Empreendedoras vencem a extrema pobreza nas favelas de Minas

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Elas já enfrentaram os mais variados tipos de dificuldades impostas pela pobreza extrema. Coitadinhas? Não, vencedoras. Para elas, o sofrimento não representou desânimo de encarar a luta. A partir do próprio esforço, encontraram uma maneira de gerar renda e vencer os obstáculos. Esta é a realidade vivida por mulheres que nasceram em áreas vulneráveis, mas que foram à luta, amenizaram o sofrimento e estão conseguindo mudar de vida com pequenos negócios ou prestação de serviços.
O Estado de Minas foi a campo e, a partir desta edição, conta a história de “mulheres lutadoras e vencedoras”, verdadeiras guerreiras, que, no dia a dia encaram e superaram o preconceito, a pobreza e outras adversidades. A reportagem conheceu de perto o esforço de dedicação de Damares, mulher negra, mãe de seis filhos, que fala abertamente dos momentos em que enfrentou a fome em um ambiente marcado pela violência. Sozinha, sem marido, ela encontrou um meio de sobrevivência para si própria e os filhos, em um ofício que, além de gerar renda, é um fator de elevação da autoestima e de valorização da cultura negra: trabalha como trancista – faz tranças de cabelo.
Outra lutadora é dona Teresa, mãe de seis filhos e avó de 13 netos, que, mesmo na terceira idade, mantém o negócio que a ajudou a criar sua família: um carrinho de pipoca. Na infância, na zona rural onde nasceu, ela trabalhou com a enxada na lavoura, o que a afastou da escola. Na adolescência, foi morar na cidade e deu duro como doméstica. “Trabalhei em casa onde não tinha comida pra mim”.
Já Kelly enfrentou o drama da gravidez na adolescência, aos 13 anos, o que a obrigou a abandonar a escola. Teve a segunda gestação aos 16 anos e experimentou muitos outros percalços. Hoje, supera as dificuldades fazendo trabalhos manuais, morando com as duas filhas na zona rural.
Por sua vez, Fabiana, após uma infância difícil por causa da pobreza, teve que abandonar, aos 17, a família no lugar onde nasceu, para trabalhar em casa de família e estudar. Fez cursos de estética e de cabeleireira. Hoje, ela é dona de um bem montado estúdio de beleza em Montes Claros, no Norte de Minas, onde emprega 12 pessoas e, em breve, vai inaugurar sua sede própria e ampliar o negócio e os postos de trabalho.
O esforço das mulheres de áreas carentes para melhorar de vida e gerar renda com as próprias mãos foi abordado na pesquisa “Empreendedorismo nas Favelas de Minas Gerais”, realizada pelo Sebrae Minas em parceria com o Data Favela /Instituto Locomotiva. O estudo foi feito no segundo semestre do ano passado, em comunidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do interior do estado.
De acordo com a pesquisa, 45% das mulheres empreendedoras das favelas mineiras identificaram uma chance de negócio ou um nicho de mercado e abriram um negócio. Por outro lado, 52% das entrevistadas empreenderam por necessidade, buscando uma alternativa para arcar com seus custos prioritários.
O estudo ainda mostrou o perfil das empreendedoras das favelas mineiras: 75% são negras, 45% têm entre 30 e 45 anos e 44% cursaram até o ensino fundamental completo. Além disso, sete de cada 10 mulheres que têm um negócio são mães. “São chefes de família que se dividem entre os afazeres domésticos e maternos e a rotina de comandar e administrar o seu próprio negócio. Também veem no empreendedorismo uma alternativa para terem mais tempo com seus filhos”, avalia Marcelo Souza e Silva, presidente do conselho deliberativo do Sebrae Minas.
Segundo o levantamento, quatro em cada 10 empreendedoras das comunidades do estado realizam as atividades do seu negócio em casa. Em relação ao tipo de empreendimento, 32% das mulheres das favelas mineiras têm negócios no setor de prestação de serviços, 31% se dedicam ao comércio de produtos feitos por terceiros e 29% atuam com a produção e venda de bens e produtos artesanais. Já as atividades em que há um maior número de empreendedoras atuando são: beleza e estética (29%), alimentação e bebidas (26%) e vestuário e acessórios (15%).
Na pesquisa, foram entrevistados 1.004 empreendedores de comunidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Aglomerado da Serra, Alto Vera Cruz, Conjunto Taquaril, Morro Alto e Nova Contagem), Araçuaí (Calhauzinho), Montes Claros (Bairro Cidade Conferência Cristo Rei), Araguari (Bela Suíça – I, II e II, Independência, São Sebastião, Monte Moria e Vieno) e Congonhas (Residencial Gualter Monteiro).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 3% dos domicílios de Minas Gerais estão localizadas em favelas – isso corresponde a mais de 231 mil domicílios na capital e em cidades do interior. Ainda segundo o IBGE, em Belo Horizonte, mais de 12% das moradias estão nessas localidades.
 
 

Superação trilhada na cultura afro

 
Uma das lutadoras e vencedoras de áreas carentes a partir do esforço próprio é Damares Aparecida Pinto, de 40 anos, mãe de seis filhos. De família pobre, ela nasceu no Aglomerado Cidade Cristo Rei, em Montes Claros, no Norte de Minas, uma das comunidades incluídas na pesquisa ‘Empreendedorismo nas Favelas de Minas Gerais”, realizada pelo Sebrae Minas em parceria com o Data Favela /Instituto Locomotiva.
O estudo apontou que 75% das empreendedoras desses locais são negras, como Damares. Ela recorda das muitas dificuldades que já enfrentou e considera que mais dura foi a “falta de dinheiro para comprar comida para os filhos”. Damares superou as barreiras aprendendo um ofício ligado à própria valorização da cultura negra: o trabalho como trancista, fazendo penteados e alongamentos, que destacam a beleza de cabelos crespos e valorizam a cultura afro, contribuindo para a conscientização contra o preconceito e o racismo.
Hoje dona de um bem montado salão também em Montes Claros, Fabiana Cardoso Dias, de 33 anos, também está entre as mulheres que superaram dificuldades em série e se tornou senhora da própria renda. “O salão mudou minha vida”, conta a empresária, que durante uma parte da adolescência trabalhou como empregada doméstica durante o dia para estudar à noite. Atualmente, emprega 12 pessoas, número que vai aumentar para 18 em breve, quando vai inaugurar a sede própria do seu estabelecimento. Além das conquistas como empreendedora, ela manifesta outra satisfação: “sou mulher preta de corpo e alma”. “Cada uma tem que usar o melhor de si. Precisa usar a criatividade e inovar sempre. Somente assim que conseguimos a mudança”.
O negócio de Damares ainda é mais tímido, mas ela conta que sua vida de “sem nada” começou a mudar há seis anos, quando começou fazer os penteados trançados que aprendeu pela internet. “No início, fiz as tranças em meu próprio cabelo e não ficou lá essas coisas. Depois, aprimorei bastante e hoje sou uma boa trancista”, garante Damares, que hoje domina vários modelos de tranças, como nagô, box braid (boxeadora) e twist.
Ela considera, entretanto, que seu maior feito foi conseguir, com a profissão, garantir renda para alimentar seus seis filhos, que cria sozinha. O mais velho é Jeferson, de 14 anos, e o caçula, Flávio Gael, de apenas 8 meses. “Hoje, posso alimentar os meus filhos. Não falta nada”, comemora a mulher, lembrando que já viveu situação bem mais complicada. “Antes faltava dinheiro para comprar comida e outras coisas, como pagar contas de água e luz. Eu também não tinha como dar conforto a meus filhos. Não tinha condições de ir a uma lanchonete e muito menos a uma pizzaria.”
Damares se diz apaixonada pelo que faz. “Para quem antes não sabia fazer nada, ter uma profissão hoje é motivo de muito orgulho”. Ela manifesta o mesmo sentimento em relação à cor de sua pele. “Tenho muito orgulho de ser negra. Ainda existe muito preconceito, mas estamos vencendo isso”,considera.
A pequena empreendedora assegura que também se sente empoderada por proporcionar alimentar a autoestima de outras mulheres, especialmente as moradoras da comunidade onde vive e labuta. “Às vezes, a pessoa entra aqui cabisbaixa e sai com um sorriso no rosto e o brilho nos olhos. Isso pra mim é incrível.”
VIOLÊNCIA DE PERTO O Aglomerado Cidade Cristo Rei já viveu um período de muita violência e mortes relacionadas à disputa pelo tráfico de drogas. O período sombrio é relembrado por Damares. “Já presenciei muita violência. A gente tinha muita apreensão, com medo de sair de casa por causa do risco de balas perdidas”,  conta. “Mas, hoje está tudo tranquilo”, assegura. O clima de paz citado por ela foi confirmado pela reportagem do Estado de Minas, que, por várias vezes, circulou pela comunidade sem problemas, acompanhando o ir e vir de adultos e crianças em suas ruas estreitas.
Após ter superado as barreiras impostas pela pobreza e o preconceito, Damares Aparecida Pinto dá dicas para que outras mulheres encarem as agruras e vençam os desafios, gerando a própria renda. “Acho que todo mundo pode romper as barreiras e melhorar de vida. Para isso, basta ter foco, determinação e fé”, recomenda.
 
 

Movidas pelo desafio da subsistência

 
A maioria das mulheres empreendedoras das áreas carentes transformou o próprio negócio numa garantia de subsistência. Elas também foram “incentivadas” pelas dificuldades impostas pela pandemia do coronavírus. “A maioria dessas mulheres começou a empreender por necessidade. Não porque elas viram uma oportunidade, mas sim porque o empreendedorismo foi uma forma de garantir a subsistência de sua família. Durante a pandemia, muitas delas ainda se viram desafiadas a trabalhar e cuidar dos filhos em tempo integral, já que as creches estavam fechadas”, afirma Patrícia Delgado, analista do Sebrae Minas, ao avaliar os resultados da “Empreendedorismo nas Favelas de Minas Gerais”. “A pesquisa mostra justamente essa realidade: pelo menos um quarto das empreendedoras realizam as atividades do seu negócio em casa”, completa.
A especialista salienta que as empreendedoras de áreas de baixa renda têm como desafio manter o negócio e elevar a autoestima. “Gerir um negócio, ser seu próprio chefe, estar no controle dos seus ganhos são iniciativas que já trazem um aumento da autoestima para qualquer pessoa. Estar preparado para assumir esses desafios é fundamental para o sucesso do empreendimento”, destaca. Ela lembra que o Sebrae tem um programa que incentiva e apoia o empreendedorismo feminino: o Sebrae Delas.
Patrícia Delgado salienta ainda que as empreendedoras das áreas mais vulneráveis devem se preparar para investir em qualquer atividade. Não existe um indicativo de atividades mais propícias às mulheres. “De um modo geral, podemos dizer que quando se está preparado, é possível ter sucesso em qualquer empreendimento. Porém, a maioria das mulheres empreende em alguma atividade em que já tem conhecimento e experiência”, relata. De acordo com a última pesquisa do próprio Sebrae, baseada em dados do IBGE, de 2022, o Brasil atingiu a marca de 10,3 milhões de mulheres donas de negócios, representando 34% dos empreendedores no país.
A analista do Sebrae destaca que o fato de Minas Gerais ter 3% dos seus domicílios (231 mil) em favelas também mostra a relevância do empreendedorismo nessas áreas. “Muitos dos que vivem nessas localidades são empreendedores ou potenciais empreendedores, que almejam o crescimento de seus negócios e o desenvolvimento local”, afirma. Ela lembra que Sebrae Minas desenvolveu o programa Comunidade Empreendedora, que tem como objetivo capacitar pessoas de lugares em situação de vulnerabilidade. 
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