Após 25 anos, STF finaliza julgamento da ADI 1625

Na última sexta-feira (26), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1625, que discutia a retirada do Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. À época, FHC decretou unilateralmente a saída do Brasil do tratado, gerando reações por parte de parlamentares e entidades de classe, que argumentavam que a retirada (ou, no jargão jurídico, a “denúncia” do tratado) deveria ter sido aprovada pelo Congresso Nacional antes da decretação pelo presidente.

Fundamentalmente, a ação no STF tratava de um tema historicamente mal resolvido no país: pode o presidente determinar a retirada do Brasil de um tratado internacional sem prévio aval do Congresso? 

Embora aparente tratar de um tema técnico, a decisão do STF é histórica e vem em um momento importante. No Brasil, a questão tem causado controvérsia nos meios jurídico e diplomático ao menos desde 1926, quando o então presidente Artur Bernardes determinou unilateralmente a saída do Brasil da Liga das Nações, entidade predecessora da Organização das Nações Unidas.

Mais recentemente, a ascensão de presidentes hostis às instituições e normas internacionais tem explicitado ao redor do mundo o desequilíbrio entre poderes presidenciais para aderir a tratados internacionais e aqueles para desfazê-los. Enquanto a construção de acordos internacionais exige, na maior parte dos países, aprovação prévia pelos poderes legislativos, a retirada de um país de acordos internacionais reside comumente em uma zona cinzenta, da qual presidentes têm historicamente se aproveitado para agir sem contrapesos. 

Nos EUA, por exemplo, onde a constituição não faz referência à participação do Congresso na denúncia de tratados internacionais, e onde a Suprema Corte recusa-se historicamente a consolidar um entendimento para o tema por considera-lo uma “questão política”, o ex-presidente Donald Trump foi capaz de, em apenas 4 anos, desestabilizar as relações do país com parceiros históricos e determinar sua retirada de alguns dos mais relevantes tratados da política externa norte-americana recente, como o Acordo de Paris, o acordo nuclear com o Irã, e o Tratado de Parceria Transpacífica.  

No Brasil, enquanto a Constituição de 1988 é explícita ao determinar que tratados internacionais devem ser aprovados pelo Congresso Nacional para terem vigência no Brasil, não há no texto constitucional qualquer menção ao papel do parlamento na retirada do país de um tratado internacional. 

Para alguns, o silêncio da constituição implicaria em uma atribuição de poderes ao presidente, que teria autoridade exclusiva para determinar a denúncia de um tratado internacional, independentemente da vontade do parlamento. Para outros, esse mesmo silêncio constitucional originaria uma implícita autoridade do Congresso para chancelar a retirada de um tratado internacional pelo presidente – afinal, se o parlamento tem o poder de aprovar ou rejeitar a entrada do Brasil em um tratado, também o teria em sua saída.

No julgamento da ADI 1625, 10 dos 11 ministros do STF concordaram quanto à impossibilidade de o presidente determinar a retirada do Brasil de um tratado internacional sem aval do Congresso. Sob essa lógica, os ministros concluíram que uma vez que a constituição prevê a participação do Congresso no processo de adesão a um tratado, o aval do parlamento deve ser considerado requisito indispensável para sua denúncia. Não foi formada, no entanto, maioria entre os ministros quanto aos efeitos específicos do julgamento sobre a aplicação da Convenção 158 da OIT no Brasil – discussão que ainda deve se alongar no STF.

Na prática, o estabelecimento de limites claros para os poderes unilaterais em matéria de política externa é urgente para se evitar que presidentes se tornem, sozinhos, agentes de instabilidade no sistema internacional. 

Uma vez definida a posição do STF em relação à exigência de participação do parlamento na denúncia de tratados internacionais, cabe agora ao Congresso regulamentar a questão, tornando-a mais clara no texto constitucional, a fim de garantir mais previsibilidade às relações entre os poderes executivo e legislativo no âmbito das relações internacionais do Brasil, ajudando a reforçar a credibilidade do país no cenário internacional. 

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