O despacho presidencial e seus efeitos na transação tributária

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Alcançando novos patamares à medida em que se aprimora, a transação tributária tem se consolidado como uma forma ágil e menos onerosa que a usual disputa contenciosa para a satisfação do crédito tributário – em especial, os considerados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Publicada a Lei 14.375/2022, a transação passou a ser possível também para o crédito tributário ativo na Receita Federal, o que ensejou a publicação dos Editais RFB 1 e 2/2022 – destinados primordialmente aos créditos irrecuperáveis, além da Portaria Conjunta PGFN/RFB 1/2023, que criou o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (PRLF), também conhecido como Litígio Zero.

A procura dos contribuintes aos Editais se intensificaram, principalmente diante da confirmação de que os “créditos constituídos há mais de 10 anos” se tornariam uma janela oportuna para adesão, ainda que a sua classificação, em critérios já existentes, não os colocassem na categoria de difícil recuperação ou de irrecuperáveis.

Ainda assim, surgiram dúvidas a respeito das possíveis interpretações em relação à aferição da capacidade de pagamento da empresa (CAPAG) e até mesmo do grau de recuperabilidade do débito, com especial dúvida de qual órgão teria competência para dispor sobre o tema.

Nessa linha, o Despacho Presidencial, publicado em 13 de abril deste ano, trouxe mudanças substanciais em relação aos limites existentes na aplicação da transação tributária pela Receita, principalmente em relação à definição da CAPAG, tida como de competência exclusiva da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Independentemente dos efeitos que serão aqui tratados e dos rumos que se expandem, fato é que seu o teor, que aprovou o quanto adotado no Processo nº 00400.000031/2023-52 – Parecer JM – 02, de 06 de abril de 2023, do Advogado-Geral da União (…), possui força vinculante para toda a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento a partir do seu conhecimento – vide art. 40 e ss. da Lei Complementar 73/93 -, chancelado pelo art. 10-A e ss. da Lei 13.988/20, inseridos com a mudança legislativa aprovada em 2022.

Expostas tais constatações, passemos, então, a falar dos três principais efeitos promovidos.

O primeiro trata que a participação prévia da PGFN nos atos de transação realizados pela Receita Federal passa a ser obrigatória, em razão da necessidade do exame prévio da legalidade nesse ato. Isto porque, sendo, a transação, um acordo entre as partes com concessões mútuas, a atração do inciso IV do art. 12 da lei nº 73/93 e do art. 131 da CRFB/88 é praticamente automática.

O segundo diz respeito à atribuição exclusiva da PGFN para a fixação da CAPAG e o grau de recuperabilidade. Apesar de não vermos problema quanto à centralização em um ente – previsão essa já constante no § único do art. 14 da lei nº 13.988/20, é preciso uma criteriosa revisão dos métodos hoje adotados para que a capacidade reflita, de fato, a realidade da saúde financeira do contribuinte, e para que não haja uma invalidade dos editais de transação já propostos pela Receita Federal e os futuros.

Uma dúvida surge: em que medida esses dois efeitos desestabilizariam a segurança jurídica das transações já firmadas pela Receita Federal? No entendimento adotado, haveria i) a invalidação ou suspensão dos efeitos das transações firmadas exclusivamente pela Receita, seja individual ou por adesão, por ausência de atuação da PGFN? e ii) para as transações decorrentes de editais publicados em conjunto (Receita e PGFN), pode-se dizer que o requisito de prévia participação já estaria cumprido?

A esse respeito, o secretário especial da Receita Federal, no Ofício 842/2022-Gabinete/RFB acostado ao parecer, informa nos itens 27 e seguintes, que desde a edição da lei autorizativa, já houve mais de 15 mil pedidos de transação perante a RFB, resultando em valores negociados na ordem de mais de R$ 400 milhões, abrangendo a transação de pequeno valor, de irrecuperáveis e de relevante controvérsia jurídica.

Apesar desses dados, infelizmente, tomamos conhecimento de decisões proferidas pela própria Receita Federal revogando transações já firmadas em Editais passados de transação propostas exclusivamente por ela, em cumprimento ao Despacho Presidencial em questão.

As indagações se propagam: Como ficará a questão da CAPAG? Não terá a Receita Federal qualquer margem de interpretação em relação aos critérios objetivos de enquadramento do contribuinte com créditos de difícil recuperação, como é a situação dos créditos “constituídos há mais de dez anos” ou dos devedores falidos?

Como caminho, sugerimos a preservação das transações tributárias já firmadas junto à Receita em prol da segurança jurídica e, para as futuras transações, o compartilhamento e exercício de escuta entre os órgãos, além da compreensão de diversos mecanismos financeiros que impactam diretamente a capacidade real de pagamento disponível pelos próximos cinco anos, sem descontos.

Dentre esses fatores, podemos citar os financiamentos firmados, as linhas de crédito utilizadas, endividamentos com fornecedores, fluxos de caixa, regras contábeis, além da própria dinâmica empresarial setorial – se tratarmos de pessoa jurídica que visa o lucro.

Quanto ao grau de recuperabilidade, não falta, no meio acadêmico, sólidas pesquisas acerca do status moroso do nosso contencioso, os quais podem contribuir, de forma robusta, para a revisão dos critérios e/ou inserção de novos, em busca da concessão de descontos que estejam em conformidade com a legislação e busquem equidade na coexistência entre os critérios objetivos e subjetivos ora estabelecidos.

Por fim, o terceiro efeito, refere-se ao conceito do contencioso administrativo fiscal para fins de transação. Para fins do parecer, só se enquadraria naquele conceito os procedimentos/processos administrativos originados a partir da apresentação de manifestação do contribuinte que atribua a suspensão da exigibilidade ao crédito tributário – cf. inciso III do art. 151 do CTN. Será que faz sentido?

Esta limitação impede de considerar na transação de contencioso administrativo débitos cujas discussões estão fundamentadas na Lei 9.784/99 (processos que envolvam compensação não declarada, arrolamento de bens, programas de parcelamento e garantias) e nos procedimentos do Decreto 7.574/11 (processos de consulta, classificação fiscal de mercadorias, entre outros). Ou seja, apenas as impugnações, as manifestações de inconformidade e os recursos a eles atrelados no Regulamento do Processo Administrativo Fiscal (RPAF) é que seriam passíveis de eleição.

Há, sem dúvidas, um debate interessante acerca da aplicação subsidiária ou não da norma geral de processo administrativo federal, em especial a extensão de interpretação do art. 69 da Lei 9.784/99 – a qual entendemos como plenamente possível; como também da possibilidade de migração de parcelamentos já firmados para a transação, especialmente quando há rescisão de parcelamento e a geração de uma nova discussão contenciosa na via administrativa.

Apenas para apimentar nosso debate: haveria, talvez, uma omissão preocupante do legislador em não especificar se os recursos que não possuem efeito suspensivo se enquadrariam como objetos passíveis de transação, gerando esta insegurança do que deve ser entendido como “contencioso”?

Esse risco se potencializa a luz do despacho: na adesão à transação na Receita, o contribuinte gera um dossiê e, quando da inclusão dos débitos, assume o risco em sua interpretação do que entende ser “contencioso”, ficando à mercê se do posicionamento do fiscal futuro para homologação ou não do seu pedido.

Há, ainda, diversos aspectos a serem explorados para debate nas transações propostas pela Receita, tais como a possibilidade de adesão parcial dos débitos, a forma na utilização do prejuízo fiscal e a base negativa de CSLL, manifestações em caso de indeferimento do pedido de transação e a utilização de precatórios para quitação dos valores.

Sem prejuízo de esgotá-los, desenvolveremos esses temas nos próximos artigos da coluna Pauta Fiscal.

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