A ‘volta olímpica’ da Sabesp e as possibilidades das estatais no novo marco

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Devido a determinadas características de certas atividades de fornecimento de bens ou serviços, tais como custos fixos elevados e custos variáveis e marginais reduzidos, decorre o fato de que tais atividades, por apresentarem economias de escala e escopo significativas, são exploradas de forma mais eficiente economicamente por apenas um prestador do que se deixadas à mercê da competição no mercado – os chamados monopólios naturais.

As atividades relacionadas à implantação e operação de infraestruturas (incluídos os serviços de saneamento básico, como abastecimento de água e esgotamento sanitário) são exemplos de livro-texto de monopólios naturais: de fato, intuitivamente parece mais eficiente que apenas uma pessoa seja responsável pela implantação de todas as estruturas necessárias do que, por exemplo, ter duas ou mais redes de tubulações e estações de tratamento competindo pela água e esgoto de determinada localidade.

Oliver Williamson, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, conta em sua obra Economics Institutions of Capitalism[1] que os casos de monopólios naturais atrairiam uma escolha entre três males: permitir o monopólio privado desregulado (o que implicaria a precificação e oferta nos termos do monopolista, em prejuízo aos usuários); realizar a operação do serviço pelo próprio Estado, o que significaria externalizar para todos os contribuintes os custos decorrentes de uma atividade que beneficiaria diretamente apenas os seus usuários (isto é, toda uma população pagaria para a prestação do serviço a um conjunto de pessoas); ou adotar um monopólio regulado pelo Estado (com a fixação de preços pelo Estado, o que poderia induzir ineficiências ou mesmo a inviabilidade da prestação, caso tal regulação não seja feita adequadamente).

Williamson conta, ainda, que uma quarta solução fora desenvolvida posteriormente por colegas em Chicago, como Friedman, Stigler, Demsetz e Posner: se, pelas suas características, tais atividades não permitem uma competição no mercado, seria então necessário que houvesse uma competição pelo mercado. Isto é, com uso de um leilão ex ante para delegar o monopólio a quem se dispusesse a ofertar o serviço nos termos mais favoráveis ao seu titular, o Estado, e aos usuários (de acordo com os termos e condições definidos pelo Estado).

Por tal motivo (entre outros), a Constituição exige sempre uma licitação prévia para a concessão de serviços públicos, assim como o novo Marco Legal do Saneamento Básico foi editado com um claro propósito de promover a competição pelos serviços de saneamento básico. Para tanto, o novo marco tratou de limitar as hipóteses de prestação desses serviços que não tenham sido precedidas de competição apenas aos casos em que o próprio município titular seja o prestador do serviço, respeitados os arranjos jurídicos que se encontravam vigentes e regulares à época da entrada em vigor do novo marco legal.

A recente vitória da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) na concorrência pública 02/2023, realizada no último dia 22, para a concessão dos serviços de água e esgoto no município de Olímpia (SP), representa um marco significativo para o setor de saneamento básico no Brasil. Principalmente quando tal vitória é posta em perspectiva diante das recentes alterações no ordenamento setorial promovido pelos decretos federais 11.466, 11.467 e 11.468, todos de 5 de abril de 2023, e que procuraram fornecer alternativas para a manutenção das empresas estatais estaduais em vínculos jurídicos que não decorreram de um procedimento competitivo. Com efeito, o sucesso da Sabesp no certame do município do interior paulista traz à tona uma discussão fundamental sobre o papel das companhias estatais de serviços públicos de saneamento e como elas podem se manter atuantes mesmo após a implementação do novo Marco Legal de Saneamento Básico.

A adoção desse novo caminho, pautado pela eficiência e competição, traz benefícios diretos para a população. Por meio de procedimentos altamente competitivos, as tarifas podem ser estabelecidas de forma mais justa, resultando em preços módicos para os usuários. Além disso, ao participar de contratos aprimorados e eficazes, as empresas concessionárias, sejam elas privadas ou públicas, têm condições de captar recursos necessários para realizar os investimentos demandados pela universalização dos serviços de saneamento, ampliando, inclusive, a possibilidade de atração de recursos de financiadores privados e de utilização de instrumentos mais diversificados do mercado de capitais, como debêntures de infraestrutura.

O setor de saneamento básico no Brasil precisa evoluir e buscar soluções inovadoras para alcançar a universalização dos serviços. Ao invés de olhar para o passado e tentar perenizar arranjos que não trouxeram os investimentos desejados é fundamental que os entes públicos concentrem seus esforços em tornar as companhias estatais mais eficientes e competitivas.

A vitória da Sabesp na concorrência pública em Olímpia é um exemplo inspirador de como uma empresa estatal pode se destacar nesse novo cenário, mostrando que é possível competir na medida de suas possibilidades e no âmbito dos estados aos quais estão vinculadas com as empresas privadas. Ao adotar um modelo de gestão eficiente, a Sabesp contribui para o benefício do setor como um todo e, principalmente, para a população, que terá acesso a serviços de qualidade a tarifas oriundas de um procedimento competitivo. O futuro do saneamento no Brasil passa pela eficiência e pela busca pela excelência, independentemente da natureza da empresa prestadora dos serviços.


[1] WILLIAMSON, Oliver. Economics Institutions of Capitalism. Free Press, 1985, p.326.

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