o Orçamento e o ajuste fiscal feito via arrecadação, e não pela despesa.

“O texto é melhor do que o governo havia sugerido, mas a prova do arcabouço fiscal vai ser realmente a prática”, diz Robson Gonçalves, economista e professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mínimos constitucionais

Ao longo da tramitação do texto, um dos maiores debates foi o futuro dos gastos hoje previstos na Constituição. A Carta estabelece um mínimo de gastos das receitas da União com saúde e educação, além do pagamento de emendas aos parlamentares, e tais despesas foram mantidas dentro do marco fiscal – ao contrário do aumento real do salário mínimo, que ficou garantido no texto.

Como são de crescimento obrigatório quando a receita cresce, a tendência é que essas despesas comprimam outras áreas. “Talvez esse seja o maior problema da regra, e que não foi pensado adequadamente”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

“Vão ter de pensar em uma forma de caber essa estrutura que está na Constituição. Saúde, educação e emendas vão crescer de acordo com a Constituição, e o resto terá de se ajustar. Mas o ‘resto’ é investimento, salário de servidor”, diz Vale.

O risco é que, com as pressões políticas, o governo e o Congresso terminem abrindo novas exceções ao marco fiscal nos próximos anos. “De alguma forma, talvez o marco fiscal seja ainda mais agressivo para comprimir essas outras despesas do que o teto de gastos [do governo Temer]. Isso vai ser muito pressionado, e já vejo questionamentos sobre isso no ano que vem e o governo tentando passar algo para driblar.”

Em entrevista anterior ao Metrópoles, o economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), afirmou que o Congresso deveria ter feito uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para alterar os mínimos constitucionais. Sem que isso seja feito no futuro, os limites do marco fiscal serão difíceis de cumprir.

“Deveria ser feita uma PEC que dissesse que os critérios de vinculação de saúde e educação serão consistentes com a regra fiscal”, pontuou Pessôa.

Benefícios fiscais e aguardo da reforma tributária

Nessa briga que se desenha por espaço no Orçamento, o governo, de largada, terá a herança de benefícios fiscais já concedidos, incluindo em governos anteriores do presidente Lula (PT).

No total, o Brasil deixará de arrecadar R$ 456 bilhões em renúncias fiscais somente neste ano. Com as renúncias respondendo por mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), equacionar os gastos tributários será tarefa chave para que o governo cumpra as metas de forma sustentável. Os benefícios vão do Simples Nacional à Zona Franca de Manaus e redução de impostos de veículos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dito que quer “combater privilégios” e afirmou que estuda rever as isenções.

A tendência é que parte da questão seja resolvida com a reforma tributária, diante da implementação de um imposto único (o IVA). Por ter uma alíquota única, o IVA tende a reduzir parte dos benefícios específicos.

Nesta quarta-feira, Haddad afirmou que o placar expressivo do marco fiscal na Câmara (372 votos) dá confiança ao governo de que “a reforma tributária é a próxima tarefa a cumprir”. “Nós vamos trabalhar intensamente agora com o relator”, disse Haddad.

Para chegar lá, no entanto, o fim das isenções deve sofrer forte resistência de grupos organizados no Congresso e pressão popular. E ainda que parte dos cortes desejados por Haddad sejam aprovados, períodos de transição para o novo modelo tributário devem ser longos e fazer com que o governo não consiga, no atual mandato, colher os frutos das mudanças em seu ajuste fiscal, dizem economistas.

Ajuste via arrecadação

Como o governo evita falar em corte de despesas, a principal expectativa da Fazenda é atingir os objetivos do marco fiscal via aumento de receita.

Desde que a primeira versão do marco fiscal foi apresentada, no entanto, essa é a principal crítica ao texto, uma vez que o Brasil tem projeção de crescimento fraca para os próximos anos e não deve ser beneficiado por um ciclo das commodities forte como em períodos anteriores.

As projeções para o crescimento do PIB em 2023 melhoraram com as boas expectativas para a safra no agro, mas não se espera um crescimento muito acima de 2% para 2023 e 2024.

Essa alta, se confirmada, levaria a um crescimento de receita em torno de 1,4%, estima Vale, da MB Associados. Tal patamar coloca dúvidas sobre a capacidade de o Planalto zerar o déficit primário sem aumento de carga tributária. O mercado já precifica que algum aumento de carga caminha para ocorrer, mas há incerteza sobre o quanto e como o governo deve aumentar impostos.

Por enquanto, o marco aprovado tende a ajudar na ancoragem das expectativas dos mercados, e já embasou queda do dólar e da curva de juros futuros nesta quarta-feira. Apesar disso, economistas afirmam que a confiança no modelo virá dos desdobramentos a partir de agora. “Vamos ter de esperar que o marco funcione ao longo de 2024 e que ele não seja alterado, para daí, sim, podermos dizer que ele é efetivo”, completa Gonçalves, da FGV.

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