Dispute System Design: revolucionando a prevenção e resolução de disputas

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As últimas décadas, em especial o século 21, têm sido marcadas por novos tipos de relações sociais, geopolíticas e interpessoais, sendo lugar comum afirmar que vivemos em um mundo volátil, incerto, ambíguo e complexo (VUCA). O surgimento de divergências antes desconhecidas e o aprofundamento/agravamento de conflitos já existentes é um reflexo da dificuldade de lidarmos com interesses diferentes e divergentes; cenário que, tudo mais constante, apenas dá mostras de se intensificar.

Historicamente reconhecido por sua alta litigiosidade, o cenário envolvendo a resolução – e a prevenção – de disputas é ainda mais complexo no Brasil. Com incentivos mal alocados para que partes acessem a justiça, iniciem e mantenham litígios, o país enfrenta um sistema judicial congestionado, que consome recursos públicos e privados sem necessariamente solucionar tais disputas ao tempo e modo desejados pelos interessados.[1]

Neste cenário, torna-se central que operadores do Direito (em geral) e gestores jurídicos (em particular) busquem ferramentas adequadas não apenas para solucionar – mas principalmente prevenir – disputas, de modo a gerar maior valor aos seus constituintes.

Do ponto de vista das empresas, a experiência mostra que o estudo, identificação e tratamento das causas raízes de contencioso são métodos centrais de geração de valor. O aprendizado com os “erros” que desaguam em disputas tem o condão de prevenir perdas financeiras, melhorar pactos (documentos/contratos, com melhor enforcement, alinhamento de interesses e alocação de risco) e modelos de negócio centrados na melhor experiência do cliente.

Mas o que fazer para não apenas melhorar o futuro dessas organizações, mas também seu presente, já repleto de contingências e provisões (não raro em valor superior à sua geração de caixa, como revelam demonstrativos contábeis e formulários de referência de companhias abertas) empreendidas em razão da existência de processos judiciais? Dispute System Design e Legal Design nos parecem caminhos interessantes ainda pouco explorados – e testados – no Brasil.

Dispute System Design é uma expressão cunhada por William Ury, Jeanne M. Brett e Stephen B. Goldberg em 1988 no livro Getting Disputes Resolved: Designing Systems to Cut the Costs of Conflict[2] e está enraizada em ideais pós-modernos ligados ao movimento de métodos adequados – ou de acordo com a doutrina mais arcaica “alternativos” – de solução de disputas que surgiu na década de 1970 nos EUA.

Dispute System Design envolve, fundamentalmente, o processo de diagnóstico, design, implementação, avaliação e difusão de sistemas adequados de prevenção e solução de disputas (ou seja, entrevistas – e não interrogatórios – com stakeholders e partes, gestão de conflitos, mapeamentos, arranjos e rearranjos organizacionais e procedimentais, facilitação, conciliação, mediação, arbitragem, Dispute Boards, pre-deal mediations, etc.)

Na década de 1980, diversos professores da Universidade de Harvard, com destaque para Frank Sanders, Roger Fisher e William Ury, sistematizaram o processo de negociação após a realização de pesquisas visando o início do ensino e da reflexão acadêmica acerca de um processo até então um tanto intuitivo. Os professores de Harvard descrevem a comunicação e o relacionamento como os primeiros elementos da teoria, pois trata-se de portas de entrada para o processo de negociação.

Os autores apontam que os negociadores são indivíduos que têm valores, origens culturais, experiências pessoais e emoções específicas. Portanto, ser eficiente na comunicação e valorizar o relacionamento ao longo do processo de negociação é extremamente importante. Ademais, a empatia é fundamental para que o relacionamento seja cordial, respeitoso e frutífero.

Não por acaso, Cathy Constantino e Christina Merchant ao publicarem em 1995 o livro Designing Conflict Management Systems: A Guide to Creating Productive and Healthy Organizations[3] expandiram o enfoque de Dispute System Design para também abarcar questões de design organizacional, criando o que convencionou-se chamar de Conflict Management Systems Design e impulsionando o desenvolvimento de sistemas internos de reclamações e sistemas integrados de gestão de conflitos – não apenas de disputas.

No entanto, o amálgama para a utilização eficiente de tais alternativas passa pelo desenvolvimento de competências usualmente ignoradas na tradição das escolas de Direito. Mais do que nunca, conhecimentos interdisciplinares de design, finanças, economia, negociação, administração, contabilidade, tecnologia, análise de dados, comunicação, psicologia, entre outros, serão centrais para dotar a/o advogada/o de visão holística e estratégica para a solução de problemas de maneira rápida, eficaz, escalável e que passem ao largo da congestionada via judicial.[4]

E o que o Legal Design tem a ver com tudo isto?

Ao contrário do que o senso comum estabeleceu no Brasil, Legal Design não é sobre a beleza de um documento, a utilização de ícones e QR codes em contratos, post-its na parede ou a adoção apenas estética de design de informação e design gráfico.

A definição que nos parece adequada é que Legal Design trata da utilização de técnicas e áreas de Design (facilitação, entrevistas, design de experiência do usuário, design thinking, design sprint, design de serviços, design de interface, etc.) para desafios, contextos e problemas jurídico-regulatórios.

Legal Design não é sinônimo de Visual Law (expressão conhecida apenas no Brasil e restrita tão somente à aplicação de Design de Informação e Design Gráfico a documentos jurídicos). Legal Design é, prioritariamente, colocarmos a experiência do ser humano no centro do processo criativo, com foco na acessibilidade e no engajamento. Com efeito, o design se ancora na empatia e na investigação sobre causa raiz, comunicação e relacionamento – alicerces fundamentais para a prevenção e resolução de disputas.

Por tudo isso, parece-nos urgente que os profissionais do direito se utilizem do conhecimento contido em disciplinas que usualmente passam ao largo do ensino jurídico, como as do Dispute System Design e do Legal Design, como ferramentas   que auxiliam a revisão de processos, fluxos de trabalho, bem como possibilitam  prevenir e resolver disputas, em escala. Não temos dúvidas de que este caminho (sem volta) é uma alavanca de grande geração de valor a quem dela se utilizar.[5]


[1] Nada obstante a existência de iniciativas louváveis no sentido da racionalização do sistema, como a Portaria 113/22 do CNJ (que Institui Grupo de Trabalho para realizar estudos, avaliar e apresentar propostas de políticas judiciárias de ampliação do acesso à justiça, melhoria dos regimes de custas, taxas, despesas judiciais e gratuidade de justiça ao Conselho Nacional de Justiça).

[2] https://www.williamury.com/books/getting-disputes-resolved/

[3] https://www.amazon.com.br/Designing-Conflict-Management-Systems-Organizations/dp/0787901628

[4] https://cdn.ymaws.com/acrnet.org/resource/resmgr/docs/SPIDR_Report_on_Competencies.pdf

[5] Não por acaso, a grade de disciplinas optativas de todas as pós-graduações da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo já conta com a oferta de Dispute System Design, Legal Design e Negociação lecionadas pela autora (Carolina Hannud Medeiros).

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