Diferenças de Dolores Duran são enfocadas em sensível filme sobre a artista carioca dos anos 1950

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Atração da 15ª edição do In-Edit Brasil, festival que acontece em São Paulo de 14 a 25 de junho, o documentário enfatiza a modernidade da compositora de ‘A noite do meu bem’ na vida e na música. Resenha de documentário musical em cartaz no 15º In-Edit Brasil
Título: Dolores Duran – O coração da noite
Direção: Juliana Baraúna e Igor Miguel
Cotação: ★ ★ ★ ½
♪ Filme exibido na programação da 15ª edição do In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical, com sessões em 15 de junho, às 18h, na Cinemateca brasileira; 18 de junho, às 16h, na Sala Paulo Emilio do CCSP e 22 de junho, às 15h, no CineSesc.
♪ Biógrafo de Dolores Duran (7 de junho de 1930 – 24 de outubro de 1959), cantora e compositora carioca que marcou a música brasileira ao longo da década de 1950, o jornalista e pesquisador musical Rodrigo Faour enfatiza, em depoimento para o documentário Dolores Duran – O coração da noite, que a artista era uma “figura diferente”.
Ressaltar as diferenças da compositora de A noite do meu bem (1959) na vida e na música é o mote do sensível filme de Juliana Baraúna e Igor Miguel que estreia na 15ª edição do In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical, programada para acontecer em São Paulo (SP) de 14 a 25 de junho.
Em que pese o formato convencional, calcado na alternância de depoimentos com fotos de arquivo e números musicais (a cargo da cantora Bárbara Sut), o documentário Dolores Duran – O coração da noite bate forte por traçar alentado perfil de uma artista que fez a diferença ao abrir alas na sociedade para as mulheres, não somente por se impor como compositora – atividade na época quase exclusivamente masculina e exercida por poucas pioneiras como Dona Ivone Lara (1922 – 2018) e Maysa (1936 – 1977) – mas sobretudo por viver com liberdade até então permitida somente aos homens.
Boêmia e namoradeira, Dolores frequentou a noite carioca com emancipação rara, avalizada pela mãe, Josepha Silva da Rocha, mulher semianalfabeta de gosto musical herdado pela filha.
O documentário é valorizado pela alta qualidade dos depoimentos dados por Denise Duran (irmã de Dolores), Maria Fernanda (filha adotada por Dolores pouco antes da morte da artista, aos breves 29 anos), Eloá Dias (amiga e confidente de Dolores), João Donato (namorado de Dolores), Nonato Pinheiro (outro namorado de Dolores), o já citado Rodrigo Faour (preciso na contextualização da obra da artista na música dos anos 1950), Haroldo Costa, a ativista Jurema Werneck, Izzy Gordon (cantora e sobrinha de Dolores) e Bárbara Sut.
“Dolores foi um grande professora de vida. Ela não tinha vergonha de ser moderna. Era danadinha”, sintetiza a amiga Eloá Dias, com a autoridade de ter dividido com Marisa Gata Mansa (1938 – 2003) o posto de melhor amiga e confidente de Dolores, que viveu 29 anos com intensidade que parecia desmentir o fato de ter vindo ao mundo com problema congênito no coração.
Denise Duran, irmã de Dolores Duran (1930 – 1959), em depoimento para o filme de Juliana Baraúna e Igor Miguel
Reprodução
Para quem não leu a biografia Dolores Duran – A noite e as canções de uma mulher fascinante (2013), lançada há dez anos por Rodrigo Faour, o filme Dolores Duran – O coração da noite documenta sem didatismo a trajetória de artista esquecida como grande e poliglota cantora da noite, já hábil na arte do scat singing antes do aparecimento de Leny Andrade, mas lembrada como compositora pela beleza do cancioneiro formado por 35 músicas, das quais somente sete ganharam a voz da autora em registros fonográficos.
A sensibilidade dos diretores na captação e edição dos depoimentos – apresentados no filme com calma, sem aquele ritmo picotado que fragmenta pensamentos dos entrevistados em filmes do gênero – é trunfo do documentário.
O espectador percebe a emoção da filha Maria Fernanda, a saudade de João Donato (cujo olhar por vezes vago diz mais do que o pianista fala com a boca) e o carinho de Denise Duran pela irmã mais velha que teve o aval da família para parar de estudar aos 11 anos para se dedicar à música, fato raro ainda hoje, como ressalta Faour.
Fica difícil, ao fim dos 67 minutos de projeção, não se encantar pela “figura diferente” de Dolores Duran nesse filme prejudicado somente por questões técnicas que talvez ainda possam ser corrigidas na pós-produção, já que, na cópia vista pelo colunista, os áudios das entrevistas com Eloá Dias e Haroldo Costa apresentam desníveis de som em relação aos outros depoimentos.
No todo, o documentário Dolores Duran – O coração da noite contribui para pôr a parceira de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) em Por causa de você (1957) e Estrada do sol (1958) no devido lugar de honra como artista e mulher. Dolores Duran fez diferença.
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