A diferença entre Lira e Pacheco

Arthur Lira (PP-AL) é um aliado casual e desagradável. O presidente da Câmara impõe constrangimentos ao governo Lula, leva as negociações ao limite e cobra caro pelo eventual apoio. Sua entrega, contudo, é impecável: conhecido cumpridor de acordos, quem atende aos (muitos) anseios e demandas dele e dos mais de 200 deputados que Lira carrega consigo terá os votos necessários, a proposta aprovada nos termos combinados e no prazo acertado. Serviço de primeira.

Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é elegante e cortês. Democrata convicto, forjado nas melhores tradições da política mineira, o presidente do Senado não faz o tipo que coloca a faca no pescoço do governo. Também não coloca a faca no pescoço dos outros senadores.

No mundo ideal, todos preferem lidar com Pachecos em vez de Liras. Mas a vida não é sobre o que a gente quer — menos ainda quando se está no governo.

Veja o caso da proposta do novo arcabouço fiscal. O governo encaminhou a matéria à Câmara em 17 de abril. Após pouco mais de um mês de negociações duras e a liberação de um volume bilionário de recursos em emendas parlamentares, Lira colocou sua tropa para jogo e a nova regra passou com extraordinários 372 votos em 24 de maio. 

O governo então esperava que o Senado aprovasse o arcabouço rapidamente e sem alterações, para que o texto fosse encaminhado à sanção do presidente Lula e pudesse impactar positivamente na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa Selic já em junho. 

E não é que o Palácio do Planalto tinha essa expectativa pelos modos finos de Pacheco: o Senado foi fartamente contemplado na montagem ministerial do governo Lula. Cinco senadores viraram ministros, o ex-presidente Davi Alcolumbre (União-AP) indicou outros dois nomes e Pacheco emplacou Alexandre Silveira, seu amigo há mais de 20 anos, como ministro de Minas e Energia. Oito ministérios na conta de uma Casa com 81 integrantes.

Pacheco prometia tocar a matéria de perto e com velocidade. Indicou para a relatoria seu parceiro de legenda Omar Aziz (PSD-AM), próximo dele e de Lula. Mas o plano não saiu como o esperado. 

Omar acatou emendas, fez alterações à revelia e não conseguiu arrancar um acordo do presidente da Câmara e do relator naquela Casa, Cláudio Cajado (PP-BA). Agora, não se sabe se os deputados vão manter ou rejeitar as mudanças. Também não haverá pressa: Lira e aliados passarão a semana em Portugal. O arcabouço virou assunto para julho. 

É claro que o Senado tem o direito de propor melhorias às propostas. Não se discute aqui o mérito. A questão é que o retorno da matéria à Câmara coloca em xeque a capacidade do Senado de se posicionar como fiador da governabilidade do presidente Lula e leva a nova regra fiscal novamente às mãos de Lira. E isso justamente em um momento em que o presidente da Câmara negocia com o Planalto a troca de ministros, o controle na liberação de mais verbas e o próprio futuro político como contrapartida à aceleração de matérias econômicas importantes. A ação do Senado, essencialmente, encareceu o passe de Lira sem que ele tenha feito qualquer movimento para isso.

Quem quer fazer o contraponto à Câmara precisa encarar missões indigestas. O Senado, ressentido pela perda de protagonismo para a Câmara nos últimos anos — desde a saída de Renan Calheiros (MDB-AL) do comando da Casa, em 2017 — demonstrou que não está tão disposto assim a esse papel. O governo já colocou isso no cálculo para futuras matérias, como a reforma tributária.

Política é a arte do possível — ou a arte de deixar todo mundo mais ou menos satisfeito. Ao abordar a previsibilidade de comportamentos no jogo político, George Tsebelis observa, em sua teoria dos Jogos Ocultos (Nested Games), que cada ator (ou jogador) sempre escolherá a opção que assegure a maximização do seu payoff, que podemos entender como a retribuição recebida por ter atuado de determinada maneira.

Eventualmente, consideramos que o ator em questão fez uma opção subótima, que aparentemente não maximiza o seu payoff. A virada de raciocínio de Tsebelis é observar que, na verdade, trata-se de uma assimetria entre o que o ator, participando de jogos em múltiplas arenas, está fazendo, e o que o observador externo está vendo, uma vez que este observa um único jogo. “Casos de escolhas aparentemente subótimas são na verdade casos de discordância entre o ator e o observador”, anotou.

No noticiário, tornou-se comum aferir a Lira a pecha de alguém que está a extorquir o governo. Há algumas considerações a fazer aqui. A primeira, de que Lula e Lira são animais políticos no topo da cadeia alimentar. Pode ter certeza: se há alguém que não se choca com os pedidos do presidente da Câmara é Lula, que sabe o que Lira tem a oferecer — e cobrar — e atende na medida do que lhe convém. Assim como os movimentos da Polícia Federal ou da Justiça para premir Lira não são vistos como coincidência, mas não o levam a querer destruir pontes. 

É improvável que haja um momento em que Lira se torne um aliado insuspeito do governo. Tampouco que ocorra um rompimento insuperável e se instale uma guerra aberta. A tensão será permanente e todos sabem. Não há crianças neste jogo.

Na próxima semana, o governo Lula novamente dependerá de Arthur Lira. Não será de graça.

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