Posição do STF sobre ISS na construção civil é retrocesso jurisprudencial

A exigência do ISS pressupõe a mensuração da relação humana intersubjetiva, vale dizer, o dimensionamento do desforço humano aplicado na consecução do serviço.

Sob esse espectro, base de cálculo e alíquota do ISS, como elementos integrantes do aspecto quantitativo do tributo, devem guardar relação com o fato jurídico e a capacidade contributiva.

Dispõe a Lei Complementar 116/03, que a base de cálculo do imposto sobre serviços é o preço do serviço. Para se alcançar essa materialidade, faz-se necessário apartar da referida base valores que, apesar de ingressarem no caixa do prestador, não guardam relação com o negócio jurídico da prestação de serviços. Com efeito, referidos valores não deveriam integrar a base tributável do imposto.

A doutrina bem elucida essa questão, ao distinguir os preços de prestação e os preços de serviços. O preço de serviço engloba não somente o valor cobrado do serviço, mas os valores gastos na sua execução. Esse aspecto é de suma importância para a construção civil, vez que o art. 7º, §2º, inciso I da Lei Complementar 116/03, dispõe que não devem ser incluídos na base de cálculo do ISS o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa[1].

Em que pese a clareza do texto legal (norma geral de direito tributário), esse tema é objeto de grande celeuma entre os Fiscos Municipais e os contribuintes.

Em julgados que remontam ao primeiro decêndio do século 21, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou posicionamento no sentido de que o “ISS incide sobre a totalidade dos serviços de construção civil, exceto sobre o fornecimento de mercadorias produzidas pelo próprio prestador dos serviços fora do local da prestação, que fica sujeito ao ICMS”.[2]

Neste diapasão, o STJ considerou indedutíveis da base de cálculo do ISS os materiais adquiridos pelo prestador de serviços para fins de aplicação nas obras de construção civil.

Contudo, em 2010, o Supremo Tribunal Federal houve por receber o tema da incidência do ISS sobre materiais empregados na construção civil, sendo que, em sede de decisão monocrática, a ministra Ellen Gracie reconheceu sua repercussão geral e deu provimento ao pleito do contribuinte para permitir a dedução da base de cálculo do ISS os valores dos materiais.

Essa decisão foi prolatada no Recurso Extraordinário 603.497 (Tema 247), o qual visava deduzir da base do ISS, o valor dos materiais fornecidos em serviços de concretagem em obra de construção civil, com fulcro no art. 9º, §2º, a, do Decreto-Lei 406/1968 (em razão da época dos fatos geradores). Importa observar que a base legal objeto do julgamento cumpria o papel regulamentador da base de cálculo do ISS antes da entrada em vigor da Lei Complementar 106/2003[3]. Bem por isso, também previa a dedução das parcelas correspondentes (i) ao valor dos materiais empregados e (ii) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto.

Na prática, essa recente decisão, que já transitou em julgado, acabou por fixar que a questão das deduções da base de cálculo do ISS nos serviços de construção civil é de natureza infraconstitucional.

É de se observar que a própria relatora, em seu voto, afirmou que o referido julgamento não buscava revisar exegese do Superior Tribunal de Justiça, mas apenas verificar se, ao acolhê-la, a Corte não incorreu em ofensa à Constituição Federal. Assim, segundo o STF, o STJ possui plena competência para determinar o alcance legal dos dispositivos em questão (respectivos art. 9º, §2º, a, do DL 406/68 e art. 7º da LC 116/03).

Não obstante, após o trânsito em julgado, o STJ, levando em consideração a própria manifestação do STF, manteve o entendimento restritivo acerca da dedução dos valores fornecidos durante a prestação do serviço de empreitada. Veja-se:

Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do artigo 9º, §2º, do DL nº 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção Civil. Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema.

(REsp 1.916.376/RS, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 18/4/2023).

Assim, entendemos que, a despeito da expectativa de alteração jurisprudencial iniciada pelo STF em 2010 o tema caminha para sedimentação no sentido de que os materiais fornecidos na prestação de serviços descritos nos códigos 7.02 e 7.05 da lista anexa à LC 116/03, integram a base de cálculo do respectivo imposto sobre serviços, exceto quando os materiais forem produzidos pelo próprio prestados do serviço ou quando a legislação municipal expressamente dispuser sobre a não incidência do ISS sobre os materiais adquiridos de terceiros e implantados nas obras de construção civil.

Portanto, caberá, a partir de agora, aos tribunais locais e regionais a delimitação da amplitude dos dispositivos em face da legislação complementar nacional (Leis Complementares) e das leis municipais que definem a regra de incidência do ISS para os serviços de construção civil

Em nossa opinião, essa recente posição do STF é um retrocesso jurisprudencial, na medida em que abre margem para tributação de elementos que não se adequam à materialidade do imposto, o qual deveria incidir apenas sobre o preço do serviço de construção civil.

[1] 7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

[2] AgRg no REsp 1002693

[3] A Min. Rosa Weber bem esclarece esse ponto no relatório do acórdão do AgRg no RE 603.497: “A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, reafirmada na decisão agravada, circunscreve-se a a asseverar recepcionado, pela Carta de 1988, o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968, sem, contudo, estabelecer interpretação sobre o seu alcance nem analisar sua subsistência frente à legislação que lhe sucedeu – em especial, a LC 116/2003 -, tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça.”

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