Parlamentar sendo investigado em inquérito e integrante de CPI sobre o mesmo tema contraria a ‘pura lógica’ do direito, diz advogado

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A atuação em processo no qual a pessoa é parte ou diretamente interessada desrespeita, além da lógica, as hipóteses legais de suspeição e impedimento, inclusive em CPIs, segundo o advogado José Luis Minc. PF concluiu que o deputado André Fernandes (PL-CE) incitou atos golpistas
Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
Parlamentares não podem, simultaneamente, integrarem CPIs e serem investigados em inquéritos que apuram o mesmo objeto da comissão. A avaliação é advogado e sócio do escritório Britto Brandão Minc, José Luis Minc, especializado em direito público.
Autor do requerimento de criação da CPI dos Atos Golpistas e integrante da mesma comissão, o deputado federal André Fernandes (PL-CE) é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) em inquérito sobre os ataques de 8 de janeiro, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), com base em postagens feitas por ele nas redes sociais.
A Polícia Federal (PF) concluiu que o deputado incitou atos antidemocráticos que resultaram na invasão e destruição das sedes dos Três Poderes.
Leia abaixo a entrevista com José Luis Minc:
Blog: Alguém pode participar de uma investigação na qual consta como investigado?
José Luis Minc: A questão fundamental é de pura lógica – pois o direito, como toda forma de ciência, é por ela governado – e os princípios da identidade e da não contradição são pressupostos lógicos, isto é, em síntese, não pode um sujeito ser algo e ao mesmo tempo o seu oposto – o que ocorre quando o investigador é também investigado pelo mesmo fato ou por fatos conexos.
A legislação também proíbe que autoridades participem de decisões em questões que tenham interesse, concreto ou presumido, o que é conhecido por conflito de interesses. Os parlamentares, por exemplo, estão regimentalmente proibidos de votar em assuntos de interesse pessoal.
Mais especificamente em relação àquelas responsáveis por julgamentos e investigações, como se dá em uma CPI, exige-se um rigor maior. São as hipóteses de suspeição e impedimento, dentre as quais se encontra a proibição do juiz funcionar em processo no qual “ele próprio for parte ou diretamente interessado no feito” (art. 252, IV, CPP) e as CPIs estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados. A violação a esse dever de imparcialidade é causa de nulidade do processo.
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Blog: A Justiça tem poder para decidir sobre composição da CPIs ou é uma interferência de um poder sobre o outro?
José Luis Minc: Em decorrência do princípio da independência e da harmonia entre os poderes, prevalece, via de regra, a doutrina da autocontenção judicial: o Judiciário não interfere em decisões do Poder Legislativo tomadas com base na interpretação de normas regimentais.
Contudo, como a CPI é também regulada pela Constituição da República, que lhe confere “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (art. 58, §3º), o Judiciário tem legitimidade para atuar, sobretudo pelo potencial de interferência daquela em direitos fundamentais.
Evidentemente, o ideal é que seja formulada uma questão de ordem e que o caso seja solucionado pelo próprio Legislativo, que pode tanto anular a designação do parlamentar para compor a CPI, como impedir que o mesmo faça requerimentos e vote na Comissão, restringindo-o a participar das discussões.
Blog: Há algum precedente?
José Luis Minc: Há um precedente do STF de 2007, da lavra da Min. Ellen Gracie, que reconheceu a suspeição do presidente de CPI instalada na Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, em vista de sua condição de réu em ação civil pública cujos fatos tinham relação com o objeto da investigação parlamentar. Mais recentemente, decisões monocráticas dos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes rejeitaram a alegação de suspeição de membros de CPI por posicionamentos políticos prévios – o que faz todo sentido, e não se confunde com a hipótese de parlamentar figurar como investigado.

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