Governo Tarcísio revisa dados de segurança, e alta em abril de 10% em furtos de veículos vira queda de 1%

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Governo mudou metodologia para contabilizar crimes no estado. Novo método pode trazer mais transparência, já que dados detalhados permitem maior fiscalização, mas podem comprometer a comparação com anos anteriores –a chamada série histórica. Secretaria da Segurança Pública segue divulgando comparações com dados que a pasta considera inconsistentes. O governador Tarcísio de Freitas
TOMZÉ FONSECA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
A revisão das estatísticas de criminalidade em 2022, anunciada nesta quinta-feira (25) pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), resultou, na prática, em dados positivos para a gestão dele: os furtos de veículo haviam aumentado 10% em abril de 2023. Depois da revisão, passaram a cair 1%.
A Secretaria da Segurança Pública, comandada por Guilherme Derrite, mudou a metodologia na contabilização de crimes e estabeleceu um grupo de trabalho para auditar os dados —o grupo é formado por representantes das polícias Civil, Militar e Científica e da secretaria. A pasta argumenta que a medida trará mais transparência.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), diz que a mudança pode impactar nos bônus já pagos a policiais por desempenho e critica o fato de o grupo de trabalho não ter participação do Ministério Público e da sociedade civil (veja mais abaixo). Afirma ainda que a série histórica —a comparação com anos anteriores para observar se a criminalidade cai ou aumenta ao longo dos anos– pode ser afetada com a alteração na metodologia.
A reversão da tendência da alta de furtos de veículos aconteceu porque o governo revisou os dados de abril de 2022 com o argumento de que eram inconsistentes: o número passou de 6.831 para 7.597. Em abril de 2023, o número de furtos de veículos permaneceu o mesmo: 7.522. Mas, como o dado de abril de 2022 aumentou muito, o que era uma alta de 691 casos virou uma queda de 75 casos.
A diferença também foi registrada em outros tipos de crimes, como estupro —que passou de um aumento de 14% para 8%.
Veja as comparações no gráfico abaixo:

Segundo a SSP, as alterações são causadas por uma mudança de metodologia na forma de contabilizar os crimes do estado de São Paulo, adotada pela atual gestão desde janeiro deste ano. A secretaria e Samira Bueno, do FBSP, afirmam que a nova metodologia traz benefícios ao disponibilizar mais dados sobre as ocorrências.
Segundo a SSP, até a gestão anterior, as próprias delegacias informavam o número de ocorrências de cada crime, sem dar informações a mais sobre os boletins de ocorrência. Agora, a própria secretaria acessa os boletins de ocorrência, contabiliza os dados por crimes e passa para as delegacias revisarem e validarem antes da divulgação (veja mais detalhes sobre a mudança de metodologia abaixo).
Ainda de acordo com a pasta, por conta das inconsistências que ela diz ter encontrado em abril de 2022, o governo criou um grupo de trabalho para revisar os indicadores criminais do ano passado. O grupo é composto por representantes da própria SSP e das polícias Civil, Militar e Técnico-Cientifica, e deve entregar a análise dos dados em 35 dias.
Ela critica ainda o fato de não haver representantes da sociedade ou do Ministério Público no colegiado.
“Não tem nenhuma secretaria externa, não tem nenhum membro da sociedade civil e não tem, principalmente o Ministério Público. O Ministério Público tinha que estar nesse processo. Se a preocupação da atual gestão é com transparência e a confiabilidade dos dados, eles precisavam submeter isso a outros atores que não exclusivamente os atores policiais, porque é claro que isso vai gerar desconfiança”, afirma.
A Secretaria de Segurança diz que o grupo só é formado por policiais por uma questão técnica e que os dados serão disponibilizados para a população e sociedade civil.
Apesar de criticar a composição do grupo, Samira afirma que a mudança promovida pela SSP na forma de coletar os dados tem um lado positivo. “É muito melhor para a sociedade civil e para a imprensa ter o dado do BO [boletim de ocorrência] totalmente acessível na Secretaria da Segurança, no site, do que ter só a estatística mensal com o total de casos”, explica.
A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública diz ainda:
“A gente tem que acreditar que o Derrite [secretário da Segurança Pública] está fazendo isso porque ele acredita na transparência. Mas bom, isso pode beneficiar a gestão dele também, que ele tá dizendo que tá baixando indicador que supostamente baixou porque o dado do ano passado estava errado”, disse Samira.
Mudança de metodologia e revisão dos dados
Segundo o major Rodrigo Vilardi, coordenador da Coordenadoria de Políticas de Segurança Pública da SSP, a metodologia utilizada para contabilizar os crimes até o ano passado impedia que os registros fossem conferidos pela secretaria após o recebimento das informações enviadas pelos distritos policiais.
“[Antes], as unidades policiais lançavam em um sistema os dados quantitativos. Isso ia subindo até chegar na secretaria. (…) O DP lançava, por exemplo, 20 furtos de veículos, mas não especificava quais [boletins de ocorrência] considerou e quais não considerou. Então esse dado ia subindo e quando chegava na secretaria, chegavam 1.500 furtos de veículos, mas sem especificação dos BOs”, diz Vilardi.
Por isso, segundo Vilardi, a secretaria não podia confrontar essas informações com a base de dados de boletins de ocorrência. “Quando chega essa informação dessa maneira, quando eu olho na base, se tiver um BO [boletim de ocorrência] a menos ou a mais, eu não consigo saber”, diz.
“[Agora], invertemos o processo. Desde janeiro, vamos na base de boletim de ocorrência, (…) extraímos essa base, compomos a estatística e entregamos para a unidades para que elas confiram e indiquem se tem algum BO que não deveria ter entrado ou se houve algum BO que não apareceu”, afirma.
Como as metodologias são diferentes, porém, a comparação entre abril de 2022 com abril de 2023 revelou as “inconsistências” nos dados citadas pela SSP em nota divulgada na noite desta quinta-feira.
Segundo Vilardi, as inconsistências foram encontradas ao constatar que os números apontavam aumento nos casos de furtos e roubos de carro em abril de 2023 em comparação com abril de 2022 – sendo que os outros indicadores de furtos e roubos apresentavam baixa.
“A gente, pra tentar entender, foi analisar os casos de 2022. (…) Verificamos que tínhamos mais BOs em 2022 do que o especificado na estatística de furto de veículo, que é o que a gente utiliza inicialmente como base quantitativa. A gente identificou que alguns desses BOs estavam indo para outros indicadores”, diz.
Nos casos de crimes contra a vida — os chamados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) —, já existe uma análise de cada ocorrência pela Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP) para auditar possíveis erros. Mas, segundo a SSP, o mesmo não era feito até agora com os crimes contra o patrimônio, como furto e roubo de veículos.
Metas vinculadas a bônus de policiais
Samira aponta ainda que preocupa o fato de a revisão anunciada pela SSP afetar indicadores que estão vinculados a um bônus pago aos policiais.
Implantado em 2014, o sistema de metas “SP Contra o Crime” premia o bom desempenho de policiais que atuam em áreas e regiões com reduções nos seguintes crimes:
Vítimas de Letalidade Violenta (VLV), que inclui homicídios dolosos e latrocínios;
Roubos, que inclui tanto o roubo de rua quanto a residências e comércios;
Roubos e furtos de veículos, que entram em uma categoria diferente dos demais roubos.
“Se eles estão mexendo nessa estatística do ano passado e essa estatística está crescendo, eles estão revisando e está aumentando, isso pode ter mexido no bônus de milhares de policiais. Ou seja, o governo pode ter pago um bônus para os policiais. Então o Ministério Público necessariamente vai ter que entrar nessa história”, diz Samira.
Vilardi, da Secretaria da Segurança, afirma que os policiais não podem ser responsabilizados por um erro que não foi deles.
A pesquisadora defende que, se o governo paulista revisar os dados de 2022, também precisa analisar novamente as estatísticas de anos anteriores, principalmente após a criação do “SP Contra o Crime”, já que o sistema de metas tem como base o ano diretamente anterior.
“O que vai acontecer? Vai ter que comprar 2021 também para ver se em 2022 a meta foi atingida em relação a 2021. É um efeito cascata. Eles vão ter que voltar 10 anos com isso, não tem jeito, porque o bônus é sempre em relação ao mesmo período do ano anterior”, explica.
Vilardi acredita, no entanto, que as inconsistências estarão presentes somente em 2022, ano em que houve uma mudança no sistema da SSP de estatísticas criminais. Por isso, o major crê que não haverá problema com a série histórica e que não será necessário analisar anos anteriores a 2022.
“O grupo de trabalho vai focar em 2022 porque a hipótese mais provável da inconsistência decorre da mudança de sistema que aconteceu em 2022 do RDO [Registro Digital de Ocorrência] para o SPJ [Sistena de Polícia Judiciária]. A hipótese que a gente está trabalhando é que isso foi algo pontual, que nos meses seguintes já foi corrigido. E pra trás disso também não deve ter essa inconsistência. Porém, o grupo vai revisar todos os dados e a depender da conclusão pode-se pensar em outras análises”, afirma.
Secretaria divulgou dados mesmo após falar em inconsistência
Depois de anunciar revisão nos dados criminais de 2022 “após detectar inconsistências”, a Secretaria de Segurança Pública divulgou dois informes à imprensa com comparativos estatísticos que consideram o período que a ser submetido a auditoria. A revisão não foi mencionada nos textos –que apresentam dados positivos para o governo.
Os títulos eram: “Capital registra menor índice de homicídios dolosos em 23 anos” e “Estado bate recorde histórico de queda nos casos de roubos a banco”.

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