Afinal, o que é ser “emocionada” e como esse traço pode atrair relacionamentos abusivos

Quando alguém diz: “fulana de tal é emocionada”, o que vem à sua cabeça? Muitos pensam em pessoas que se comovem com facilidade em certas situações. No entanto, as últimas gerações de solteiros “adaptaram” a palavra para intitular pessoas que demonstram sem amarras o quanto estão envolvidas com alguém, que leais aos sentimentos e agem de forma afetuosa mesmo sem que haja um relacionamento rotulado ou estabelecido.

Há também quem defina uma pessoa emocionada como aquela que sofre, e que faz tudo pela pessoa objeto de desejo e afeto, mas não recebe o mesmo retorno e continua ali, tentando.

Afinal, o que é ser uma pessoa emocionada? – Foto: Pexels/ND

O psicanalista Leonardo Moraes aponta que pessoas emocionadas são intensas, se jogam no que acreditam e não escondem suas emoções. A estudante de Odontologia Cecília Macedo, de 25 anos, diz se enquadrar nesta descrição. Ela conta que conheceu um rapaz em um almoço de família e logo viraram amigos.

“Quanto mais a gente se aproximava, mais eu ficava apaixonada. Ele tinha qualidades que eu nunca havia visto em ninguém. Até que um dia, quando estávamos mais ou menos há um mês conversando, ele me lançou a proposta de termos uma ‘amizade colorida’. Eu me joguei de cabeça”, lembra Cecília.

Amizade colorida virou amor, mas acabou

Segundo Cecília, muitos amigos julgaram sua decisão de manter o relacionamento não assumido de maneira tão afetuosa. “Me chamavam de emocionada porque em pouco tempo a gente já se declarava, postava stories de casal, andava de mãos dadas e viajava juntos”, diz ela. Até a máxima ‘trate seu ficante como ficante’ lhe foi aconselhada. “Você ainda vai sofrer com isso”, eles diziam.

Cecília explica que não ligava para essas falas, até ver o romance acabar em menos de um mês. “Me afastar dele foi muito doloroso. Eu o amei muito rápido e até hoje não conseguir tirá-lo da minha cabeça completamente”, falou.

Para a psicanalista Cris Pereira, o fato de ela ter se apegado tão facilmente somada à dificuldade de deixar de sentir sentimento por ele pode ter relação com três questões: dependência emocional, carência e química. Ela salienta que há pessoas naturalmente intensas, que se apaixonam e esquecem a paixão de maneira fugaz.

Cecília refletiu sobre os conselhos dos amigos: “será que se eu tivesse agido de outro jeito eu teria sofrido menos com o fim?”. Leonardo explica que é errado tratar alguém de maneira diferente, somente por conta de um patamar de relacionamento.

“É no mínimo perigoso emocionalmente e até mesmo para o futuro da relação não ter um comportamento condizente com o patamar entendido da relação para os dois envolvidos”, explica.

Como lidar com pessoas emocionadas?

“Partindo do princípio de que são apenas intensas, lidar com essas pessoas pode ser desafiador, uma vez que tudo para elas é e será mais extremo. Uma vez que a plenitude do relacionamento não é alcançado, pode haver uma grande decepção frente à expectativa que foi criada”, aponta Leonardo.

Foi o que aconteceu com um motorista de aplicativo que prefere não se identificar. Quando tinha 18 anos, ele conheceu virtualmente uma moça que logo chamou sua atenção. O rapaz conta que “foi com muita sede ao pote” e se apaixonou sem sequer a ter visto. Em menos de duas semanas de conversa, os dois iniciaram um relacionamento on-line.

Ele conta que criou muitas expectativas, sobretudo por conta da atenção que ganhava da moça. “Passávamos horas conversando, fizemos planos para o futuro, então, era inevitável não sentir nada por ela”, conta.

“Certo dia, ela disse que eu tinha entendido tudo errado, que não queria ter um relacionamento comigo e, então, terminamos nosso “namoro. Me decepcionei muito”, lembrou.

Segundo Leonardo, para não cair nessa cilada é fundamental “tentar controlar as expectativas criadas, regular as emoções desse relacionamento e dar senso de realidade às diferentes situações”, explica.

Excessos e motivações

Segundo Leonardo, a melhor maneira de evitar os excessos é se “conhecer, se respeitar e se aceitar”. Dessa forma, a tendência é gerar maiores conexões e manter relações de maior confiança, o que facilita o autocontrole.

Em alguns casos, esse modo de comportamento pode estar ligado à carência e à dependência emocional, que fazem as pessoas aceitarem qualquer tipo de indivíduo para se relacionar. Por isso, alguns “emocionados” tendem a atrair pessoas abusadoras, segundo Cris. “O quanto essa pessoa não teve atenção na infância ou até mesmo a atenção exagerada que recebeu podem ditar tais comportamentos”, explica ela.

Cris esclarece que se o indivíduo carente tiver o perfil cuidador, pode nascer uma relação na qual exista muita insegurança ou medo de ser abandonado.

“Importante, portanto, é se atentar a você. Muitas vezes, o fato de ‘julgar’ o emocionado, diz mais sobre quem você é do que sobre o outro. Ou seja, o emocionado e carente pode ser você, responsável por alimentar sua dependência de forma inconsciente”, conta Cris.

Moraes salienta que as pessoas emocionadas podem ser, acima de tudo, aquelas que acreditam ser impossível ficar sozinho, uma vez que a cultura atual coloca os relacionamentos como um dos pontos centrais da felicidade.

“Se algo percebido por ele não lhe agradou será motivo de grande sofrimento e, possivelmente, desavenças. Todos nós temos uma enorme capacidade de agir com base no que criamos e não do vemos de fato, ou seja, agimos em cima do significado que damos para um fato, e não do fato em si”, aponta o especialista.

Para algumas pessoas, amar é mais importante do que ser amado. Por isso muitas pessoas deixam de olhar para os seus próprios valores e desejos, responsabilizando o outro por atender suas demandas e necessidades. “Com isso, passam simplesmente a namorar, não importa quem”, finaliza Moraes.

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