Exposição eterniza caso de amor entre a artista Elke Hering e Florianópolis

Ninguém que tenha conhecido Elke Hering (1940-1994) passou ileso pela experiência. De um carisma incomum, ela cativava a todos com sua espontaneidade, sua beleza nórdica e o talento que abriu portas para sua arte em todas as latitudes.

Exposição destaca obras e história da artista Elke Hering  – Foto: Divulgação/ND

Ao longo da carreira, a escultora catarinense produziu obras em bronze, ferro, madeira, gesso, chumbo, plavinil (material plástico), barro, concreto e cristal, além de desenhos, pinturas e gravuras.

Nascida em Blumenau, ela deixou pegadas em diferentes espaços de Florianópolis, uma justificativa a mais para a homenagem que receberá do Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, que abre quinta-feira (20) a exposição “Elke Hering – Metamorfoses”, um dos eventos mais importantes do ano na cidade. Ainda na Capital, entre outras, a escultora fez uma individual no extinto Studio de Artes, na década de 1980.

A exposição fará uma leitura do legado de uma das mais expressivas escultoras brasileiras, exibindo obras feitas entre 1956 e 1994, a partir de curadoria da pesquisadora Denise Mattar, uma referência no campo da arte no país.

A mostra reúne 75 trabalhos e ficará na sede do instituto, em Coqueiros, até 2 de dezembro, prevendo inúmeras atividades paralelas, ações arte-educativas e eventos com instituições do terceiro setor.

Além de deixar uma obra marcante, Elke e o poeta Lindolf Bell (1938-1998), seu marido, transformaram Blumenau no epicentro das artes em Santa Catarina nas décadas de 1970 e 1980.

Elke Hering e o marido Lindolf Bell – Foto: Divulgação/ND

Ele já era uma figura nacionalmente conhecida por causa do movimento Catequese Poética, que levava a poesia para as ruas e praças das grandes cidades do país.

Ela trazia um sobrenome importante no Vale do Itajaí, a ousadia de externar suas ambições artísticas numa cidade essencialmente industrial e a experiência adquirida na célebre Academia de Belas Artes de Munique, na Alemanha, que frequentou a partir dos 17 anos com o objetivo de se aperfeiçoar na arte da escultura.

A filha, Rafaela Hering Bell, é quem responde pela guarda e difusão da obra da mãe. Ela fez exposições em grandes capitais brasileiras, mas considera que esse evento em Florianópolis é diferente, porque reúne pela primeira vez, em muitos anos, um material tão amplo e significativo das obras da artista.

Rafaela é comodatária da Casa do Poeta Lindolf Bell, em Timbó (onde o poeta nasceu), e há nove anos é dona da empresa Arteparausar, que trabalha com compra e venda de obras de arte catarinenses e nacionais e colabora com projetos de outros artistas ligados à memória cultural.

Rafaela diz que aprendeu muito com Elke e lamenta sua partida precoce, aos 53 anos. “Era minha melhor amiga e minha professora nas artes”, conta. “Sinto muita falta de conversar com ela. Sinto também por ela não ter conhecido as minhas filhas.” Elke e Lindolf também tiveram mais dois fihos, Pedro e Eduardo.

Domínio do sentido da cor, da forma e do espaço

Rafaela Hering Bell chegou a testemunhar boa parte das ações da galeria Açu-açu, aberta por Elke e Lindolf em 1970 e que se tornou um ponto irradiador da produção artística e poética no Estado.

O icônico casal abriu oportunidades para novos artistas e proporcionou encontros, reflexões e debates que estimularam jovens criadores. Depois, veio a galeria Verde Perto Arte e Objetos, igualmente destinada a pensar e difundir a arte em Blumenau e região.

A curadora Denise Mattar escreveu que a vida e a personalidade da artista estão associadas, em permanente movimento, “entre força e fragilidade, beleza e dureza, frieza e calor. Na sua produção escultórica alternam-se o ferro duro e retorcido com a pele plástica e colorida sobre volumes macios, a organicidade da madeira com a rigidez do cimento, os corpos fragmentados de bronze com o brilho e o mistério do cristal”.

A curadora destaca ainda o pleno domínio do desenho, do sentido da cor, da forma e do espaço, atributos que poderão ser melhor conferidos na exposição.

Serviço

O quê: exposição “Elke Hering – Metamorfoses”

Onde: Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação (rua Des. Pedro Silva, 2.568, Coqueiros, Florianópolis)

Quando: de 20 de julho a 2 de dezembro de 2023, de segunda a sexta-feira, das 13h30 às 18h30, e aos sábados, 10h30 às 15h30

Quanto: entrada gratuita

Mais informações no site.

Espaços públicos da Capital com obras da escultora

Um dos locais abertos de Florianópolis onde a arte de Elke Hering pode ser vista é o CIC (Centro Integrado de Cultura), num jardim interno anexo ao Masc (Museu de Arte de Santa Catarina).

Ali, a “Figura Sentada” que a artista montou em 1986 atrai os olhares de quem passa, porque a escultura portentosa mede 1,75m de altura e se impõe na paisagem. Ela já foi objeto de inúmeras mediações e sessões de arte-educação.

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“Figura Sentada” que a artista montou em 1986 – Leo Munhoz/ND

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Escultura portentosa mede 1,75m de altura e se impõe na paisagem – Leo Munhoz/ND

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la já foi objeto de inúmeras mediações e sessões de arte-educação – Leo Munhoz/ND

A diretora do Masc (Museu de Arte de Santa Catarina), Ana Paula Weschenfelder, diz que as crianças sempre querem interagir com a obra, sentar nela e sentir suas curvas e formas.

Há pouco tempo, a escultura passou por um processo de higienização feito por conservadores do museu, e será integralmente restaurada nos próximos meses, com a remoção de fissuras que se formaram pelo efeito da chuva e do vento.

“Até o fim do ano tudo estará pronto”, informa Ana Paula, anunciando que o mesmo trabalho alcançará outras obras dentro e no entorno do CIC (Centro Integrado de Cultura), como as esculturas de Paulo de Siqueira e Helena Montenegro.

Ana Paula Weschenfelder, diretora do Masc – Foto: Leo Munhoz/ND

“Também vamos revitalizar o jardim, aumentando a interação e as possibilidades de contemplação da obra de Elke”, afirma a diretora.

O Masc tem outras cinco obras da artista. Uma delas é a pintura em óleo sobre papel chamada “Salão de Baile no Campo”. Outra é um nanquim sobre papel que ilustra o célebre soneto “Triunfo Supremo”, em edição da poesia completa de Cruz e Sousa.

O conservador e restaurador Álvaro Henrique Fieri, do Masc, apresenta também uma peça em madeira, sem título, datada de 1985, e um trabalho em massa de modelar, com plavinil, de 1972, além de um protótipo da escultura “Figura Sentada”, que a artista doou ao museu após concluir a obra, na década de 1980.

No Centro

Na área central de Florianópolis, desde 1978, um torso e a obra “Fruto Partido” podem ser vistos no edifício Ceisa Center (entrada pela avenida Osmar Cunha), que ganhou mais destaque após a recente revitalização do espaço.

Escultura Torso de Elke Hering em Florianópolis – Foto: Leo Munhoz/ND

Obras de Elke Hering também estão na Assembleia Legislativa, representando os três poderes e restauradas há pouco tempo, e na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), onde a escultura “O Guardião” está abandonada e coberta de limo, ao lado da Biblioteca Universitária.

Escultura O Guardião que está localizada na UFSC – Foto: Leo Munhoz/ND

“Fascinante”, diz colecionador sobre trajetória e carreira de Elke

Marcelo Collaço Paulo não chegou a conhecer Elke Hering, mas sempre foi um admirador de sua postura vanguardista e há muitos anos tem contato com Rafaela Hering Bell, responsável pela difusão da obra da mãe.

“Elke rompeu com várias estruturas e deixou uma obra fragmentada, como era ela própria como mulher”, diz o colecionador.

“Fascinante” é o adjetivo que ele usa para definir a trajetória e a carreira da escultora. “A homenagem que prestamos a ela é muito merecida”, ressalta.

Collaço Paulo diz que o instituto, além de expor, quer tornar acessível ao maior número possível de pessoas o trabalho da artista. Para tanto, e seguindo uma proposta que está na gênese da instituição, haverá o envolvimento de escolas, com transporte gratuito de estudantes, permitindo práticas imersivas e o compartilhamento do conhecimento que um evento como esse proporciona.

A tradução e visitas mediadas em Libras e conferências com a curadora Denise Mattar e o professor Raúl Antelo, ainda este mês, também abrem o tema a olhares mais amplos e profundos da comunidade.

O colecionador está muito satisfeito com a repercussão dos eventos do Instituto Collaço Paulo, que se tornou atração para muitas pessoas que vêm de fora da cidade e do Estado e têm interesse pelas artes visuais e pela cultura local.

“A pandemia exercitou a necessidade de uma boa companhia, e a arte permite isso, pelo próprio debate que proporciona”, afirma ele, ressaltando a participação essencial da mulher, Jeanine, nas ações, iniciativas e na tomada de decisões do instituto.

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