Tributação e sustentabilidade: uma agenda para o futuro

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No Dia Mundial do Meio Ambiente, queremos inaugurar os debates e desafios em relação à tributação e a sustentabilidade. Embora tenhamos escrito este artigo num dia tão importante para uma agenda igualmente essencial nos últimos tempos, isso não significa que o nosso tema resumir-se-á apenas às questões ambientais. Mostraremos que a relação da tributação inclui também as agendas sociais e econômicas no Brasil.

Nesta série de cinco artigos, discutir como a tributação se relaciona com o desenvolvimento sustentável é compreender que se trata de uma ferramenta para arrecadação de receitas, bem como de um instrumento de política que encoraja estratégias sustentáveis e influencia os comportamentos desejados relacionados ao clima, natureza, bem-estar e governança[1].

Para isso é de fundamental importância que o federalismo fiscal seja colocado a prova, principalmente na forma como o pacto federativo se comportará, pois é imprescindível que os entes tenham autonomia política e fiscal para a implementação das políticas públicas direcionadas à satisfação dos interesses econômicos, sociais e ambientais da Agenda 2030 da ONU.

Em 2015, a Cúpula das Nações Unidas, formada por 193 países-membros, incluindo o Brasil, assumiu um compromisso de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com 169 metas com a finalidade de dar praticidade e implementação ao alcance de estados e sociedades sustentáveis. Os objetivos foram divididos em assuntos temáticos: desde a erradicação da pobreza até a parceria e meios de implementação (ODS 17).

Relembramos que o Brasil, por ser um dos países mais populosos do mundo, com uma das maiores economias, com uma alta matriz energética de recursos naturais e com altos índices de desigualdade social, encontra-se no centro do debate para cumprimento das condições ao desenvolvimento sustentável[2]. Quanto ao protagonismo brasileiro, recentemente Belém foi eleita pela ONU a sede da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30.

Notem que cada eixo dos ODS está em plena vinculação com a tributação, uma vez que eles exercem papel fundamental de capacitação, integração e catalisação à sustentabilidade. Isto permite que a sociedade compreenda as escolhas feitas para um futuro mais justo e sustentável ao planeta, de maneira que a arrecadação tributária, vertida em receitas públicas, financiará estes bens públicos, e a atuação estatal poderá regulamentar o comportamento dos contribuintes.

A função da tributação envolve um redirecionamento da política fiscal brasileira em direção à Agenda 2030, dando prioridade, por exemplo, à conformidade tributária e aos incentivos tributários (ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes). É notória a dificuldade de gerenciar os ODS em torno da tributação, tendo em vista que existem vários stakeholders interessados nesta discussão, fazendo com que não haja uma sinergia entre diferentes setores.

Contudo, se houve um pacto do Brasil perante a Agenda de 2030 em torno do desenvolvimento sustentável, é indissociável que se consiga um equilíbrio na consecução dos ODS, e a política fiscal brasileira deve estar imbuída e permeada neste sentido, incluindo as reformas tributárias, administrativa e, quem sabe, política pretendidas nos próximos anos.

A tributação, como ferramenta de política fiscal, influencia diretamente na difusão dos ODS, porquanto oferece instrumentos para redução da baixa ou pobre produtividade da infraestrutura (ODS 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura), a melhora no oferecimento de educação (ODS 4 – Educação de Qualidade) e serviços de saúde (ODS 3 – Saúde e Bem-estar) e geração de fontes energéticas renováveis (ODS 7 – Energia Limpa e Acessível), o que especificamente envolve as mudanças climáticas. Não obstante, a tributação em países em desenvolvimento, como o Brasil, atua na atração de investimentos internacionais que fomentam a economia nacional (ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico).

Neste cenário, os tributos inseridos num fluxo econômico sustentável e ideal, além de não gerarem uma distorção econômica, permitem o crescimento da economia, aumentando a competitividade dos agentes já existentes e introduzindo novos atores econômicos (ODS 17 – Parcerias e Meios de Implementação[3])[4].

Desta forma, o Brasil deve se responsabilizar por criar um sistema tributário em que cada contribuinte pague a sua parcela justa de tributos[5] (ODS 10 – Redução das Desigualdades), indicando estabilidade e previsibilidade de condutas. Esta perspectiva não basta apenas aos legisladores, mas o conceito de sustentabilidade deve vincular os julgadores de que eles são responsáveis pelo comportamento dos contribuintes.

Diante disto, deve se legitimar o tributo perante a sociedade como fonte de custeio e alcance de uma melhoria econômica e social. Contudo, a legitimação, além de ser um fenômeno visto a longo prazo, envolve uma negociação persuasiva entre os interesses fiscais estatais e dos contribuintes que crie um acordo estável[6]. Deve existir um ambiente favorável tributário com uma maior cooperação entre os contribuintes e o fisco, sem que haja mais a remissão à relacionamentos antagônicos (como “gato e rato”).

Além disto, a tributação como efeito direcionador de comportamentos aos contribuintes é um elemento importante para implementar os ODS, desde que exista uma previsão e garantia de como eles serão executados. Por exemplo: a tributação sobre o tabaco é maior do que para outros produtos essenciais, uma vez que ele é considerado danoso ao bem-estar social (ODS 3 e ODS 12 – Consumo e Produção Responsável) ou fomentar o projeto de geração de energia limpa mediante a desoneração efetuada pelo REIDI na Lei 14.300/2022, aos casos das miniusinas fotovoltaicas (ODS 7).

Contudo, o legislador precisa ter atenção ao promover um ODS em detrimento de outras, porque uma parte da renúncia tributária pode causar um desequilíbrio em relação à consecução de outro(s) objetivo(s)[7]. A maior dificuldade é existir uma integração entre todos os temas da ODS, portanto, as políticas fiscais devem ser coerentes e bastante discutidas com a sociedade, já que a Agenda 2030 possui um comprometimento com as gerações futuras.

Neste raciocínio, um Estado Sustentável requer a transparência de suas ações, não só dos contribuintes ou dos cidadãos em geral, principalmente no que se refere à forma pela qual a arrecadação custeou determinadas ações ou fomentou interesses públicos. É por meio da transparência e da accountability do valor arrecadado com a tributação ou da demonstração de quais setores foram beneficiados fiscalmente que se consegue verificar a eficiência e efetividade dos ODS[8].

Todos esses mecanismos precisam estar alinhados a uma política redistributiva alinhada ao objetivo de gerar maior autonomia política e fiscal aos Estados e Municípios. A ideia é criar ferramentas que melhor explorem o federalismo fiscal brasileiro, por meio do pacto federativo, para que os mencionados entes tenham autonomia na criação, condução e fiscalização das premissas da Agenda 2030 da ONU, a qual o Brasil é signatário.

A descentralização na implementação de tais políticas públicas é fundamental para garantir efetividade no cumprimento de cada detalhe da Agenda 2030 da ONU, já que os principais temas são de competência constitucional de estados e municípios.

Embora acreditemos que não haveria a necessidade de lei para adoção dos ODS, considerando o compromisso do Brasil perante as outras nações, a norma em si obrigará o Poder Público a acelerar tais objetivos, a exemplo da reinstituição do Decreto 8.892/2016, com a criação da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e a rediscussão do PL 1308/2021, que instituiria a Política de Promoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Nossa intenção foi apresentar que o desenvolvimento sustentável é uma garantia de que, no momento presente, o Estado executará ações em direção ao ODS, tutelando às futuras gerações condições melhores de subsistência.

Por isso, não se pode aceitar que o Brasil não tenha apresentado nenhum progresso satisfatório aos 17 objetivos da Agenda 2030, conforme o Relatório Luz 2021[9] apresentado à Câmara dos Deputados. A tributação é a forma de alcance direto do desenvolvimento sustentável, desde que exista um sólido interesse em criar políticas públicas e fiscais e um debate robusto com a sociedade sobre as pretensões que serão concretizadas nos próximos anos.


[1] United Nations Development Programme (UNDP). Tax for Sustainable Development Goals Initiative. Annual Report 2022, 2023

[2] DE SOUZA, Luis Eugenio Portela Fernandes et al. The potential impact of austerity on attainment of the Sustainable Development Goals in Brazil. BMJ Global Health, v. 4, n. 5, p. e001661, 2019.

[3]“17.1 fortalecer a mobilização de recursos internos, inclusive por meio do apoio internacional aos países em desenvolvimento, para melhorar a capacidade nacional para arrecadação de impostos e outras receitas”.

[4] STAHEL, Walter R. Policy for material efficiency—sustainable taxation as a departure from the throwaway society. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 371, n. 1986, p. 20110567, 2013.

[5]GRIBNAU, Hans; JALLAI, Ave-Geidi. Sustainable tax governance and transparency. Challenges in Managing Sustainable Business: Reporting, Taxation, Ethics and Governance, p. 337-369, 2019.

[6] STEWART, Miranda. The tax state, benefit and legitimacy. Tax and Transfer Working Paper No. 1/2015, 2015. Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=2657294.

[7] ZHAN, James; KARL, Joachim. 9. Investment Incentives for Sustainable Development. In: Rethinking investment incentives. Columbia University Press, 2016. p. 204-227.

[8] REDONDA, Agustin et al. Tax expenditure and the treatment of tax incentives for investment. Economics, v. 13, n. 1, 2019.

[9] https://www.camara.leg.br/noticias/784354-relatorio-aponta-que-o-brasil-nao-avancou-em-nenhuma-das-169-metas-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/. Acesso em 27.05/2023.

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