Salomão: Jurisprudência deve se adequar para coibir uso da toga para fins particulares

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O corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, também ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), identificou uma peculiaridade nos processos disciplinares em curso na Corregedoria Nacional de Justiça.

“Com maior recorrência, situações ligadas a questões contemporâneas, como, por exemplo, o mau uso de redes sociais e as posições com cunho de atividade político-partidária têm se mostrado mais frequentes, especialmente com as redes sociais, não raro, como já pontuei, sinalizando a intenção de autopromoção para caminhos de vida ligados ao interesse particular do magistrado”, conta em entrevista exclusiva ao JOTA.

De acordo com Salomão, são, atualmente, quase duas dezenas de procedimentos abertos pela Corregedoria Nacional de Justiça que versam sobre manifestações políticas e mau uso de redes sociais, muitos deles, inclusive, de ofício.

Este fato, na visão do ministro, faz com que seja necessária a adequação da jurisprudência à realidade atual, “de modo a coibir o uso da toga para se atingir interesses particulares, de forma dissociada dos deveres éticos do cargo”.

Para Salomão, trata-se de um “momento muito oportuno e necessário para uma regulamentação mais específica, como o próprio Conselho Nacional de Justiça já sinalizou em Plenário num dos julgamentos sobre a matéria”.

Leia a íntegra da entrevista com o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão

O CNJ, por sua jurisprudência, não julga magistrados que pediram exoneração ou aposentadoria, mesmo com processos pendentes. Isso também ocorre no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Está na hora de mudar essa jurisprudência, levando em conta o impacto que esses julgamentos podem ter em razão da Lei da Ficha Limpa?

Em verdade, a jurisprudência do CNJ já vem caminhando para esta posição.

De fato, inicialmente apreciou e afastou alegações de arquivamento dos procedimentos disciplinares por perda superveniente de objeto, nos casos de exoneração a pedido e aposentadoria voluntária ( como exemplo, a REVISÃO DISCIPLINAR – 0002704-88.2015.2.00.0000).

Isto porque a atividade fiscalizatória disciplinar do Conselho Nacional de Justiça se pauta no interesse público, no sentido de garantir a observância dos princípios que regem a Administração Pública na atividade dos magistrados.

Portanto, o interesse na apuração é público, de modo que o interesse particular não pode a ele se sobrepor, como no caso dos pedidos de exoneração e aposentadoria voluntária. Nessas situações, em regra os pedidos acabam por se mostrar verdadeiras tentativas de burla à condenação, principalmente quando o resultado aparenta desfavorável ao magistrado.

Muitas vezes, inclusive, o que poderia ser inicialmente considerado como estratégia processual, acaba por sinalizar outros interesses, como os de seguir carreira política.

A própria jurisprudência do CNJ já se direcionava no sentido de entender o interesse público como sendo o elemento norteador da atividade disciplinar, de modo que nem mesmo a condenação do magistrado na penalidade de aposentadoria compulsória em outro processo, por fato distinto, poderia paralisar essas apurações contemporâneas (como exemplo :PAD – Processo Administrativo Disciplinar – 0006922-57.2018.2.00.0000 – Rel. MÁRIO GUERREIRO – 57ª Sessão Extraordinária – julgado em 08/09/2020; CNJ – REVDIS – Processo de Revisão Disciplinar – Conselheiro – 0005031-06.2015.2.00.0000 – Rel. VALDETÁRIO ANDRADE MONTEIRO – 281ª Sessão Ordinária – julgado em 06/11/2018; – PCA – Procedimento de Controle Administrativo – 0004423-13.2012.2.00.0000 – Rel. CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA – 158ª Sessão Ordinária – julgado em 13/11/2012).

Além disso, o Enunciado Administrativo 19 do CNJ indica, expressamente, que “a superveniência da aposentadoria de magistrado não acarreta a perda de objeto do procedimento disciplinar em curso”, independente da sua modalidade.

O que se nota, mais recente, é uma certa peculiaridade nos contornos dos processos disciplinares em curso na Corregedoria Nacional de Justiça.

Com maior recorrência, situações ligadas a questões contemporâneas, como, por exemplo, o mau uso de redes sociais e as posições com cunho de atividade político-partidária têm se mostrado mais frequentes, especialmente com as redes sociais, não raro, como já pontuei, sinalizando a intenção de autopromoção para caminhos de vida ligados ao interesse particular do magistrado.

O que deve ocorrer é, no meu modo de ver, a adequação da jurisprudência à realidade atual, de modo a coibir o uso da toga para se atingir interesses particulares, de forma dissociada dos deveres éticos do cargo.

A Lei da Ficha Limpa certamente trouxe, com mais evidência, tal necessidade de adequação da nossa jurisprudência, mas penso que a premência da mudança vem dos fatos sociais que temos visto chegarem até a Corregedoria, por meio das denúncias recebidas.

Uma regulamentação específica para tais hipóteses também viria em boa hora.

O ex-juiz Sergio Moro respondia a pedidos de providência contra ele no CNJ. O senhor defende que esses pedidos sigam, mesmo com ele fora da magistratura e hoje no Senado?

Não vou falar de um caso específico, ou personalizar, por óbvio.

No entanto, de modo geral, justamente sob o mesmo raciocínio de coibir ato atentatórios à imagem do cargo, ou o seu mau uso voltado a objetivos pessoais dissociados dos deveres éticos da função, as apurações disciplinares em curso em face de situações de exoneração voltada a fins políticos, por exemplo, mereceriam seguir, em atenção ao interesse público que permeia a atividade fiscalizatório disciplinar do CNJ.

Cada caso concreto, contudo, deve merecer a análise pertinente, segundo os elementos dos autos.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu pela cassação do registro de candidatura do deputado Deltan Dallagnol por considerar que sua exoneração foi uma fraude à Lei da Ficha Limpa. O senhor acredita que, para melhor aplicação da lei, essa jurisprudência deve ser seguida daqui por diante, alargando a aplicação da lei não apenas para PADs mas para outras sindicâncias e pedidos de providências?

A Lei da Ficha Limpa foi elaborada sob circunstância social que clamava resposta imediata, com a elaboração de critérios objetivos que possibilitassem o ingresso e o freio do cidadão na vida política.

O conceito de vida pregressa trazido pela lei, por exemplo, certamente exige a inexistência de máculas na vida funcional anterior à candidatura do cidadão.

Essa questão merece um olhar muito particular e mais rígido em se tratando de funções como a magistratura ou Ministério Público, cuja envergadura ética e função social representativa do Estado encerra deveres muito próprios aos princípios de moralidade na Administração Pública.

Mesmo no caso do instituto da quarentena constitucional, que se refere ao impedimento temporário ao exercício da advocacia após a exoneração ou aposentadoria do magistrado, o Supremo Tribunal Federal já ressaltou essa importância (O art. 95, parágrafo único, V, da Constituição Federal estabelece um importante padrão de moralidade pública, visando a coibir situações de conflito de interesses que possam ameaçar a credibilidade do Poder Judiciário- ADPF 310, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/10/2019, DJe 27-02-2020).

Ainda segundo o Supremo, os alcances e contornos desse instituto são questões regulamentáveis, por envolverem matéria infraconstitucional.

Talvez seja o momento, de fato, da criação de regulamentação nesse sentido, referente à inelegibilidade já prevista em lei complementar, dentro das atribuições do CNJ previstas no art.103-B da CF/88.

Em breve vamos levar estes estudos ao Colegiado do CNJ.

Nos últimos anos assistimos a exemplos de partidarização de alguns juízes e membros do MP. Como coibir isso? E essa jurisprudência acanhada, poderia dizer assim, não acaba servindo de garantia de impunidade para juízes que atuem na magistratura mas com um olho na carreira política?

O Conselho Nacional de Justiça vem atuando com muito rigor nesses casos, que tem se externado com frequência em manifestações em redes sociais.

São, atualmente, quase duas dezenas de procedimentos abertos pela Corregedoria Nacional de Justiça, muitos deles, inclusive, de ofício.

Em 2022, foi elaborado o Provimento número 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, trazendo a previsão expressa, com maior minúcia, da vedação às manifestações e atos capazes de caracterizar a atividade-político partidária de que trata a Constituição.

Essa regulamentação esmiuçada e atenta à realidade dos nossos tempos foi essencial para coibir atos indicativos de atividades de natureza político-partidária, bem como para possibilitar a melhor instrução desses procedimentos.

É, repito, o momento muito oportuno e necessário para uma regulamentação mais específica, como o próprio Conselho Nacional de Justiça já sinalizou em Plenário num dos julgamentos sobre a matéria.

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