
Macaco também é conhecido como ‘jardineiro’ da Mata Atlântica e inspirou personagem do jogo do g1 sobre o bioma, o ‘Bzzz!Drone’. O muriqui é um dos personagens do jogo lançado pelo g1 na última sexta-feira (26). No Bzzz!Drone – Missão Mata Atlântica, o objetivo da primeira fase é fotografar o muriqui-do-sul, que vive em fragmentos do bioma no Paraná, em São Paulo, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
Ao lado do muriqui-do-norte, o primata é o maior macaco das Américas, nativo da Mata Atlântica e símbolo de tranquilidade e harmonia por viver sempre em grupo e geralmente abraçando seus parceiros e filhotes.
Mas as duas espécies de muriquis correm risco de extinção. E se não fosse pelo trabalho de quase 40 anos da pesquisadora norte-americana (mas “quase brasileira”) Karen Strier, a população atual de aproximadamente 2 mil muriquis da Mata Atlântica seria muito menor.
A antropóloga é a principal referência quando o assunto é o “macaco-hippie e jardineiro da floresta”, como também são chamados os muriquis. Seu projeto “Muriquis da Caratinga”, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, é considerado o mais longevo estudo dessa população de animais.
Bzzz!Drone – Missão Mata Atlântica: saiba como jogar
“Foi uma paixão à primeira vista quando eu vi um muriqui de longe, numa árvore. Eu me intriguei demais, eu queria conhecê-lo e ao mesmo tempo fui muito bem recebida pelos brasileiros aqui”, relembra a pesquisadora, quando na década de 1980 veio ao Brasil justamente para conhecer o animal.
Karen, que é presidente da Sociedade Internacional de Primatologia, faz questão de ressaltar que todo esse seu trabalho é resultado de um esforço coletivo de diversos pesquisadores e estudantes que a acompanham na empreitada.
Mas é fato que muito do que conhecemos hoje sobre os muriquis é resultado de suas observações, que fizeram crescer inclusive em cerca de 7 vezes a população de muriquis-do-norte em Caratinga, ao longo dessas 4 décadas – de cerca de 50 para aproximadamente 350 em 2015.
Hoje, apesar de um leve declínio populacional ocasionado principalmente pela febre amarela, os muriquis da Caratinga são considerados uma referência para conservação da espécie.
Duas espécies bem parecidas
Até pouco tempo atrás, na década de 1990, os pesquisadores acreditavam inclusive que só existia uma única espécie de muriqui na natureza, pois ambos os primatas pesam aproximadamente de 8 a 12 kg, têm entre 120 e 150 cm e possuem comportamentos bem similares.
Apesar dessas semelhanças, o que intrigava os primatologistas aficionados pelo macaquinho era uma característica bem marcante: por que alguns muriquis possuem a face toda preta, enquanto outros possuem pigmentações rosa nas faces e genitálias quando adultos?
A suspeita era então que estávamos observando duas espécies. E tudo isso se confirmou graças não apenas ao longo trabalho da pesquisadora, mas também ao esforço de diversos outros cientistas e até mesmo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que concentrou os estudos e elaborou um banco de dados de áreas com relato de ocorrência de muriquis nos últimos anos.
A antropóloga e pesquisadora Karen Strier em campo.
JOÃO MARCOS ROSA/DIVULGAÇÃO
Depois de testes genéticos, veio então a confirmação das duas espécies em um estudo publicado em 2019, algo fundamental para vermos crescer o número de muriquis na Mata Atlântica, explica Leandro Jerusalinsky, chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros no ICMBio.
Com isso, ficou estabelecido que os muriquis-do-sul eram os de fato que tinham uma face totalmente preta, enquanto os do norte possuíam pigmentações rosa nas faces e genitálias.
“Fazer a identificação dessas duas espécies é muito importante para traçarmos melhor estratégias de conservação”, diz o pesquisador.
“Se elas fossem uma espécie só, a gente diria que a população é muito maior, temos muitos indivíduos. Mas não é isso que acontece. Agora a gente consegue avaliar melhor inclusive estratégias de manejo populacional”.
‘Jardineiros’ da Mata Atlântica
Os muriquis são primatas diurnos e passam cerca de 50% do dia descansando. Mas o seu comportamento mais característico é o fato de que ambas as espécies são bastantes pacíficas.
Karen diz que são muitos raros os casos de ataques a indivíduos do mesmo grupo.
Outra característica bem importante dos muriquis, mencionada no começo do texto, é que eles são fundamentais para o bioma onde vivem – e vice-versa.
Os muriquis se alimentam principalmente de folhas e frutos, mas também comem flores, sementes, néctar, casca de árvores e brotos de bambu.
Ao comerem esses frutos maduros, eles atuam como dispersores de sementes, por isso são importantes aliados da floresta.
Os Muriquis contribuem para a dispersão de sementes por causa do grande tamanho deles e o fato de engolirem muitos frutos. Embora eles comam flores e às vezes acabem polinizando, os insetos, abelhas e morcegos são mais importantes para a polinização do que os muriquis, mas eles também são importantes”.
“Enquanto nós estamos aqui conversando eles estão nesse momento se alimentando de grandes sementes das maiores árvores da Mata Atlântica. E dispersando essas sementes de três a cinco quilômetros de distância”, explica o professor Maurício Talebi, do Instituto Pró-Muriqui.
“Existem dados que mostram que as sementes que passam pelo trato digestório dos animais chegam a 99% de viabilidade de germinação”, acrescenta o pesquisador.
E os muriquis são endêmicos da Mata Atlântica. Ou seja, só existem por aqui, em áreas remanescentes da floresta que vão do sul da Bahia até São Paulo, incluindo alguns fragmentos de mata no Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e no norte do Paraná.
E mesmo com o auxílio dessa polinização, graças ao esforço de pesquisadores, hoje também sabemos que o muriqui-do-sul está “em perigo de extinção”, enquanto o muriqui-do-norte está “criticamente em perigo”, o grau mais alto de risco.
Esperança para os muriquis
As principais ameaças para os muriquis são o desflorestamento e fragmentação de habitats. E não é de se espantar o motivo: dados da Fundação SOS Mata Atlântica apontam que o bioma vem perdendo bastante áreas florestais nos últimos anos.
Aliado a isso, doenças e zoonoses e, em casos mais raros, a caça para consumo humano, também afetam os muriquis.
Dois muriquis-do-sul abraçados no topo de uma árvore.
Edipo Fernandes Vieira da Silva/ICMBio/Divulgação
Por isso, a dra. Karen Strier ressalta que ainda vislumbra com bastante preocupação o futuro desses animais, afinal de contas, eles estão ameaçados de extinção.
Mas perguntada sobre como fazer replicar iniciativas de sucesso como as dos muriquis da Caratinga, a pesquisadora tem uma resposta na ponta da língua: mostrar para a população que os muriquis são importantes aliados da floresta e destacar o valor dessa floresta, que de pé impulsiona a economia e melhora a nossa vida.
“O conhecimento e o pessoal já temos. O que precisamos agora é de políticas públicas efetivas. Trabalhar em conjunto, afinal de contas conservação é isso”, afirma. “Uma floresta de pé é sinônimo de valor”.