A infraestrutura e a distribuição de dividendos: o PL 2257/2023

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A súmula 187 do STF indica que o dano causado a terceiros, mesmo pelo agente privado na prestação do serviço público, enseja responsabilidade objetiva. O tema 940 do STF esclarece que a ação deve ser perseguida contra o Estado ou contra a pessoa jurídica que o efetiva, que deve indenizar o lesado, sendo assegurado apenas o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

As mesmas empresas de infraestrutura e outros serviços públicos que causam danos também estão sujeitos a infrações civis cometidas por terceiros. Seus ativos podem ser destruídos, sua regular atividade pode ser comprometida. Impõe-se, também, o dever do ressarcimento.

Se a responsabilidade objetiva robustece a garantia de ressarcimento nas infrações do poder público, devem-se buscar também garantias de que o poder público seja ressarcido. Tal assertiva ganha ainda mais relevância porque os infratores, após o abalo causado, podem tentar-se desvencilhar de obrigações e alienar o controle ou a participação na sociedade empresária. Eventual venda pode privilegiar a remuneração dos acionistas e dirigentes da sociedade infratora em detrimento da recuperação dos ativos e serviços públicos lesados. A simples modificação da estrutura societária pode postergar medidas de ressarcimento da empresa de infraestrutura e dos serviços estatais.

Que tal darmos concretude ao problema? Recentemente os grandes veículos de mídia noticiaram a oferta da sociedade árabe Adnoc para a aquisição do controle societário da Braskem. O assunto tem contornos especiais, precisamente em face das ações de ressarcimento em trâmite que buscam a responsabilização da Braskem pelos danos decorrentes das atividades minerárias em Maceió (AL). Cuida-se de um dos mais graves desastres ambientais, urbanos e sociais, que trouxe prejuízos à infraestrutura e serviços públicos, causando afundamento do solo em vários bairros da capital alagoana.

Buscando contornar a preterição do interesse público pelo interesse privado, a Câmara dos Deputados aprovou, neste mês, urgência para o trâmite do PL 2257/2023. A intenção é fortalecer o arcabouço de responsabilização jurídica das empresas em situações de desastres ambientais, sociais, econômicos e culturais, especialmente em situações que ensejem o deslocamento forçado de pessoas. O projeto prevê, entre as sanções, a vedação de alienação societária de empresas nessa condição antes do cumprimento integral da reparação pelos danos causados e até mesmo a suspensão da atividade econômica empresarial até a verificação da reparação total das vítimas.

O debate encontra eco em outras situações recentes. A Vale também foi bastante criticada porque os valores direcionados a título de lucros e dividendos aos acionistas foi relevante, mesmo sem a conclusão de todas as indenizações pelos danos causados pela tragédia ocorrida em Brumadinho (MG). 

Não é segredo que o direito cumpre o fundamental papel de oferecer segurança para a atuação dos agentes econômicos na consecução dos seus objetivos privados. Mas isso não derroga a necessária busca pela realização de outros objetivos igualmente (ou ainda mais) relevantes: promoção da devida reparação de direitos antes de se contemplar interesses privados da pessoa jurídica causadora do dano e de seus beneficiários.  

Da mesma forma que se concebe uma responsabilidade objetiva para o Poder Público ressarcir os seus ilícitos, é primordial garantir que interesses patrimoniais eminentemente privados não sejam contemplados antes do ressarcimento por graves infrações à comunidade, ao meio ambiente e ao patrimônio de serviços coletivos, especialmente em caso de grandes desastres.

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