Novas espécies: perereca-pixinguinha, bromélia enigmática e mais revelam diversidade oculta na Mata Atlântica

De 2021 a 2023, pelo menos 11 espécies nunca vistas de fauna e flora foram identificadas no bioma, que é um dos mais importantes do mundo. Áreas de Mata Atlântica e encontro de rios em São Vicente
Divulgação/Prefeitura de São Vicente
A Mata Atlântica é uma das áreas naturais prioritárias para a conservação mundial graças a sua biodiversidade única. Com milhares de espécies conhecidas de fauna e flora, o bioma ainda surpreende com novas descobertas.
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Apenas de 2021 para cá, pelo menos 11 espécies nunca vistas foram identificadas, como a bromélia enigmática e a perereca-pixinguinha.
Das 46 mil plantas, fungos e algas conhecidas no Brasil, cerca de 20 mil estão no bioma.
Em todo o país, há 118 mil espécies de fauna identificadas, mas estima-se que a variedade ultrapasse os 137 mil. Destas, milhares são nativas do bioma, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Além disso, a Mata Atlântica possui centenas de espécies endêmicas, que não existem em nenhum outro lugar do mundo.
Entre as recém-descobertas na Mata Atlântica, estão:
Duas novas espécies da família psicodídeos (insetos conhecidos como mosquitinhos-de-banheiro ou moscas-mariposas) Arisemus sinuosus e Neopericoma bela.
Bromélia enigmática (Stigmatodon enigmaticus), uma nova espécie da planta bromélia.
A planta Microlicia caparaoensis, da família Melastomataceae, foi descoberta junta a outras 4 novas espécies.
A árvore Vitex pomerana, 35ª variedade de tarumã identificada no Brasil, endêmica da Mata Atlântica.
Perereca-pixinguinha (Scinax pixinguinha).
Novas espécies identificadas na Mata Atlântica
Além disso, em 2022 foi oficializada a descoberta de todo um novo gênero de plantas na região da Mata Atlântica. São as Gyrosphragma latipetala, que passam a integrar a família Lythraceae, a mesma da qual faz parte a romã.
As descobertas foram celebradas pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), que realiza pesquisas e promove a inovação científica, além de conservar acervos e disseminar conhecimento relacionadas à Mata Atlântica.
“Quando vamos a campo, há sempre a chance de encontrarmos uma nova espécie, um novo gênero ou até uma nova família de vegetação. Ainda há muitas espécies nativas que não foram catalogadas, ou porque não há especialistas daquele gênero, ou porque ainda não foram devidamente estudadas”, explica Dayvid Rodrigues Couto, que é botânico do INMA e participou da descoberta da bromélia enigmática.
A importância de fazer novas descobertas
Descobrir novas espécies é um trabalho desafiador, mas muito estimulante, segundo os pesquisadores.
Apesar de ser apenas um dos muitos resultados possíveis do trabalho de campo, os especialistas dizem que é a função é recompensadora.
Gosto de pensar na biodiversidade de planeta como um grande quebra-cabeça. Ainda faltam muitas peças a serem descobertas e elas representam nosso desconhecimento. Se temos um quebra-cabeça com muitas pelas faltantes, não conseguimos visualizar a imagem completa.
Para ele, que foi um dos pesquisadores responsáveis pela descoberta da perereca-pinxinguinha, é impossível mensurar a importância que identificar uma nova espécie pode representar para os seres humanos, inclusive a curto e médio prazo.
Medicamentos: “No caso dos sapos e pererecas, que é com o que eu trabalho, há uma série de medicamentos sendo desenvolvidos pela indústria farmacológica para uma variedade de males de saúde da humanidade a partir de princípios ativos isolados da toxina da pele desses animais. Ou seja, muitas curas para doenças podem estar ‘escondidas’ na informação bioquímica dos compostos que são secretados por estes animais”, explica.
O botânico Dayvid Couto, que estuda um dos gêneros da família das Bromélias no INMA, pensa de maneira semelhante.
Estudo plantas que vivem em condições muito extremas — penduradas em pedras, sem solo e que só têm água quando chove — e que podem ter algo a nos ensinar. Estamos passando por um momento de mudanças climáticas e uma dessas plantas pode ter genes altamente interessantes para colocarmos na cultura do milho, para ele resistir a uma seca severa, por exemplo.”
As descobertas podem servir também para destacar a importância da aprovação de novas políticas públicas para a preservação do bioma, que já ocupou 1,4 milhão de quilômetros quadrados e atualmente possui apenas cerca de 24% do território original.
Como novas espécies são descobertas
A descoberta de uma nova espécie, seja vegetal ou animal, começa com uma viagem de campo. Nesta etapa, os pesquisadores:
observam a vegetação e a fauna local;
fazem anotações;
e fazem também registros fotográficos e de vídeos.
Os pesquisadores de campo também coletam exemplares de animais ou amostras de plantas e, caso encontrem algo diferente do que já conhecem, realizam análises mais detalhadas em laboratório.
“A estrutura das plantas não sofre alterações drásticas. Então, se encontramos uma espécie que é parecida com outra, mas tem a folha mais alongada ou a flor mais arredondada, por exemplo, já imaginamos que se trata de uma nova espécie”, diz Dayvid Couto.
No laboratório, as amostras são catalogadas e ficam disponíveis nas coleções de zoologia, no caso dos animais; e em exsicatas (catálogo com a planta desidratada e fixada a uma cartolina) para a botânica.
Segundo o INMA, o objetivo dessas coleções é “registrar e guardar, por tempo indeterminado, amostras que testemunhem a biodiversidade encontradas na natureza”.
Com base nos registros, os pesquisadores comparam as amostras encontradas e investigam qualquer discrepância que possa indicar se tratar de uma nova espécie.
Quando os especialistas encontram indícios que comprovem as suspeitas, é comum compartilhar a informação com pesquisadores de outras organizações do Brasil e do mundo a fim de verificar sua teoria.
Uma vez confirmado que se trata de uma nova espécie, a descoberta é oficializada com a publicação das informações em uma revista de divulgação científica.
“É a publicação que vai validar o trabalho dos pesquisadores e oficializar o nome da nova espécie. Antes disso, consideramos que aquela espécie não existe”, explica o botânico.
O registro é internacional. Portanto, vai valer para todo o mundo. Assim, descarta-se a chance de que duas plantas sejam registradas com o mesmo nome, ao mesmo tempo em que a informação sobre a nova descoberta é internacionalizada e compartilhada com pesquisadores de todo o globo.
Preservar é fundamental
Para garantir que novas descobertas continuem sendo feitas, é preciso haver incentivo aos pesquisadores e financiamento de pesquisas, além da necessidade de políticas que garantam a proteção e preservação do meio ambiente.
Temos apenas um restinho de Mata Atlântica e, ainda hoje, nesse restinho que sobrou, fazemos descobertas inéditas. Então, pensamos no tanto de espécie que foi extinta sem que sequer tomássemos conhecimento.
Para evitar que isso volte a acontecer, a Dayvid Couto considera indispensável a figura do pesquisador.
“Somos nós que entramos na mata, nos debruçamos sobre o conhecimento que já temos e escrevemos os artigos científicos que vão marcar a descoberta. Precisamos ser valorizados”, diz.
Parte disso pode ser concretizado com a viabilização das pesquisas, tanto financeiramente quanto com estruturas de qualidade.
“Não podemos permitir que tragédias como o incêndio do Museu Nacional (em setembro de 2018) voltem a acontecer. Precisamos respeitar nossa história, nossa biodiversidade e nosso conhecimento”, conclui João Victor Lacerda.
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