As redes sociais ‘só pensam naquilo’: paquera e memes vêm à frente de futebol e política, diz FGV

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas analisa os padrões do comportamento afetivo nas redes sociais. Casais afirmam que o amor é mais intenso que as demais questões, como futebol ou política. Pesquisa da FGV mapeia o amor nas redes sociais
Tulio Mello/ g1
Se você é um usuário assíduo da internet, já deve ter percebido que as redes sociais podem render muitas tretas e mal-estar. Mas uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que esse ambiente ainda é fértil para os apaixonados. Em todo canto tem alguém flertando ou falando de amor.
Segundo a pesquisadora Luciana Veiga, a análise de 141 mil publicações do Twitter mostrou que as interações de paqueras ou menções ao amor são mais comuns até que as discussões por futebol e por política.
“Os jovens que interagem com memes e paqueras, que tratam de assuntos leves e com humor, somam 20,5% das publicações analisadas no Twitter. É curioso que esse assunto da afetividade supera, inclusive, a questão do futebol, que aparece em 9,8% dessas interações, e da política, que apareceu em 7,7% delas”, revela Luciana (veja abaixo como a pesquisa foi feita).
Fato demonstrado na história de Thais Rocha, de 31 anos. Ela é flamenguista doente e conheceu seu marido, Felipe Oliveira, de 29 anos e apaixonadamente vascaíno, pelo Tinder, em 2018. Apesar da rivalidade no futebol, Thais afirma que o amor é tão potente que é capaz de sobrepor outras questões.
Thais é flamenguista e Felipe é Vascaíno
Reprodução/ Arquivo Pessoal
E olha que, no caso deles, as redes foram aliadas, mas também viram palco de uma divertida “guerra”. Isso porque não existe acordo de paz entre o casal. Quando os dois times se enfrentam, é chuva de memes e zoação. Mas sempre com respeito e amor.
“Eu participava da Urubuzada, sou louca pelo Flamengo, e ele pelo Vasco. Quando tem jogo, a gente zoa mesmo, enche de meme. Mas nós sabemos que é tudo no campo da diversão. Se um precisa ficar mais calado, o outro respeita. Mas, olha só… quando eu fiquei grávida, a gente apostou que se fosse um menino, seria vascaíno, se fosse menina, seria flamenguista. E EU GANHEI!”, brada, vitoriosa e brincalhona.
A pequena Carolina deu a ‘vitória’ para a mãe flamenguista
Reprodução/ Arquivo Pessoal
Para o diretor da Escola de Comunicação da FGV, Marco Ruediger, o resultado da pesquisa mostra a importância de furar as bolhas de polarização que vêm se formando ao longo do tempo, principalmente a partir da política. Ele aponta que isso é necessário para que as relações on-line possam se tornar cada vez mais saudáveis.
“As redes são eminentemente emocionais. Na relação das pessoas, a paquera, o amor, o afeto acabam sendo muito importantes. Então, a grande pergunta é: por que que a política não fala mais sobre o amor, sobre a emoção? Fica todo mundo fechado na sua própria bolha”, analisou Marco.
Meme e paquera
Se você já usou um meme para quebrar o gelo e iniciar a conversa com o crush, saiba que não está só. O humor é muito utilizado como linguagem de aproximação, sendo uma ferramenta importante até mesmo para “furar a bolha”.
Os aplicativos de namoro e uma boa dose de bom humor são ótimos aliados para quem está em busca da metade da laranja. Mas não para por aí. Elenice Alvez, de 40 anos, ressalta que o respeito é o principal segredo para qualquer relação, ainda mais quando sua paixão pensa diferente de você.
Elenice e Marcos se conheceram on-line e dizem que paciência e amor são segredo da relação
Reprodução/Arquivo Pessoal
Ela e o marido, Marcos Vinicius Cardoso, de 35 anos, torcem para times diferentes, votam em partidos opostos e seguem religiões distintas. Mas garantem que a relação flui com muita leveza e amor no dia a dia.
“No início, ele queria me impor a religião e os pensamentos dele, e eu os meus. Com o passar do tempo, passamos a respeitar um ao outro e a conviver com nossas diferenças. Eu sou umbandista, e ele, evangélico, mas ele me acompanha quando chamo e eu já fiz uma surpresa pra ele na igreja. O segredo desse relacionamento é o respeito e a paciência, porque o amor cura tudo”, compartilha.
A pesquisa da FGV demonstrou que a polarização entre esquerda e direita afastou muitas possibilidades de encontros. Boa parte das pessoas de um extremo nem sequer cogita a possibilidade de trocar aquele papinho gostoso com alguém do lado oposto.
Pesquisa da FGV mapeia o amor nas redes sociais
Divulgação/ FGV
Apesar disso, há os que usam justamente de mensagens divertidas para furar essa barreira. Afinal, se o não eles já têm, o que sobra é correr atras da humilhação.
Os pontos mais relevantes que a pesquisa destacou são:
A discussão sobre a possibilidade de se relacionar com pessoas politicamente divergentes vem mobilizando milhares de pessoas no Twitter;
No entanto, a maior parte dos usuários da plataforma trata de amor, sexo, paquera e apps de relacionamento sem considerar questões políticas;
O humor, materializado em memes e piadas, consegue furar bolhas ideológicas, representando espaços de diálogo menos acirrado entre pessoas diversas;
No Twitter, as conversas sobre o Tinder e o Grindr abordam histórias cômicas, alertas sobre golpes financeiros e relatos eróticos;
No Tinder, há um alto índice de relatos frustrados ou cômicos em relação ao app, já a discussão sobre o Grindr tende a ser mais diretamente relacionada a sexo.
Como a pesquisa foi feita
A análise foi realizada a partir do Twitter com dados entre 1º de fevereiro e 22 de maio e em três etapas.
Na primeira, foi realizada uma coleta sem regra linguística prévia, ou seja, sem um filtro temático pré-definido. Essa coleta retornou 800 milhões de tuítes em português entre fevereiro e maio de 2023. A partir desses dados, foi criado um mapa de interações que agrupou conjuntos do Twitter. Os conjuntos acima de 4% dos perfis foram considerados.
A segunda etapa consistiu em uma coleta de Twitter a partir de uma regra linguística sobre aplicativos de relacionamento. Essa coleta retornou 234 mil tuítes. Os perfis que fizeram ou retuitaram posts com menções a aplicativos de mensagens foram identificados.
Finalmente, foi feita uma sobreposição dos perfis que mencionaram ou retuitaram posts sobre aplicativos em cima do mapa de interações que mostra a distribuição geral de grupos no Twitter. Cada ponto é um perfil que mencionou ou retuitou posts sobre aplicativos de relacionamento. “Com isso, conseguimos identificar qual dos grupos do Twitter fala mais sobre esse tema. E também como todos os grupos mencionam essa temática”, explicou a FGV.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.