Tragédia no Natal: relembre a explosão em parque de diversões que marcou Campina Grande há 50 anos


Cilindro de oxigênio usado para encher balões de sobro em parque de diversões explodiu no feriado de Natal, no bairro do José Pinheiro, deixando mortos e feridos há 50 anos atrás. Tragédia com cilindro de gás no José Pinheiro completa 50 anos
Arte/TV Paraíba
Em 25 de dezembro de 1974 o bairro do José Pinheiro, em Campina Grande, Agreste da Paraíba, viveu a maior tragédia de sua história. A explosão de um cilindro de oxigênio, usado para encher balões de sopro em um parque de diversões instalado ao lado de uma igreja explodiu, deixando oito mortos e mais de 100 feridos. A tragédia completou 50 anos nesta quarta-feira (25).
A tragédia que marcou a vida de milhares de pessoas aconteceu na tarde do feriado de Natal de 1974. Na ocasião, milhares de campinenses aguardavam com expectativa os festejos natalinos daquele ano, que seriam realizados pela primeira vez na Paróquia de São José, na rua Campos Sales, no José Pinheiro, em virtude das obras de reparo que estavam acontecendo na Avenida Floriano Peixoto, onde ficava a Igreja Matriz da época, hoje Catedral Diocesana de Campina Grande.
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Seguindo a tradição das quermesses, com a conhecida Festa do Pavilhão, vários brinquedos de um parque de diversões foram instalados ao lado da igreja, para que as crianças da região e os fiéis que frequentavam a paróquia pudessem se divertir após das tradicionais missas natalinas. O momento, portanto, era muito aguardado. Mas, o que era para ser festa acabou se transformando em luto.
Segundo a historiadora Juliana Nascimento de Almeida, os eventos natalinos que ocorriam em meados de 1970 movimentavam não apenas a economia de Campina Grande, como também o imaginário popular.
“As festas de Natal e Ano Novo sempre foram muito esperadas na cidade, e movimentavam não só a economia, mas o imaginário mesmo do cidadão que esperava essa festa pra ter um momento de comunhão com a família e amigos. Mas, esse foi um Natal que deixou muitas memórias amargas e tristes na cidade, que ficou enlutada pela explosão que ocorreu ao lado na igreja”, relatou.
Na Festa de Pavilhão, que aconteceria logo após das missas natalinas, ao lado da Igreja de São José, várias crianças estavam enfileiradas aguardando receber balões de sopro, exatamente no cruzamento entre a rua Adelino de Melo e a Campos Sales. Foi quando uma grande explosão silenciou o barulho da brincadeira. Depois disso, segundo a historiadora, o lugar virou um cenário de filme de terror.
“Ocorreu a explosão de um cilindro de oxigênio, mal manipulado por um comerciante que estava enchendo balões. Ao manipular mal o cilindro ele pressentiu que ia explodir, e com o estrondo da explosão muitas crianças ficaram feridas”, afirmou a historiadora.
‘Cena de filme de terror’
Juliana relata ainda que muitas crianças que não estavam tão próximas aos balões acabaram se ferindo por tentarem se distanciar do local do acidente. Assustadas, em um ato de desespero, algumas delas chegaram a pular de brinquedos do parque de diversões, como da roda gigante.
A cena que se seguiu era de desespero. Testemunhas relatam que chegaram a ver partes de corpos em ruas próximas ao acidente. Mais de 100 pessoas ficaram feridas, com graves queimaduras e mutilações pelo corpo. Algumas delas, inclusive, tiveram membros do corpo amputados e carregam até hoje as marcas da tragédia. Outras 8 pessoas morreram no episódio.
“Foi uma situação de grande lástima, de choque, e a morte estava em sua cena mais cruel. Pedaços dos corpos no chão, o cheiro de sangue que impregnava a rua, pessoas correndo de um lado para o outro desesperadas sem saber o que fazer”, afirma Juliana.
Logo depois da explosão, com as pessoas ainda tentando entender o que havia acontecido, uma força-tarefa entre os próprios moradores foi iniciada para socorrer os feridos. Ainda de acordo com a historiadora, o acesso ao local era difícil porque uma das ruas tem uma parte sem saída, e a falta de políticas públicas de vigilância também impediu que houvesse qualquer tentativa de reparar os danos.
“Quando começou o estrondo, muitas pessoas não tinham entendido o que estava se passando. Foi um desespero coletivo geral e o que mais queriam naquele momento era se salvar, salvar as crianças e todos os feridos”.
Bombeiro aposentado José Barbosa da Silva é o único dos que participou do socorro às vítimas no dia da tragédia que permanece vivo
TV Paraíba/Reprodução
O segundo sargento reformado do Corpo de Bombeiros José Barbosa da Silva estava de plantão naquele Natal de 74. Ele é o único dos que participou do socorro às vítimas no dia da tragédia que permanece vivo. Ele recorda que, na época, a equipe era formada por apenas seis homens. Ele lembra que o quartel fica a 12km do local do acidente e mesmo assim foi possível ouvir o estrondo.
“A gente ouviu essa explosão tão forte, até o colega disse assim: ‘oxe, dinamite uma hora dessa em pedreira?’”, lembra José Barbosa.
Ele explica que o cilidro de oxigênio usado tinha sido reprovado no teste hidrostático. “Esse camarada comprou no ferro-velho e veio encher bola aqui. Ela, como tinha sido reprovada, apresentou um defeito, um bucho, como chamam. Então ela explodiu”, comenta.
Caça ao culpado
Depois do acidente, ainda segundo Juliana Nascimento, historiadora que pesquisou a tragédia, as vítimas foram sendo socorridas e tiveram suas histórias acompanhadas pela imprensa local. Jornais de Campina Grande e de todo o Brasil repercutiram a história, que teve sua continuação marcada por uma verdadeira caça ao culpado pela explosão.
Adval Argemiro da Silva, identificado como culpado pela tragédia no José Pinheiro
Reprodução/E-book “Campina Grande em Pedaços”
A historiadora afirma que as forças de segurança da época investigaram o fato, e concluíram que o comerciante que estava enchendo os balões manipulou mal o cilindro e, ao perceber que haveria uma explosão, saiu do local sem que a tragédia pudesse ser evitada.
Os donos do parque de diversões foram chamados a prestar depoimento, e somente muitos dias depois o comerciante que manipulou o cilindro, identificado na época por jornais como Adval Argemiro da Silva, foi encontrado em outra cidade com as pernas queimadas. Ele afirmou que fugiu do local por medo de ser linchado.
“Cada vítima foi sendo socorrida e foi sendo acompanhada. Após esse socorro, começou uma caça pelos culpados. Investigaram os comerciantes, o parque e chegaram a conclusão depois de certo tempo que o próprio senhor do balões manipulou mal os instrumentos. Ele foi encontrado depois de muitos dias em uma outra cidade, com as pernas todas queimadas, e ele contou que correu assustado com medo de ser linchado, que ele pressentiu que [o cilindro] ia explodir e correu”, explica.
‘Memórias amargas e tristes’
Juliana Nascimento de Almeida, historiadora que pesquisou a tragédia do José Pinheiro
Artur Lira/TV Paraíba
O acidente que aconteceu há 50 anos até hoje é lembrado pelos moradores de Campina Grande, e principalmente pelos moradores do bairro do José Pinheiro, com muita tristeza. A rua Campos Sales, principal rua do bairro, guarda as memórias do dia 25 de dezembro de 1974 no relato de cada pessoa que mora nela.
A própria historiadora entrevistada pelo g1, Juliana Nascimento, cresceu perto de onde a tragédia aconteceu. Ela decidiu pesquisar sobre o tema ao perceber que as pessoas do bairro ainda sentem dificuldade em falar sobre o assunto.
“O meu interesse em pesquisar sobre a tragédia surgiu porque eu já vinha pesquisando coisas sobre o bairro. Sou historiadora local, e quando observo a história havia essa memória. Apesar de ter sido tão amplamente divulgada no ano, ninguém gostava de falar”, afirma.
Juliana também acredita que, além de revisitar a história de Campina Grande, a pesquisa dela também pode ajudar a evitar outras tragédias como esta. Atualmente, parques de diversão só podem funcionar com alvarás de autorização. São políticas como esta que, para ela, conseguem garantir a alegria de pessoas que frequentam esses lugares.
“Minha intenção foi justamente para que a gente pudesse conhecer um pouco mais a história, entender como aconteceu, para que isso não se repita. Para que a gente tenha políticas que contemplem os festejos e previnam tudo isso também. Afinal, tivemos mortos e feridos que carregam as marcas até hoje em si”, diz.
Tantos anos depois, algumas crianças que ficaram entre os feridos na época do acidente seguem a vida com as marcas no corpo e também na memória.
“Existem pessoas até hoje que carregam as marcas desse acontecimento, e que pra elas é muito difícil tocar nessa história porque foi um momento muito doloroso, porque era pra ser festa”, finaliza a historiadora.
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