Relatório ND: Modelo de gestão da Comcap é problema milionário sem solução em Florianópolis

 

Depois que a Comcap (Autarquia de Melhoramentos da Capital) foi transformada em autarquia, em 2017, quando Gean Loureiro era prefeito de Florianópolis, o município iniciou a reversão de uma dívida previdenciária milionária. O passivo histórico, que era de R$ 107,2 milhões e chegou a ser estimado em R$ 200 milhões, foi bastante reduzido desde então.

Autarquia que responde pela coleta de lixo e limpeza urbana da capital catarinense tornou-se ‘pedra no sapato’ da administração – Foto: Anderson Coelho/ND

Atualmente, ainda restam para pagar R$ 64,4 milhões. A adesão a um parcelamento em 155 vezes (quase 13 anos) ocorreu em julho de 2017, e o município segue pagando, mas há outros três financiamentos (veja quadro na página ao lado).

Também em 2017, em 150 parcelas, e correspondendo a um passivo tributário, foi financiada uma dívida de R$ R$ 3,7 milhões. Falta pagar R$ 1,5 milhão das parcelas restantes. Em novembro de 2019, o município assumiu outro parcelamento relativo à Comcap, de R$ 563 mil, restando pagar R$ 27 mil. E em maio do ano passado, mais um parcelamento, de R$ 1,2 milhão, do qual resta pagar R$ 941 mil.

De 2017 para cá escorreram do cofre público municipal R$ 45,7 milhões para custear dívidas da Comcap. Ao todo, o município ainda precisa pagar R$ 67 milhões, mas a dívida vem caindo. Alguns terrenos do município servem de garantia e estão sendo liberados aos poucos.

Salários comprometem 86% do orçamento

Além da dívida milionária adquirida no passado, a Comcap pesa – e muito – no orçamento anual do município. Ano passado, por exemplo, o repasse da prefeitura à autarquia somou R$ 190 milhões. Para este ano, o orçamento foi fixado em R$ 222 milhões, representando 5,65% do orçamento total e 8,09% do orçamento com recursos próprios. Dos recursos destinados à Comcap, 86% são para pagar salários.

O total bruto da última folha de pagamento foi de R$ 13.326.273,14. Os vencimentos e vantagens fixas representam 56,03% do orçamento da autarquia. Mas além dos vencimentos existem mais despesas variáveis de pessoal, como benefícios assistenciais, restituições, indenizações e encargos, resultando em aproximadamente R$ 49 milhões.

Somando todas as despesas vinculadas, os salários abrangem 86% do orçamento. Em reportagem publicada no ND em 5 e 6 de dezembro de 2020, o comprometimento da folha era de 85% e embora algumas funções tenham sido extintas o percentual aumentou.

Prefeito Topázio atribui vencimentos exorbitantes à pressão histórica

Nesta bola de neve que se transformou a autarquia, um dos problemas que mais causa revolta na população é o fato de que a Comcap tem o maior número de funcionários que recebem supersalários em relação aos demais servidores públicos. É uma minoria, é verdade, mas eles abocanham, todo mês, sozinhos, fatias enormes do bolo, uma afronta para os demais profissionais que executam funções semelhantes em outros órgãos.

O prefeito Topázio Neto lamenta que o contribuinte de Florianópolis, que ganha em média R$ 4.000 por mês, se esforce tanto para pagar os salários considerados exorbitantes e totalmente fora da média do mercado. É o caso, por exemplo, de um salário de R$ 29.617,45 pago para o cargo de assistente administrativo, muito maior do que de um secretário municipal.

Sem saber, o morador da Capital também banca salário de R$ 43.277,11 para advogado, de R$ 15.788,85 para digitador, de R$ 8.145,22 para recepcionista e de R$ 17.055,59 para motorista.

Questionado sobre como os vencimentos chegaram a estes valores exorbitantes, Topázio acredita que como a Comcap é uma empresa de 50 anos, ao longo dos anos os gestores foram cedendo às pressões do sindicato e aumentando benefícios e salários, engordando os vencimentos dos servidores da hoje autarquia, o que não é o caso dos demais da prefeitura.

“O poder de pressão era muito alto. Quando a Comcap tinha 100% da coleta da cidade acontecia sempre a mesma coisa: paravam a coleta e dois, três dias depois, ninguém mais aguentava a quantidade de lixo espalhado na cidade e faziam qualquer acordo para acabar com a greve. Nisso, foram criados estes benefícios e chegamos nessa situação”, lamenta o prefeito.

Mais de R$ 67 milhões estão em aberto para serem pagos pela prefeitura de Florianópolis – Foto: Gil Jesus/ND

Pouca adesão ao Programa de Incentivo à Aposentadoria

A prefeitura chegou a criar um Programa de Incentivo à Aposentadoria, porém, válido somente para quem aposentou antes da reforma da Previdência, em 2019. O programa encerrou ano passado e quem aderiu recebeu dez salários. Entretanto, a iniciativa não teve a adesão esperada.

“Quem tinha tempo de aposentadoria poderia ficar trabalhando ou procurar a empresa e fazer o acordo para receber dez salários e se aposentar de imediato. Mas, para o servidor, muitas vezes não interessa, porque se fica trabalhando tem hora extra, vale-refeição, benefícios que não levam na aposentadoria. Então, é melhor continuar trabalhando”, comenta Topázio. Conforme a prefeitura, atualmente está sendo feito um estudo com proposta de 15 salários.

Para Topázio, embora o serviço da autarquia seja bom, ele se tornou inviável para a administração municipal justamente por causa dos altos custos da folha de pagamento. Ele disse, ainda, que não é possível dispensar esses profissionais, porque são servidores públicos concursados e com estabilidade.

“Temos que esperar se aposentarem e, mesmo assim, teremos que bancar a aposentadoria. Existe uma última leva de celetistas, que vão se aposentar com piso de R$ 5.000. Mas foi assim que chegamos nesses salários. As horas extras da Comcap, por exemplo, eram de 200%, quando o normal é 50% ou 100%. Isso foi cortado ano passado”, ressalta Topázio.

Nem todos recebem supersalário, mas folha da Comcap ainda é a maior

Proporcionalmente, as despesas de pessoal da Comcap, graças aos supersalários, estão entre as mais pesadas do município, enfatiza o prefeito. “A Procuradoria do Município, talvez, tenha a folha mais alta, porque tem muitos advogados. Mas é uma área técnica, especializada e, mesmo assim, tem muito assistente jurídico, então, na média, deve dar mais baixa do que a da Comcap”, pondera o prefeito.

Topázio, lembra ainda que nem todos os 1.533 profissionais ativos da Comcap no momento recebem supersalários, embora também recebam bons vencimentos em relação ao mercado.

“Em relação ao pessoal da varrição de rua, por exemplo, os salários não são absurdos. Ganham R$ 3.000 a R$ 4.000, mas as pessoas não querem mais fazer esse tipo de função. Apesar de ser um salário um pouco mais alto, são pessoas que trabalham bastante, estão todos os dias na rua varrendo a cidade e limpando”, declara.

Conforme Topázio, porém, a luta não é contra o servidor da Comcap, mas contra as administrações passadas que deixaram a situação chegar a este patamar. “O servidor não tem culpa de as administrações anteriores terem deixado chegar ao ponto em que chegou. Há quem questione porque não extinguimos a Comcap, mas o benefício é muito pequeno. Como 86% é mão de obra, ela será paga pelo município, da mesma forma, até que se aposentem”, afirma o prefeito

Apenas 150 funcionários da Comcap ganham acima de R$ 10 mil – Foto: Gil Jesus/ND

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