Regulação global contra desmatamento para combater engagement washing

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O desenvolvimento de um modelo de capitalismo consciente, que vem sendo amplamente debatido nos recentes anos, representa uma importante mudança nos paradigmas empresariais. Na perspectiva ambiental, por exemplo, o valor de uma empresa passou a se afastar da busca por lucros a qualquer custo, atrelando-se, progressivamente, às boas práticas, aos critérios de sustentabilidade e à responsabilidade ambiental em sentido amplo e não apenas jurídico. 

A inserção na esfera corporativa de questões sociais, ambientais e de governança, popularmente denominada por agenda ESG, tem, cada vez mais, ditado os rumos da alocação de recursos e investimentos, criando até mesmo campanhas desestimuladoras de consumo de produtos vinculados ao desmatamento e degradação ambiental. 

Muito embora essas campanhas não sejam recentes, visto que, já em 2006, grandes corporações, como a rede McDonald’s, já haviam firmado apoio à Moratória da Soja, com o objetivo de disseminar em sua cadeia de produção o consumo de soja de locais fora da zona de desmatamento, nem sempre os compromissos de desinvestimento firmados são cumpridos, sobretudo quando passíveis de implicar determinado prejuízo às empresas. 

Nesse sentido, em 2021, o jornal britânico Financial Times[1] alertou que grupos de investimento europeus e empresas do setor alimentício descumpriram suas promessas de desinvestimento no Brasil devido ao aumento do desmatamento, mesmo com os números mostrando que a destruição da floresta amazônica era o pior desde 2006. A inércia destes setores suscitou preocupações que iam desde o “encorajamento” da administração do ex-presidente Jair Bolsonaro, o qual defendia a abertura do bioma amazônico à exploração comercial, até uma espécie de risco engagement washing.

Similar e tão prejudicial quanto o greenwashing, ou seja, a prática de fazer propagandas com informações inverídicas, incompletas e omissas, buscando encobrir impactos ambientais negativos ocasionados por determinados serviços ou produtos, o engagement washing é comumente conhecido por um falso envolvimento com a temática ESG, imputando um caráter de responsabilidade e comprometimento com as pautas ambientais, sociais e de governança à determinadas empresas, sem que esta característica seja condizente com a realidade.

Este cenário desperta a necessidade de criação de arcabouços legais capazes de gerar um enforcement público, ou seja, uma execução impositiva do cumprimento das regras de responsabilidade ambiental, social e de governança, as quais passariam a contar com a proteção do ordenamento jurídico que a instituísse, sendo o descumprimento destas regras passíveis de penalização. 

Nesse contexto, o Parlamento Europeu aprovou em abril deste ano o Deforestation Regulation[2], objetivando a diminuição do desmatamento e da degradação florestal, associados a certas commodities e produtos relevantes exportados para o bloco econômico. De acordo com o Artigo 2º do regulamento, a degradação florestal é definida como a alteração estrutural da cobertura florestal, convertendo florestas primárias (onde não há indícios de atividades humanas ou de distúrbios significativos ao processo ecológico) e/ou florestas naturalmente regeneradas (com espécies regeneradas naturalmente, plantadas ou semeadas) em plantation forests e forests planted[3], ou em outros terrenos arborizados (não classificados como florestas). 

Assim, as commodities como o gado, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e madeira, não poderão ser colocadas ou disponibilizadas no mercado da União Europeia ou exportadas, exceto se preencherem as seguintes condições: 1) não serem advindas de áreas desmatadas; 2) serem produzidas em conformidade com a legislação do país de origem; e 3) estarem atestadas por declaração de due diligence. 

A rigorosa due diligence prevista pelo regulamento inclui a análise de conformidade com a legislação do país de produção referente aos direitos de uso da terra, proteção ambiental, legislação florestal, direitos trabalhistas e de terceiros, direitos humanos, consulta prévia de povos indígenas, legislação tributária e aduaneira, anticorrupção e legislação comercial. 

Vale destacar que o regulamento prevê que autoridades competentes de cada país membro da União Europeia deverão realizar o controle em seu território para verificar se os operadores e comerciantes estão cumprindo o regulamento. Os países que exportam para a União Europeia serão classificados como de baixo, médio ou alto risco para o desmatamento, o que determinará o nível de fiscalização pelas autoridades competentes dos produtos exportados. Logo, para um país de alto risco de desmatamento, 9% dos produtos disponibilizados ou exportados ao bloco e 9% das empresas vendedoras deverão passar pelas verificações detalhadas disciplinadas no regulamento.  

De fato, o engajamento privado, de entidades do mercado, contribui para promover um ambiente de melhores práticas ESG, através da técnica denominada por Calixto Salomão Filho de screening[4], por meio da qual se intenta promover características qualitativamente melhores dos participantes do mercado, fomentando um ambiente de concorrência não apenas pautado no lucro e na rentabilidade, mas também na valorização do cumprimento das métricas ESG, criando uma espécie de seleção natural, na qual as empresas adeptas das melhores práticas de governança, responsabilidade social e ambiental teriam destaque entre as demais, tornando-se mais perenes e longevas no mercado. 

Contudo, em um ponto de vista realista, há que se reconhecer que a agenda ESG não é prioridade para muitas das empresas existentes, as quais, ao realizar um trade-off, certamente, decidirão por um caminho que represente maiores ganhos a curto e médio prazo, muito embora já existam estudos comprovando que as atividades referentes às práticas de sustentabilidade e diversidades estão relacionadas à maior lucratividade financeira e ao crescimento para empresas privadas[5]. 

Assim, tão importante quanto o engajamento privado, uma construção regulatória de impacto global, com o objetivo de propiciar a transparência nas cadeias de produção, diminuindo os riscos ambientais e promovendo o consumo de produtos desvinculados do desmatamento representa um importante avanço no amadurecimento e na concretização da temática ESG, afastando o risco de falsos engajamentos e de banalização da responsabilidade ambiental e social.


[1] Disponível em: https://www.ft.com/content/a1a221c4-b61f-4ecf-8fdc-830a530d04fe. Acesso em 08 de maio de 2023.

[2] Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0109_EN.html. Acesso em 07 de maio de 2023.

[3] Conforme redação do Deforestation Regulation, as plantation forests seriam as florestas geridas de forma intensiva, contendo uma ou duas espécies, de classe etária uniforme e espaçamento regular, incluindo plantações de curta rotação para madeira, fibra e energia, excluindo florestas plantadas para proteção e recuperação de ecossistemas ou que se assemelhem com florestas em regeneração, enquanto as planted forests seriam as florestas compostas por árvores estabelecidas através de plantação ou semeação deliberada, desde que as árvores plantadas ou semeadas constituam mais de 50% das espécies em crescimento na maturidade.

[4] SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário: eficácia e sustentabilidade. 5ª. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[5] Disponível em: https://www.bain.com/pt-br/about/media-center/press-releases/south-america/2023/iniciativas-em-esg-acompanham-desempenho-financeiro-mais-forte–indica-novo-estudo-da-bain–company-e-da-ecovadis/. Acesso em 09 de maio de 2023.

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