Homem amarrado por PMs já foi preso por roubo com base em descrição errada

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São Paulo – O morador de rua Robson Rodrigo Francisco, 32 anos, que foi amarrado por PMs após furtar duas caixas de bombom, já ficou preso e foi condenado por roubo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) com base apenas no relato da vítima.

Essa condenação é de um assalto registrado na noite de 16 de junho de 2015. Por volta das 19h, um motorista parou o carro em um farol vermelho na Vila Mariana, na zona sul da capital paulista, e foi roubado à mão armada.

 

No boletim de ocorrência, feito pela internet, a vítima diz que o ladrão era um homem “pardo”, de “olhos castanhos claros”, “cabelo encaracolado” e 1,70 metro de altura. Robson é preto, tem olhos escuros, mede 1,75 metro e vivia em uma pracinha perto do local do roubo.

O morador de rua, no entanto, acabou virando o principal suspeito do assalto por causa de outro crime. No dia 17 de junho de 2015, ele foi detido em flagrante, por se atirar contra um ciclista, pegar a bicicleta dele e tentar fugir na Avenida Pedroso de Morais, em Pinheiros, na zona oeste da capital.

Processos

No caso da bike, Robson recebeu liberdade provisória na audiência de custódia e voltou às ruas.  Até que, no dia 29 de junho de 2015, PMs o abordaram de novo, alegaram desacato e o conduziram para a delegacia.

Com Robson sob nova averiguação, investigadores decidiram ligar para o motorista roubado na região e disseram que “havia um cara com eles”, segundo o depoimento da vítima prestado à Justiça. O rapaz compareceu ao 36º Distrito Policial (Vila Mariana) e reconheceu o morador de rua como o autor do assalto no farol vermelho.

No Tribunal, a vítima confirmou que Robson era o responsável pelo crime. Segundo o seu depoimento, o ladrão bateu no vidro do carro, o ameaçou com uma arma de fogo e o obrigou a passar o iPhone, a carteira e o relógio – um prejuízo estimado em R$ 3,5 mil na época.

A juíza Fernanda Afonso de Almeida, da 19ª Vara Criminal do TJSP, entretanto, apontou as inconsistências no relato do motorista, considerou as provas insuficientes e decidiu absolver Robson daquela acusação.

Segundo a decisão, nenhuma arma de fogo ou objetos roubados foram encontrados com ele. As únicas testemunhas do processo eram um policial civil e dois militares, que afirmaram não terem visto o assalto. Desde a fase de inquérito policial, Robson negou o crime. Em juízo, disse não ter “a mínima ideia” do motivo de ter sido acusado.

“A pessoa que foi reconhecida, reitera-se, é negra e não parda e tem olhos de outra cor”, escreveu a juíza ao absolvê-lo por falta de provas. “Dependendo do estado emocional, da própria falibilidade da memória humana e da semelhança física entre as pessoas, é comum que ocorram erros no momento do reconhecimento”.

Condenações

A decisão favorável a Robson, em primeira instância, foi cassada após apelação do Ministério Público de São Paulo (MPSP). Ao julgar o recurso, em março de 2016, desembargadores do TJSP avaliaram que o relato da vítima seria suficiente para condená-lo a 5 anos e 4 meses de prisão.

“Não há porque duvidar das palavras de (nome da vítima), que foi firme na fase inquisitiva, e também judicial, ao apontar Robson como autor do roubo, ressaltando-se que não tinha motivos para incriminá-lo falsamente”, escreveu o desembargador Carlos Bueno, relator do acórdão.

O julgamento ocorreu em paralelo com o caso do roubo da bicicleta em Pinheiros, pelo qual Robson também foi condenado a 4 anos e 9 meses de prisão, em novembro de 2015. Essa pena já teria sido cumprida, se a sentença não tivesse sido somada à do assalto no semáforo.

No decorrer dos processos, Robson passou pelo Centro de Detenção Provisória (CDP) 2 de Guarulhos, na Grande São Paulo, além da Penitenciária Doutor Walter Faria Pereira Queiroz, em Pirajuí, e do Centro de Progressão 1 de Bauru, ambas no interior paulista.

Nova prisão

Robson estava em regime aberto quando foi novamente detido em flagrante ao furtar comida em uma loja de conveniência no domingo (4/6). Por suposta resistência, ele teve os pés e as mãos amarrados pelos PMs no ato da prisão.

Na audiência de custódia, a juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli afirmou não ter visto “elementos que permitam concluir ter havido tortura ou maus-tratos” e o mandou de volta para a cadeia justamente por ainda estar cumprindo pena por crimes anteriores.

“(Robson) quebrou a confiança que lhe foi depositada pela Justiça Criminal, considerando que se encontrava no regime aberto de cumprimento de pena, situação em que deveria ficar longe de quaisquer problemas com a lei”, escreveu a magistrada.

Após a repercussão do caso, os PMs envolvidos foram afastados. A defesa de Robson, que alega “ilegalidade” por tortura durante o flagrante, pede que a prisão seja anulada e o morador de rua, solto.

“A dignidade da pessoa humana foi escarrada e este Tribunal pode ser a salvação de que ainda não nos perdemos completamente”, escreveu o advogado José Luiz de Oliveira Junior no habeas corpus impetrado no TJSP. O pedido ainda não foi julgado.

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