Insustentabilidade financeira das concessões e possíveis soluções

insustentabilidade-financeira-das-concessoes-e-possiveis-solucoes

As concessões de serviço público, além de contratos administrativos, são projetos de investimento, estruturados sob um fluxo de caixa descontado, que prevê uma série de despesas, em CAPEX (investimentos no ativo) e OPEX (operação do ativo). Para remunerar o investidor, existe a arrecadação de tarifa e outras fontes de receita.

E assim como em qualquer projeto de investimento privado, a conta tem que fechar. A remuneração tem que cobrir o custo de oportunidade do investidor e o fluxo de caixa precisa de fôlego financeiro.

Fato é que a conta da viabilidade passa por uma série de premissas, que nem sempre se concretizam. E se assim for, caberá aos gestores o difícil trabalho de modular o fluxo de caixa do ativo para tentar salvar o empreendimento. Portanto, além de viável, é fundamental que o projeto seja financeiramente resiliente – projetado e gerenciado para ter capacidade de se adaptar e se recuperar de perturbações ou eventos adversos, minimizando o impacto negativo sobre seus objetivos financeiros e operacionais.

Por outro lado, a remodelação do fluxo de caixa não está na esfera de escolha privada quando se trata de concessões. Existem obrigações a serem cumpridas e uma tarifa a ser respeitada. O que fazer, então, quando a realidade se impõe e frustra as projeções iniciais?

A solução da Lei Geral de Concessões

Em caso de descumprimento de obrigações contratuais, as soluções possíveis, de acordo com a Lei 8.987/95, são: além da aplicação de multas, a encampação (art.37) ou caducidade (art. 38). Cada uma com seus requisitos, tratam-se de medidas de uma administração tipicamente unilateral, que acarretam rompimento traumático do contrato, e no mais das vezes, desaguará em litígios intermináveis, com resultados incertos e de longo prazo

Relicitação: a primeira tentativa de solução consensual

Em 2016 houve a edição de MP 957 (convertida na Lei 13.448/2017), que trouxe a hipótese de relicitação, que nada mais é que uma devolução amigável do ativo, reconhecendo sua insustentabilidade econômico-financeira. Feito o pedido de devolução pelo concessionário, é instalado um regime de transição (com suspensão de investimentos). Em paralelo, são iniciados estudos para uma nova licitação. Assim, o atual concessionário passa o bastão ao novo concessionário, que irá assumir um contrato já remodelado.

Com base na nova solução jurídica, foram feitos nove pedidos de devolução: sete rodovias federais (ANTT) e dois aeroportos (Anac). Destes, somente o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante teve andamento avançado, com leilão nesta sexta-feira (19/5).

A relicitação, apesar de festejada, por buscar tratar a insustentabilidade das concessões, não avançou até o momento, seja pela necessidade (i) da consolidação da curva de aprendizado; (ii) e de novos estudos e relançamento dos ativos ao mercado; (iii) ou pela dificuldade de se mensurar a indenização devida ao concessionário por investimentos não amortizados.

Aquisição pelo concedente: a solução ‘out of the box’

Ante os desafios da relicitação, solução bastante criativa foi adotada no caso da Rota do Oeste (Concessionária de Rodovia da 3ª Etapa do Programa da ANTT). A concessão foi adquirida pelo Governo de Mato Grosso, através da MTPar. A estatal fez a aquisição junto à Odebrecht pelo montante de R$ 1, o que envolveu também uma série de arranjos, tais como a quitação de dívidas pela estatal adquirente, bem como um aporte de R$ 1,2 bilhão, além da modificação do prazo contratual.

Solução consensual junto ao TCU: mais um passo rumo à composição de litígios na administração

Aqui, a alternativa que está sendo tentada é a solução consensual de conflitos junto ao TCU, através de sua Secretaria de Solução Consensual de Prevenção de Conflitos. As notícias são de que as concessionárias de rodovia CCR MS Via, Eco101 e ViaBahia serão levadas a tal ambiente, justamente, pela dificuldade em proceder a relicitação dos ativos, além do receio de alta na tarifa em caso de realização de uma nova licitação.

RRR (Regime de Recuperação Regulatória): a tentativa de regulação da insustentabilidade

Outro remédio está sendo ensaiado no RCR3 (Terceira Norma do Regulamento de Concessões Rodoviárias) da ANTT. O intuito é instituir um regime para sanear problemas de ativos deficitários, visando mitigar a incidência de rompimentos unilaterais (caducidade) ou mesmo da devolução amigável (relicitação). O regime envolveria a classificação das concessionárias com base no adimplemento contratual (de A até D), sendo que as de nível D (mais inadimplentes) estariam aptas ao RRR. Uma das alternativas seria a transferência de controle societário.

Anotações conclusivas

A primeira reflexão a ser feita é a importância de soluções “out of the box” para problemas complexos, como a insustentabilidade de concessões, que merecem tratamentos sob medida. Cabe ao concedente e às concessionárias envolvidas o protagonismo na arquitetura de soluções viáveis e vantajosas ao interesse público, e também para o parceiro privado.

Não deixar se pode deixar, todavia, que os remédios escondam a doença (insustentabilidade dos projetos). Cada problema merece tratamentos preventivos. Cito alguns exemplos: (i) os projetos levados à leilão precisam ser resilientes, com base em premissas sólidas; (ii) o tipo de leilão (ex. menor tarifa, maior outorga) deve conter travas à maldição do vencedor (excesso dos licitantes), de modo a preservar a resiliência inicial; (iii) mecanismos de solução de conflitos endocontratuais devem ser instituídos e utilizados, prevenindo que o projeto chegue em patamares insustentáveis; (iv) por último, um aspecto bastante sensível é o alinhamento de incentivos – é preciso que o desenho do projeto não fomente que os competidores sejam agressivos no leilão, e caso as coisas não saiam como o planejado, que a inadimplência seja “premiada” com a possibilidade de devolução do ativo.

Além desses aspectos de design (ex ante) e de gestão contratual (ex post), não devemos perder de vista que muitos dos problemas do Brasil são gerados por fatores externos ao contrato. Podemos dividir os problemas em duas frentes: (i) aspectos institucionais: é relevante que as instâncias públicas sejam aptas a dar respostas eficientes aos litígios envolvendo projetos de concessão, tais como Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas e até mesmo, as arbitragens; (ii) aspectos macroeconômicos: outro fator que pesa bastante em projetos concessionários é a instabilidade econômica brasileira, que experimenta um altíssimo custo de capital.

Em suma, tanto as dificuldades externas (institucionais e macroeconômicas), quanto às internas (incompletude e complexidade contratual) sobrelevam a necessidade de que os contratos sejam efetivamente viáveis (direito de existir), resilientes e, sobretudo, possuam o correto alinhamento de incentivos para sua permanência no longo prazo.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.