Trabalhadores demitidos após liquidação de empresa pública no Peru pedem reparação

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Antigos trabalhadores da Empresa Comercializadora de Alimentos S.A. (Ecasa), no Peru, cobram na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) uma reparação financeira por violação de direitos fundamentais durante o processo de liquidação da empresa, em 1991.

Mais de três mil pessoas foram dispensadas depois que o então presidente Alberto Fujimori emitiu dois decretos que fecharam a empresa pública e, por consequência, suspenderam direitos trabalhistas dos servidores – entre eles, aumentos salariais fixados em acordos coletivos.

Diante da situação, membros do Sindicato Único de Trabalhadores da Ecasa, o Sutecasa, apresentaram uma ação judicial contra os atos presidenciais. Em 16 de fevereiro de 1993, após análises em diferentes instâncias, a Corte Suprema de Justiça decidiu que os decretos eram inaplicáveis e que os trabalhadores deveriam ser reparados financeiramente.

A decisão deu início a um processo de cumprimento de sentença e a uma série de perícias para apurar qual valor era devido aos demitidos. Depois de inúmeros pedidos de revisão das perícias feitos pelo Estado, porém, o processo acabou arquivado em 2021, sem execução.

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as autoridades judiciais peruanas foram ineficazes ao não conceder resposta definitiva às vítimas, o que gerou prejuízos financeiros e emocionais. Em virtude disso, concluiu que o Estado do Peru violou os direitos às garantias judiciais, negociação coletiva, propriedade privada e proteção judicial, estabelecidos nos artigos 8.1, 21, 25.1, 25.2.c) e 26 da Convenção Americana.

“Nossa dignidade foi pisoteada, nossos direitos foram violados, e o Estado não fez nada. Uma execução de sentença que dure tantos anos é um escândalo, um abuso contra nós e nossas famílias”, reclamou Eugenia Vigueiras Rojas, ex-servidora da Ecasa, em audiência pública realizada na última quarta-feira (28/6). “Os decretos foram muito estressantes, opressivos, decepcionantes”, classificou.

Ela contou que, após os decretos, foi à empresa e se deparou com um batalhão de policiais armados e portas fechadas. Segundo a ex-servidora, todos foram obrigados a ir embora subitamente.

“Quando fui trabalhar, me obrigaram a sair da empresa, fecharam as portas na nossa cara. Mais de 2 mil pessoas trabalhavam em um grande armazém, em um edifício de nove andares. Quando chegaram, ninguém pôde entrar. Encontraram a polícia, com suas armaduras, escudos e bombas de gás lacrimogêneo. Foi violentíssimo. Um abuso contra todos os trabalhadores, todas as famílias, porque não podíamos fazer nada contra eles”, lembrou.

Eugenia afirmou que, além da suspensão de direitos e das demissões, os decretos impediam que os servidores se candidatassem a outros trabalhos na administração pública por até dez anos. O desemprego forçado e a hiperinflação que assolava o país no começo da década de 1990 levaram ela e a filha, de 5 anos, a conhecer a fome, contou ela.

“Naquele tempo, havia uma situação econômica horrível. O que ganhávamos só servia para comprar cinco quilos de açúcar e, no dia seguinte, já não comprávamos nada. Nós estávamos morrendo de fome. O Estado nos matou, nos condenou a uma morte lenta”, declarou a ex-funcionária.

Eugenia pediu justiça diante dos juízes da Corte IDH. “Ajudem-nos, por favor, a exigir que o Estado cumpra com as responsabilidades que têm. Não estamos pedindo nada fora do correto. O que passamos nós nunca esqueceremos e não se pode apagar. O que posso pedir é uma reparação econômica adequada a todos os anos que se passaram, embora nosso dano não seja um dano material, mas um dano psicológico”.

O defensor público interamericano Javier Mogrovejo Mata, representante das alegadas vítimas, reforçou que o Peru vivia um contexto de autoritarismo na época dos fatos. Ele relembrou que o período em que Fujimori esteve na presidência foi marcado pelo enfraquecimento das instituições democráticas e por violações recorrentes de direitos humanos.

“Frente às violações de direitos humanos no Peru dos anos 1990, não houve mecanismos de proteção constitucional e institucional sujeitos aos standards internacionais. As pessoas não contavam com genuínas garantias de defesa, devido ao desequilíbrio dos poderes do Estado, gerado por um regime excepcional e autoritário, o que criou essas violações”, descreveu.

Leonardo Cardozo de Magalhães, também defensor público interamericano, celebrou a chegada do processo à Corte IDH. “Hoje, os trabalhadores realizam um sonho, o sonho de ser escutado. Hoje é um dia de renovar a esperança de que seus direitos sejam efetivos, de que sua luta de 30 anos possa terminar e que eles possam seguir sua vida com dignidade”.

O representante pediu que a Corte exija celeridade do Estado nas ações, visto que o Peru tem descumprido decisões internacionais e que muitos trabalhadores têm idade avançada.

“Pedimos a esta honorável Corte que leve em consideração a omissão reiterada e sistemática do Estado do Peru em desacatar abertamente as sentenças desta Corte em casos similares. Esta conduta se traduz na falta de preocupação por parte do Estado de pôr fim e remediar as consequências pessoais, sociais e econômicas que foram produzidas na vida de cada um dos trabalhadores. Solicitamos que a reparação seja imediata, levando em consideração a idade avançada da maioria das vítimas”.

O Estado peruano, por sua vez, negou que tenha cometido violações. De acordo com o procurador Carlos Miguel Reaño, representante do Ministério de Direitos Humanos do Peru, o processo não foi executado porque as perícias constataram que não havia mais dívidas com os trabalhadores – o que os representantes das vítimas negam.

Além disso, o procurador sugeriu que a Corte se limite a analisar apenas as supostas omissões judiciais e ignore as alegadas violações a direitos trabalhistas ou patrimoniais.

“Os representantes desejam incorporar fatos relacionados à privatização, demissões, seguridade social, benefícios trabalhistas, entre outros. Ou seja, supostas violações a direitos trabalhistas. O Estado peruano, no entanto, considera que não é adequado que a Corte Interamericana avalie esses aspectos, por não formar parte do marco fático do presente caso e por ser alheios à presente controvérsia”, disse Reaño.

Por fim, o representante estatal contestou o número de supostas vítimas do caso, afirmando que são cerca de 450 a menos do que o indicado pela CIDH no informe apresentado à Corte. Para o Estado, apenas as pessoas oficialmente arroladas no primeiro processo devem ser consideradas, e não todos os trabalhadores da empresa, como defendem seus representantes.

Julgarão este caso os juízes Ricardo César Pérez Manrique (presidente, Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Nancy Hernández López (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina), Patricia Pérez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil).

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