Alice Herz: cultivar a alegria no meio da desgraça

Como reagir diante das desgraças pessoais e coletivas? No caso do Brasil, as tragédias no governo do Coiso, o descaso com a covid-19 responsável por mortes, muitas delas evitáveis, de mais de 700 mil brasileiros, incluindo entes queridos, a desigualdade social, a miséria, a fome, os assassinatos sistemáticos de quilombolas, indígenas e crianças negras, que nos deixam impotentes. É possível ser feliz no meio de tantos males irreversíveis e irreparáveis?

Essa questão é discutida em outro contexto histórico no curta-metragem “A Senhora do Apartamento 6: a música salvou minha vida”, de 39 minutos, exibido no Canal Arte 1, na quarta (9/8).  Duas irmãs judias, Alice e Mariana, nascidas em Praga, em 1903, enfrentaram de f0rma diferente a dor e o desalento provocados pela guerra e pela perseguição nazista: a perda do pai, da mãe, da maior parte de sua família, dos amigos, todos vítimas do Holocausto.

Mariana não suportou tanto sofrimento desde quando Hitler ocupou a Checoslováquia, em março de 1939, e obrigou os judeus a usarem a estrela amarela. Discriminada e banida dos espaços públicos, ela mergulhou na mais profunda depressão. Tomada pelo desespero, morreu relativamente jovem.

Alice, pianista, ciscou migalhas de alegria no campo de concentração de Terezin para onde foi deportada com seu filho de 5 anos e seu marido e, no meio das atribulações, manteve o bom humor durante toda a sua longa existência. Morreu com 110 anos, mas nos deixou lições de vida.

A música é Deus

Alice e Mariana eram irmãs gêmeas, tiveram a mesma mãe, o mesmo pai, a mesma educação, mas formas diferentes de enfrentar a dor e o desalento. Mariana, apesar de talentosa, encarava sempre com pessimismo os dissabores e se deixava aprisionar pela melancolia.

Eu sou o contrário dela. Não permito que a realidade exterior me adoeça. Diante do sofrimento, procuro ver o lado bom, belo e maravilhoso da vida. Depende de mim, a felicidade. De mim, não do que a vida me impõe. Exclusivamente de mim – diz Alice, que se refugiou na música, responsável por manter o seu equilíbrio psicológico e permitir que cultivasse a esperança nos momentos mais sombrios.

No documentário, a renomada pianista afirma que a música nos enleva, nos ajuda a gerir a dor, age diretamente sobre o nosso ritmo, as pulsações cardíacas, a pressão sanguínea, o sistema nervoso.  A música é emoção em estado puro. “Music is God” – ela diz, “porque ela nos transporta para o outro mundo, melhor do que aquele em que vivemos”.

O brilho nos olhos

Alice foi levada do gueto para o campo de concentração, onde lhe foi permitido tocar piano para distrair seus colegas de prisão, com o objetivo de servir de vitrine para a inspeção da  Cruz Vermelha. “Foi sorte nossa, mesmo assim, centenas de pessoas morriam ao nosso redor todos os dias. Foi uma época muito dificil.

Seu marido foi executado em câmaras de gás. Ela e seu filho foram libertados pelo Exército Vermelho em 9 de maio de 1945, o último dia da guerra. As imagens do curta foram filmadas em 2013, no crepúsculo de sua vida, quando Alice tinha 109 anos e tocava piano diariamente, durante três horas, no apartamento 6, em Londres, onde vivia.

O brilho dos seus olhos e a explosão de sua risada contagiante são mostrados em closes do rosto de quem manteve a alegria de viver. O diretor premiado do documentário, Malcolm Clarke, ao receber o Oscar de melhor curta-metragem, em 2014, fez um discurso emocionado:

– Quando conheci Alice, ela era a imagem do júbilo e do perdão. Para quem não sabe, ela morreu há uma semana. Foi uma mulher que ensinou a todos a serem mais otimistas e mais felizes. Vejam o filme. Tenho certeza de que ela ajudará a todos a serem felizes.

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