Revisão da lei de jogos do Reino Unido

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No último dia 27 de abril, foi publicado pelo governo do Reino Unido um profundo estudo (white paper) para fundamentar a revisão da Lei de Jogos de 2005[1] (Gambling Act 2005[2]).

A atualização teve início em dezembro de 2020 e foi anunciada como uma forma de adaptação à era digital (fit for the digital age), buscando avaliar se a estrutura regulatória do país ainda estaria alinhada aos objetivos originais da lei de 2005 bem como às prioridades do governo. Tais objetivos incluem garantir que as pessoas possam continuar jogando, mas com as proteções necessárias, como a proteção de crianças e pessoas vulneráveis em uma economia de jogo justa e aberta que também seja livre de crimes[3].

A regulamentação britânica, considerada referência no âmbito de jogos e apostas, é uma das normas mais antigas do mundo e há notícias de que inspire também a proposta de medida provisória sobre apostas esportivas que está em gestação no Brasil. Por esta razão, é interessante tecer os breves comentários a seguir sobre a reforma proposta no Reino Unido.

O Gambling Act 2005, em vigor desde setembro de 2007, abrange uma ampla variedade de atividades, como fliperamas, apostas, bingo, cassinos, máquinas de jogos, loterias sociais e jogos de azar remotos. Além disso, a lei estabeleceu a Gambling Commission como principal órgão regulador, definindo suas funções e objetivos.

Todavia, no ano em que o Gambling Act foi redigido, o mundo era bastante diferente e sequer existiam redes sociais como Twitter, Instagram e YouTube. Naquela época, os jogos eram muitas vezes vistos como uma atividade obscura e ilegal, restrita às casas de apostas, ao passo que agora os clientes podem jogar a partir de qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite.

Ciente dessas mudanças, a proposta de revisão do Gambling Act 2005 está estruturada em torno de seis temas centrais, quais sejam: proteções online de jogadores e produtos, marketing e publicidade, poderes e recursos da Gambling Commission, resolução de litígios e reparação do consumidor, crianças e adultos jovens e jogos de azar não virtuais. Em síntese, as principais propostas trazidas são:

  • Verificação, pelos operadores online, das condições financeiras dos clientes, em busca de sinais das perdas substanciais. A proposta abrange verificações leves em níveis de gastos moderados (£ 125 em um mês ou £ 500 em um ano) e aumentam para verificações mais detalhadas para os maiores gastadores (£ 1.000 em um dia ou de £ 2.000 em 90 dias).
  • Limite de aposta para jogos de slots online (caça-niquéis), tidos como o produto de maior risco. Sujeito à consulta, o limite será entre £ 2 e £ 15 por rodada, e haverá medidas para oferecer maior proteção aos jovens de 18 a 24 anos (que podem incluir um limite de £ 2 por aposta; um limite de £4 por aposta; ou uma abordagem baseada no risco individual).
  • Ações de prevenção de danos, como (i) tornar os jogos online mais seguros, revisando as velocidades e removendo recursos que aumentam os riscos; (ii) garantir que incentivos como bônus e apostas grátis sejam construídos de maneira socialmente responsável e não agravem o risco de danos; e (iii) fortalecer as mensagens informativas, inclusive sobre os riscos associados ao jogo.
  • Consulta sobre como tornar obrigatório o compartilhamento de dados de clientes de alto risco entre operadores remotos, visando à prevenção colaborativa de danos.
  • Melhoria nas ferramentas que permitem ao jogador gerenciar seu comportamento de jogo e limitar o risco de danos. Por exemplo, a Gambling Commission fará consultas sobre tornar obrigatórios os limites de depósito online e disponibilizar informações claras sobre perdas anuais e/ou totais da conta.
  • Compromisso voluntário da Premier League, em linha com as mudanças nas regras de publicidade, de remover o patrocínio nas camisas de jogadores por empresas de jogos de azar no final da temporada de 2025/2026.
  • Revisão das taxas pagas pelos operadores de jogos à Gambling Commission para garantir que a autoridade tenha os recursos necessários para fazer uso dos dados, bem como para atuar contra o mercado negro, em estreita colaboração com outras agências reguladoras e forças policiais.
  • Introdução uma taxa estatutária paga pelos operadores diretamente à Gambling Commission para financiar pesquisas, educação e tratamento dos danos do jogo.
  • Introdução de um novo sistema para lidar com disputas e fornecer reparação adequada por perdas causadas por falha de responsabilidade social das operadoras.
  • Regulamentação dos cassinos e permissão para que explorem apostas esportivas, podendo oferecer créditos a visitantes internacionais submetidos a verificações rigorosas de risco financeiro e lavagem de dinheiro.
  • Desenvolvimento de opções de pagamentos sem dinheiro em máquinas de jogos, como pagamentos digitais baseados em aplicativos, que podem ser usados para tornar o jogo mais seguro e reduzir riscos de lavagem de dinheiro.
  • Relaxamento da regra da máquina 80/20 para 50/50[4], para que as empresas possam oferecer escolha e flexibilidade aos clientes, mantendo uma oferta equilibrada de produtos de jogos.
  • Revisão do limite das taxas de licença de instalações pelas autoridades locais, semelhante ao que foi feito com a venda do álcool, introduzindo novos poderes à Gambling Comission para realizar avaliações de impacto cumulativas.
  • Revisão do imposto sobre apostas em corridas de cavalos, que faz parte da cultura esportiva britânica e é importante para sua economia rural, objetivando garantir a manutenção do nível apropriado de financiamento do setor.

Os próximos passos da proposta do governo do Reino Unido ocorrerão no Parlamento britânico e o tempo necessário para a maturação política da revisão ainda é incerto. Apesar de haver pontos dissonantes da realidade brasileira, há claros aspectos convergentes, razão pela qual a análise do documento de 268 páginas, que contou com aproximadamente 16 mil contribuições ao longo dos quase três anos em que tramitou no Executivo, é rica fonte para as discussões no âmbito do governo brasileiro, na iniciativa de regulamentação do mercado de apostas esportivas, e para o Congresso Nacional, nos projetos de lei mais amplos sobre o tema.


[1] High stakes: gambling reform for the digital age. Texto integral do white paper disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/high-stakes-gambling-reform-for-the-digital-age

[2] Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/19/contents

[3] Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/review-of-the-gambling-act-2005-terms-of-reference-and-call-for-evidence/review-of-the-gambling-act-2005-terms-of-reference-and-call-for-evidence

[4] A regra da máquina 80/20 é uma regulamentação que restringe o equilíbrio de máquinas de jogos em determinadas categorias em locais de bingo e arcade. Tais categorias variam de acordo com o tamanho das apostas e dos prêmios em dinheiro e a nova regra busca tornar mais flexível a distribuição das máquinas.

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