Quando ofertar a defesa trabalhista para evitar a revelia?

quando-ofertar-a-defesa-trabalhista-para-evitar-a-revelia?

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA , sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, Ricardo Calcini.    

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a #pergunte ao professor  

Neste episódio de nº 107 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:  

PerguntaQual o correto momento processual de oferta da defesa trabalhista para se afastar os efeitos da revelia?  

Resposta ► Com a palavra, o professor Marcelo Ferreira Machado.

Não é desimportante o papel que a doutrina e a jurisprudência exercem como fontes formais na interpretação do direito processual do trabalho, como sói acontecer nos demais ramos do direito. A última pelo papel atribuído pela ordem jurídica ao Judiciário ao decidir casos concretos com intenção de coerência e uniformidade, papel esse sobrelevado no Código de Processo Civil de 2015, de que são exemplos o inciso VI do parágrafo 1º do artigo 489 e o artigo 927.

Quanto à doutrina, enquanto reunião de estudos sobre o aspecto multidimensional do direito, aponta-se aquela escrita. Mas como profissionais do direito, outrora e até hoje estudantes, quem nunca absorveu a importância da denominada “doutrina falada”?  

Empenha-se nesse pequeno artigo fazer breve análise da decisão havida no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em sua 4ª Turma, no julgamento de recurso de revista, publicado no dia 14 de abril de 2023, em que se enfrentou como pano de fundo a questão da revelia no processo do trabalho e o momento processual de oferta da defesa. Tal se deu no exame do RR-11058-77.2018.5.15.0114[1].  

O tema do reconhecimento e aplicação da revelia no processo do trabalho é muito caro a este autor. Em artigo escrito e publicado anteriormente[2], em coautoria com a amiga e colega de profissão, também advogada e professora, Juliana Duarte, pretendia-se problematizar a questão e, provocativamente, questionava-se retoricamente já no título do artigo (o que não é muito científico), uma certa omissão do Judiciário em rever o instituto da revelia no processo trabalhista (mais propriamente na interpretação judiciária desse instituto), mormente depois da Lei 13.467, de 2017.  

O tema é caro a este autor porque assumindo minhas responsabilidades, já há algum tempo, criticara em aulas de graduação e de pós-graduação o formato costumeiro do Judiciário trabalhista de aplicação da revelia; a tal “doutrina falada” mencionada no início. Tal conduta se deve à normatização estabelecida pela Lei 13.467, de 2017, que adicionando um parágrafo único ao artigo 847 e um parágrafo 5º ao artigo 844, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passa a reformatar o instituto de forma distinta da pensada originariamente no caput do artigo 844, qual seja, a de que a revelia exsurge da ausência do reclamado à audiência.  

Os novos dispositivos legais preveem que, caso deseje, a parte pode apresentar defesa escrita até a audiência pelo sistema do processo judicial eletrônico, e a de que ainda que ausente o reclamado à audiência marcada, presente o advogado nessa audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados.  

Na decisão citada acima, enfrentou-se no cerne o seguinte ponto controvertido: o cerceamento do direito de defesa em razão da parte não apresentar contestação em prazo designado pelo juízo e antes da audiência.  

Pouco mais de dois anos e meio após a promulgação da nominada “reforma” trabalhista, a sociedade mundial foi solapada pela pandemia da Covid-19. Diante das mortes em profusão, desconhecimento mesmo das potencialidades do vírus, um isolamento social profundo, que também envolveu os serviços públicos e privados, assim que foi possível, reestabeleceu-se, de modo excepcional, a condução da tramitação de demandas trabalhistas com aplicação de fórmulas que aproximaram na prática o processo do trabalho ao processo civil, tema outro que também já enfrentamos em artigo, ainda nos primeiros meses da vigência da Lei 13.467, de 2017 que trouxe consigo, ao menos do ponto de vista formal, novidades normativas no corpo da CLT[3]  

No período da pandemia, a principal fórmula foi a faculdade trazida pelo artigo 6º do Ato 11/CGJT, de 23 de abril de 2020, do TST, de os juízos de primeiro grau utilizarem-se do artigo 335 do CPC quanto à apresentação de defesa, sob pena de revelia. A isso se seguiu que diversos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) passaram a estabelecer, em atos administrativos em geral, a juntada da contestação no prazo de 15 dias úteis no sistema do PJe, sob pena de revelia, quando não, surpreendam-se, em prazo inferior, e através de ato administrativo como uma portaria[4], como ocorreu, exemplificativamente, no TRT da 2ª Região, pela Portaria 6/2020[5], que teve posteriormente sua redação alterada.  

O deferimento de prazo de 15 dias úteis para apresentação de defesa, com base no artigo 335 do CPC, antes mesmo da audiência, desafiou o enfrentamento do TST, em sua 4ª Turma, por meio do RR-11058-77.2018.5.15.0114, que o artigo pretende fazer breve estudo.  

No recurso de revista aludido, os pontos que foram enfrentados tinham por análise o preenchimento, ou não, do critério da transcendência, a que alude o parágrafo 1º do artigo 896-A (também obra da Lei 13.467/2017), e se houve cerceamento de defesa ao se negar o recebimento dela até a audiência, ou somente nela, de forma oral, em contradição ao previsto no artigo 847 e seu parágrafo único da CLT.  

Quanto à existência do critério da transcendência, reconheceu-se que há transcendência política mesmo quando o desrespeito se der à jurisprudência pacífica e notória do TST, e não somente sumular, como está exposto no inciso II do parágrafo 1º do artigo 896-A da CLT, em razão da própria redação do parágrafo aludido, que confere um rol não cerrado de indicadores da transcendência pelo uso da expressão “entre outros”.  

Em sendo assim, reconheceu-se haver transcendência política no recurso de revista interposto quanto ao tema cerceamento de defesa por aplicação da revelia em razão da não obediência da apresentação da defesa em audiência, o que se imbrica com o próprio pedido contido no recurso aduzido, o de que deveria se anular todos os atos processuais desde a notificação do reclamado, ora recorrente, por não obediência ao artigo 847 e parágrafo único da CLT. No dispositivo legal mencionado, regula-se o instituto da apresentação da defesa e seu momento processual. A previsão é solar e desafia a lógica entender diferentemente. 

Com efeito, o enunciado normativo estabelece que, não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa (oral), após a leitura da reclamação, quando não for dispensada por ambas as partes. E como novidade trazida pela Lei 13.467/2017 (o que já ocorria na prática, é verdade, mas com asseguramento de maior garantia processual, principalmente, aos princípios do contraditório e da ampla defesa), a de que a parte ré poderá (faculdade) apresentar sua defesa escrita até a audiência; interprete-se, até o momento do pregão (ex vi, artigo 815 da CLT).  

Como bem consignado no voto do ministro relator Alexandre Luiz Ramos, se a praxe consagrou a apresentação de defesas escritas, o costume não pode ser atentatório do enunciado normativo, uma vez que não se valida o costume contra legem. 

Em adição a esse argumento, traz-se a lição seminal de Hermes Lima[6] que, ao professar sobre o tema, sustenta que “(…) contra a lei o costume não tem autoridade, pois, podendo ser uma variação da lei, não se opõe, todavia, a ela”.  

Também no voto, há menção de que não há omissão na CLT para utilização da norma contida no Código de Processo Civil, na esteira do artigo 769 da CLT. O dispositivo celetário prevê a aplicação subsidiária (ora supletiva, acresça-se) das normas do processo comum, em caso de omissão no tratamento do instituto processual pela CLT, e em havendo compatibilidade. Desde há muito, sustentamos a devida compreensão, interpretação e aplicação desse enunciado normativo, a que se quer muitas vezes escantear ou diminuir seus efeitos cogentes, em razão, por exemplo, do artigo 15 do CPC.  

O voto lembra, ainda, do princípio da cooperação contido no artigo 6º, que deve existir entre todos os sujeitos processuais, bem como o reforço pelo CPC, em seu artigo 7º, aos já citados princípios do contraditório e da ampla defesa, no sentido de que cabe ao juízo zelar pelo efetivo cumprimento deles.  

Em razão de tais argumentos, mais que necessários, pedagógicos, a decisão prolatada no enfrentamento do mérito do recurso de revista sob foco, traz um sentimento de conforto ao escriba. Ao conhecer e dar provimento, à unanimidade, ao recurso de revista, evidenciando ter havido cerceamento do direito de defesa da reclamada, e declarando-se, dessa feita, a nulidade de todos os atos processuais praticados a partir da notificação que determinava apresentação de defesa escrita, antes da audiência, em um prazo de 15 dias, remetendo-se os autos ao juízo de origem para permitir a apresentação da defesa nos estritos termos do artigo 847 e parágrafo único da CLT, ou seja, até a audiência, ou mesmo nela própria, o TST valida o entendimento que o autor desse artigo já vinha professando.  

A decisão há de ser transformadora de uma ideia que estava se entronizando na Justiça do Trabalho, em razão da pandemia, e além dela, de utilização irrestrita dos princípios e institutos do processo civil em descrédito à autonomia do processo do trabalho, em sentido inverso ao querido pelo artigo 769 da CLT.  

Não convence argumento contrário, no sentido de que o artigo 841 da CLT defere prazo ainda menor que os 15 dias previstos no CPC; o artigo em comento prevê o interregno entre a notificação e a audiência designada em prazo posterior a 5 dias (e não em cinco dias, como alguns sustentam) e, portanto, esse, o prazo de 5 dias, seria o prazo “mínimo” para apresentação da defesa para os que tendem a sustentar a aplicação do artigo 335 do CPC.  

Entretanto, a CLT deve ser interpretada nos métodos sistemático e histórico-evolutivo. Seus enunciados normativos não existem isoladamente, mas, formando um conjunto, existem em conformação com outros; nesses outros, encontra-se o artigo 847, cuja redação foi alterada pela Lei 9.022, de 1995, e que passou a possuir um parágrafo único por força da Lei 13.467, de 2017, bem como o parágrafo 5º do artigo 844, inserido por essa última lei.   

Diante desse quadro, o momento processual de apresentação da defesa é em (ou até a) audiência, e como tal, sapiente que dificilmente haverá uma audiência marcada para estritamente após cinco dias (úteis, não custa lembrar) da notificação, não é o prazo contido no artigo 335 do CPC que deve regular a apresentação da defesa, sob pena de revelia.   

Em arremate, o juízo deve tutelar pelo atendimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa, princípios constitucionais contidos no artigo 5º, LV, da Carta Maior. Por isso, defende-se a dilatação do prazo de apresentação da defesa, diante da casuística e nas hipóteses contidas no parágrafo 1º do artigo 775 (necessidade e força maior devidamente comprovada), que foi inserido pela Lei 13.467, de 2017, em principal se quiser conceder à parte prazo razoável consentâneo com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa[7] (e isso equivaleria dar o mesmo tratamento à outra parte: imagine-se o prazo concedido à parte autora para se manifestar acerca de reconvenção proposta conjuntamente com a oferta da contestação em igualdade de extensão de prazo). Logo, reduzir prazos, mormente o de defesa, carece de fundamento lógico-constitucional e viola a toda evidência os princípios que ilustram o processo.


[1] BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RR 11058-77.2018.5.15.0114, Quarta Turma, Rel. Min. Alexandre Luiz Ramos, publ. 14.04.2023. https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=11058&digitoTst=77&anoTst=2018&orgaoTst=5&tribunalTst=15&varaTst=0114&submit=Consultar. Acesso em 17 abr. 2023. 

[2] DUARTE, Juliana Ferreira Antunes; MACHADO, Marcelo Ferreira. Por que a Reticência de Rever a Aplicação da Revelia nas Ações Trabalhistas após a Lei 13.467/2017? https://emporiododireito.com.br/leitura/por-que-a-reticencia-de-rever-a-aplicacao-da-revelia-nas-acoes-trabalhistas-apos-a-lei-13-467-2017. Acesso em 17 abr. 2023. 

[3] MACHADO, Marcelo Ferreira. Reflexões Pontuais sobre uma “Processualização Civil” do Processo do Trabalhohttps://emporiododireito.com.br/leitura/reflexoes-pontuais-sobre-uma-processualizacao-civil-do-processo-do-trabalho-por-marcelo-ferreira-machado. Acesso em 17 abr. 2023. 

[4] De modo condensado, e de acordo com o escólio de Hely Lopes Meirelles, portarias são atos administrativos internos expedidos por chefes de órgãos, repartições ou serviços que trazem determinações gerais ou especiais a serem seguidas por seus subordinados ou designam servidores para exercício de funções que não obrigam os particulares, já que não estão sujeitos ao poder hierárquico da Administração Pública (Direito Administrativo Brasileiro. 29.ed. atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 182). Portanto, o uso de portarias para vincular sujeitos do processo, estranhos à hierarquia administrativo-funcional, viola de morte a ordem jurídica. 

[5] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO. Portaria CR Nº 06/2020. https://basis.trt2.jus.br/bitstream/handle/123456789/10929/CR_06_20.html?sequence=5&isAllowed=y. Acesso em 17 abr. 2023. O prazo menor para apresentação de defesa também foi alvo de enfrentamento em pedido de providências pela OAB/PR, em maio de 2020, uma vez que igual expediente se deu nas Varas do Trabalho do Estado do Paraná. Consulte-se: https://www.oabpr.org.br/trt-diz-que-prazo-de-contestacao-nao-pode-ser-inferior-a-15-dias-uteis/. Acesso em 17 abr. 2023. 

[6] LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. 32.ed. rev. e atual. por Paulo Condorcet. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2000, p. 53. 

[7] O próprio ordenamento jurídico prevê prazos de defesa possíveis de serem dilatados ou, de fato, dilatados, como ocorre na ação rescisória (artigo 970 do CPC, aplicável ao processo do trabalho, por força do artigo 836 da CLT), e na ação popular (inc. IV do artigo 7º da Lei 4.717/65). 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.