Maurício Pestana: Um congresso que não nasceu hoje

“Primeiro, vieram buscar os comunistas, mas, como eu não era comunista, eu me calei. Depois, vieram buscar os judeus, mas, como eu não era judeu, eu não protestei. Então, vieram buscar os sindicalistas, mas, como eu não era sindicalista, eu me calei. Então, eles vieram buscar os católicos e, como eu era protestante, eu me calei. Então, quando vieram me buscar… Já não restava ninguém para protestar” (Martin Niemöller).

Este poema, escrito no século 19, reflete bem o momento que vivenciamos no Brasil do século 21 com o silêncio da sociedade diante do avanço de pautas conservadoras, retrógradas, de séculos atrás.

A questão indígena e ambiental brasileira há muito deixou de ser específica dos povos originários, é hoje uma questão urgente e de sobrevivência para todos nós e, como relata o poema de Niemöller, em pouco tempo não teremos ninguém para protestar por nós.

Analisando os últimos dez anos, dá para perceber que o avanço do desmatamento amazônico tem muito a ver com a sociedade e os valores que também emergiram nesse período, sobretudo, no aspecto político.

Em 2014, segundo um estudo realizado pelo Ibope, o Brasil empossou o Congresso mais conservador do período pós-ditadura militar.

Eram quase nulas as presenças de parlamentares que vinham de classes populares e os que vinham não eram mais como das décadas anteriores, de bases sindicais trabalhistas, agora eram de igrejas conservadoras, neopentecostais, os novos celeiros das classes políticas populares, isto para citar uma ínfima parcela deste Congresso.

No intuito de decifrar um pouco do conservadorismo vencedor das eleições de 2014, dois anos depois, em 2016, o mesmo instituto fez um novo levantamento sobre o conservadorismo que já assustava e os números apontavam o que vinha pela frente: 54% dos brasileiros tinham posições conservadoras em relação a questões como legalização do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte e redução da maioridade penal.

A análise também fez um comparativo a pesquisas anteriores, realizadas desde 2010, e repetidas, ano após ano, mostrando uma variação importante.

Em temas ligados à violência, todos os questionamentos apresentaram sempre oscilações para cima. A porcentagem de pessoas a favor da pena de morte saltou de 31% para 49%.

Quando a pergunta era acerca da prisão perpétua para crimes hediondos, a porcentagem passou de 66% para 78%, entre outros.

“Um país que nasceu do Estado, forjando uma economia escravocrata e mais tarde, muito desigual, só poderia ser governado por elites cujos acordos excluíam as vontades populares. Há uma camada que sempre foi extremamente conservadora no Brasil e que agora encontrou meios de manifestação”, disse.

A desigualdade é um fator que ajuda a explicar o conservadorismo atual, acredita José Álvaro Moisés, professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e diretor científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas – NUPPs/USP.

A ação dos deputados, nos últimos dez dias, lembrou os tratores que arrancam as árvores com correntes na Amazônia, foram rápidos na sessão da noite de quarta-feira (24) e em 29 minutos, aprovaram a medida provisória e trouxeram de volta alterações que afrouxam a proteção da Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do país.

A medida provisória original, editada pelo então presidente Jair Bolsonaro, tratava da prorrogação do prazo para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental.

Mas, no fim de março, os deputados incluíram no texto os chamados jabutis, que facilitam o desmatamento.

Um bilhão e setecentos milhões de reais em emendas parlamentares foram liberadas no último dia de maio de 2023, este foi o preço pago para que o governo eleito em 2022 pudesse manter seu ministério como desenhou durante sua posse mesmo que, para isto, siga desidratado em uma de suas principais bandeiras: a área indígena e ambiental.

Um preço alto pago para um Congresso que não tomou posse em 2023 e sim quase uma década e, de lá para cá, só piorou sua atuação, representatividade e ganância.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Maurício Pestana: Um congresso que não nasceu hoje no site CNN Brasil.

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