Bicos na adolescência, conflitos no Rio e planejamento: o caminho que levou o carioca Felipe Dana ao prêmio Pulitzer

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O fotógrafo integra a equipe da Associated Press (AP) que foi premiado pela cobertura da guerra na Ucrânia. Confira alguns dos melhores trabalhos de sua carreira. Em uma das fotografias vencedoras do Pulitzer, cachorro vigia corpo de sua dona, uma idosa da cidade de Bucha, nos arredores de Kiev, em abril de 2022.
Felipe Dana/AP
Quando fazia bicos em estúdios de fotografia no Rio de Janeiro ainda na adolescência, o carioca Felipe Dana não tinha ideia de que chegaria tão longe.
Dana faz parte da equipe de fotógrafos da Associated Press (AP) que venceu este ano o Pulitzer, o mais prestigiado prêmio de jornalismo dos Estados Unidos, na categoria Fotografias de Última Hora.
A equipe, segundo a premiação, se destacou por captar imagens das primeiras semanas de invasão da Ucrânia pela Rússia – incluindo a devastação de Mariupol, onde jornalistas da AP foram os únicos do mundo a permanecer após a Rússia fechar os acessos à cidade -, além de imagens de vítimas e do povo ucraniano que conseguiu fugir.
“Sou muito motivado pela paixão de contar histórias como fotógrafo. O que eu tento fazer hoje é contar histórias que eu acho importante. Mostrar as coisas que têm de ser mostradas”, contou o fotojornalista em entrevista ao g1.
A paixão por fotografia começou na adolescência, quando trabalhou em estúdios de amigos. Depois, começou a fotografar eventos e abriu seu próprio estúdio. Hoje, Dana vive em Barcelona, mas viaja o mundo trabalhando em conflitos, crises migratórias e outros fatos.
“O fotojornalismo era meio que uma paixão que eu fazia nas horas vagas. Não era o ganha-pão. Quando comecei, já me identificava com fotojornalismo, mas tinha mais trabalho com outro tipo de fotografia”, diz Dana. “Trabalhei como assistente e fui aprendendo fotografia, fazendo pequenos trabalhos e, aos poucos, evoluindo.”
Homem corre de prédio em chamas em Kharkiv, na Ucrânia, em 25 de março de 2022.
Felipe Dana/AP
Das operações policiais no Rio à guerra na Ucrânia
Foi olhando e focando no seu entorno, o Rio de Janeiro, onde nasceu e cresceu, que ele começou a transformar o hobby em trabalho. Dana cobriu por anos operações policiais em favelas cariocas como freelance até ser contratado pela AP, agência de notícias norte-americana, que começou a enviá-lo a outros países.
“Desde que eu sou adolescente, eu cubro os conflitos e a violência urbana no Rio de Janeiro, e sempre achei isso muito importante. Na AP, isso sempre fez parte do meu trabalho, mas comecei a cobrir conflitos no Oriente Médio porque eu tinha muito interesse também na região. Minha família é de lá, tenho origens sírio-libanesa”.
Homens da Força de Segurança Nacional durante operação policial na Vila do João, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em agosto de 2016.
Felipe Dana/ AP
Teleférico do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em setembro de 2019.
Felipe Dana/ AP
Naquele momento, Estados Unidos e forças aliadas faziam operações contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, na esteira de uma série de atentados que o grupo terrorista realizava na Europa desde 2015.
Esse foi seu primeiro passo em conflitos mais distantes de casa – até então, Dana havia trabalhado no máximo em alguns países da América Latina. Daí para frente, testemunhou conflitos no Afeganistão, Líbano e na Líbia, além de Gaza.
Suspeito de integrar o grupo terrorista Estado Islâmico com os olhos vendados após ser capturado por forças iraquianas, em 3 de julho de 2017.
Felipe Dana/AP
Planejamento como arma
Apesar de rejeitar o rótulo de fotógrafo de guerra, o carioca diz achar que lida bem em situações de risco e conflitos.
“Sou uma pessoa tranquila e calma, sei que funciono bem em situações de tensão. Busco sempre trabalhar dessa forma, planejando como fazer tudo de uma forma segura”, disse. “Acho que tenho sorte de poder fazer trabalhos de forma mais demorada, pensada”.
E embora o Pulitzer que ele e equipe conquistaram tenha sido na categoria de fotografias “de última hora”, são os trabalhos mais demorados com os quais o brasileiro diz se identificar mais. Em um deles, Dana passou dois anos reportando e investigando como um barco de migrantes africanos atravessou o Atlântico e foi parar em Trinidade e Tobago, no Caribe.
Faixa de asfalto em Nouadhibou, na Mauritânia, que fotógrafo brasileiro registrou em dezembro de 2021 durante reportagem sobre barco que saiu do país africano em direção à Espanha e foi parar no Caribe apenas com corpos
Felipe Dana/ AP
A cobertura premiada da Ucrânia, por outro lado, foi um ponto de inflexão. A dinâmica do novo conflito tornou o planejamento e o controle de risco bem mais complexos – e Dana não estava mais do lado mais poderoso do conflito.
“No Iraque ou na Síria, eu acompanho forças militares, geralmente de coalizões internacionais. Claro que houve perigos, mas eu estava sempre respaldado pelo lado mais forte. No caso da Ucrânia, a sensação é que estávamos no lado mais vulnerável. É surpreendente o que estava acontecendo lá, mas a grande parte das vítimas e do perigo são ataques à distância, algo difícil de você prever e calcular”.
Dana havia estado diversas vezes em cidades ucranianas – entre idas e vindas, são praticamente dois anos trabalhando quase exclusivamente no conflito ucraniano. Quando a guerra estourou, em fevereiro de 2022, ele desembarcou no país nos primeiros dias.
“Me surpreendeu muito ver uma invasão e uma guerra desse tamanho na Europa hoje em dia. Eu honestamente não esperava”, relatou.
Homem não identificado com uniforme militar sobre barricada em Kharkiv, na Ucrânia, em 1º de maio de 2022, após forças ucranianas recuperarem controle da cidade .
Felipe Dana/ AP
Entre os episódios mais marcantes da guerra, Dana diz ter se impressionado particularmente com dois: a situação em Kharkiv, no Leste, e o massacre de civis em Bucha, a cidade nos arredores de Kiev que ficou as primeiras semanas da guerra dominada por tropas russas.
No início de abril, pouco mais de um mês após os conflitos, os russos deixaram a cidade, dentro da estratégia russa de recuar da capital Kiev. Com a região liberada, a imprensa, ao lado das Forças Armadas ucranianas, rapidamente chegaram a Bucha, onde encontraram um cenário devastador: centenas de corpos de civis pelas ruas e dentro de casas.
Em uma delas, Dana encontrou uma idosa caída e morta e o cachorro dela rondando o corpo (veja vídeo abaixo).
Fotojornalista brasileiro vence Pulitzer por cobertura da guerra da Ucrânia
A imagem foi uma das vencedoras do Pulitzer.
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